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A infalibilidade Papal

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INFALIBILIDADE PAPAL E DEFINIÇÕES EX-CATHEDRA

O presente artigo aborda questões atinentes ao Magistério da Igreja, credenciado por Jesus Cristo para ensinar de maneira autêntica as verdades reveladas pelo Senhor (cf. Mt 16,16‑19; 28,18‑20; Lc 21, 31s; Jo 21,15‑17 _..). Tal Magistério tem suas modalidades: 1) Magistério ordinário (o ensinamento comum dos Bispos do mundo inteiro); 2) Magistério extraordinário (definições solenes de Concílios universais e do Romano Pontífice em matéria de fé e de Moral). O artigo apresenta a série de definições proferidas pelos Papas no decorrer dos séculos.

Há interesse, por parte dos fiéis, em saber quantas verdades de fé já foram definidas pelos Papas no exercício do carisma da infalibilidade. Este desejo é legítimo, mas há de merecer uma resposta abrangente, pois se deve dissipar a concepção de que as verdades da fé começam a ser tais mediante definições ou decretos. Daí a conveniência de propormos, nas páginas subseqüentes: 1) a noção de Magistério da Igreja; 2) o significado de uma definição pontifícia; 3) as definições papais registradas através dos séculos.

O MAGISTÉRIO DA IGREJA

Jesus Cristo confiou à sua Igreja a função de ensinar as verdades da fé; e, para que o fizesse autenticamente, prometeu‑lhe a sua assistência infalível, assim como a do Espírito Santo:

Mt 28,19s: “Ide, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando‑as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando‑as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos.

Mt 10,26s: “Não tenhais medo… Pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado. O que vos digo às escuras, dizei‑o à luz do dia; o que vos é dito aos ouvidos proclamai­o sobre os telhados”.

Jo 20,21s: Jesus disse aos Apóstolos: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.

Mc 16,15.20: “Disse‑lhes: Ide por todo o mundo, i proclamai o Evangelho a toda criatura…’ E eles saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam’

A Igreja vem cumprindo a tarefa mediante seus órgãos credenciados, que são:

1) 1) o Magistério ordinário, ou seja, o ensinamento dos Bispos do mundo inteiro concordes entre si sobre artigos de fé e de Moral. Este Magistério ordinário manifesta‑se cotidianamente através de palavras orais, impressos, gestos e feitos, como também através da Liturgia, pois lex orandi, lex credendi (as normas da oração são as normas da fé). Grande número de verdades de fé está no ensinamento do Magistério ordinário da Igreja. Quando necessário ou em casos esporádicos, é exercido também.

2) 2) o Magistério extraordinário, que tem duas expressões autênticas:

– – as definições de Concílios Ecumênicos;

– – as definições do Sumo Pontífice quando fala ex cathedra.

O Magistério extraordinário supõe sempre condições especiais (dúvidas, controvérsias, contestação…), que solicitem um pronunciamento solene seja de um Concílio plenário, seja do Pontífice Romano. Não é necessária uma definição solene para que haja um dogma de fé.

A definição da infalibilidade pontifícia em matéria de fé de Moral ocorreu em 1870, no Concílio do Vaticano I; todavia não foi nessa data que surgiu a convicção de que o Bispo de Roma goza de assistência especial para definir proposições, de fé e de costumes. Essa persuasão tem suas bases na própria S. Escritura e se expressou através da história da Igreja. Tal doutrina, muito antiga na Igreja, foi reafirmada pelo Concílio do Vaticano II na Constituição Lumen Gentium n° 22‑25.

Os principais textos bíblicos atinentes ao primado de jurisdição e de magistério de Pedro e seus sucessores são os seguintes:

Mt 16,17‑19: “Jesus respondeu a Simão Pedro: `Bem‑aventurado és tu, Simão, filho de João, porque não foram carne e sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”.

Lc 22,31 s: ‘ Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça.. Quando te converteres, confirma teus irmãos’

Jo 21, 15‑17: ‘Jesus disse a Simão Pedro: `Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?’ Ele lhe respondeu: `Sim, Senhor, tu sabes que te anjo’. Jesus lhe disse: Apascenta os meus cordeiros. Uma segunda vez, Jesus lhe disse `Simão, filho de João, tu me amas?’‑ ‘Sim, Senhor, disse ele, ‘tu s S que te amo’. Disse‑lhe Jesus: `Apascenta as minhas ovelhas’. Pela terceira vez disse‑lhe: `Simão, filho de João, tu me amas?’ Entristeceu‑se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntava ?u me amas?’ e lhe disse: Senhor tu sabes tudo; tu sabes que te amo’ Jesus lhe disse: Apascenta ta as minhas ovelhas

0 SIGNIFICADO DE UMA DEFINIÇÃO PONTIFÍCIA:

Tenha‑se consciência, antes do mais, de que uma definição papal nunca é imposição brusca ou repentina de alguma sentença. As definições representam geralmente o termo final de um processo lento, durante o qual uma verdade contida no depósito tradicional da Revelação vai aflorando plenamente à consciência da hierarquia sacerdotal e dos fiéis em geral. Em outros termos: as definições não são senão a formulação explícita e solene de uma maneira de ver já implicitamente existente na Cristandade desde os tempos de Cristo. E o motivo pelo qual se dá essa formulação solene é geralmente o surto de alguma heresia que tente negar ou obliterar a sentença em foco. As definições pontifícias, por conseguinte, têm sem pre caráter extraordinário, excepcional. Quanto ao magistério ordinário da Igreja, ele se exerce pela pregação unânime do episcopado unido ao sucessor de S. Pedro, o Papa. Donde se vê que não é necessário, seja uma verdade solenemente definida pelo Sumo Pontífice, para que pertença ao depósito da fé; basta, para isto, tenha sido sempre e em toda a parte professada pelos cristãos: quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est, hoc est etenim vere proprieque catholicum. ‑ 0 que todos em toda parte e sempre acreditaram, isso é verdadeira e propriamente católico, dizia Vicente de Lerins em meados do séc. V.

Das noções acima também se depreende que não se “criam” dogmas na Igreja. Assim como num organismo vivo não nasce nem se cria algum órgão da noite para o dia, mas, ao contrário, qualquer fenômeno somático é expressão da estrutura e da vitalidade permanentes do indivíduo, assim também na Igreja não se praticam inovações de estrutura; ao contrário, qualquer afirmação autêntica dos cristãos não é senão o desdobramento do depósito da Palavra e da Vida que Cristo colocou em seu Corpo Místico e que Ele conserva sob a assistência do Espírito Santo. Nunca se poderá inculcar demais que a Igreja não é simplesmente uma escola, muito menos uma Câmara Legislativa, mas um organismo vivo, o Corpo de Cristo prolongado na terra, Corpo onde tudo se processa segundo as leis da vida, ou seja, passo por passo, homogeneamente, mediante a colaboração de membros superiores e membros inferiores.

Voltando a focalizar diretamente as definições papais, observaremos que três condições devem ser necessariamente preenchidas para que alguma proposição do Romano Pontífice tenha a autoridade de sentença infalível:

1) 1) Requer‑se que o Papa fale “ex cathedra”, isto é, como Pastor e Mestre dos cristãos, não como doutor particular. Não há, porém, trâmite prescrito para o pronunciamento do Pontífice. Não se exige, portanto, que o Santo Padre, antes de se definir, consulte algum concílio, pois este requisito suporia que o concílio possa exercer influência restritiva sobre a autoridade papal ou esteja acima do Papa no governo da Santa Igreja.

2) 2) O objeto da definição infalível são apenas proposições de fé e de moral, isto é, normas relativas ou à crença ou à conduta dos cristãos neste mundo.

3) 3) É necessário outrossim que o Sumo Pontífice intencione proferir sentença definitiva sobre o assunto focalizado. Somente tal sentença definitiva goza do privilégio da infalibilidade. Este não se estende nem aos argumentos previamente apresentados para fundamentar a definição nem às conclusões que desta decorram.

Quanto aos sinais pelos quais se pode reconhecer uma definição infalível, deve‑se dizer que não há fórmula de redação obrigatória. Basta que o Pontífice manifeste explicitamente sua intenção de declarar alguma doutrina como pertencente ao depósito da fé ou como contrária a este. Os termos habitualmente usados são: “definimus, auctoritate apostolica definimus…” ou “definitive damnamus et reprobamus, auctoritate Dei et beatorum apostolorum Petri et Pauli damnamus et reprobamus…”.

Há casos, porém, em que o documento pontifício é redigido de tal modo que a simples análise dos termos não permite aos teólogos dizer se estão diante de alguma definição “ex cathedra” ou não. Em tais circunstâncias, será lícito julgar que não se trata de sentença obrigatoriamente imposta à fé dos cristãos, pois ensina a Moral: “Non est imponenda obligatio de qua certo non constat. ‑ Não se deve impor obrigação de que não conste com certeza”. Todavia, mesmo em tais casos, pode haver para os cristãos grave dever de crer na proposição focalizada, dever decorrente de outra fonte, isto é, do ensinamento comum dos Sumos Pontífices ou do episcopado.

É o que se dá, por exemplo, quando se examina a encíclica Arcanum do Papa Leão XIII (10 de fevereiro de 1880). Este documento professa a instituição divina do casamento, a indissolubilidade do mesmo, assim como a autoridade integral e exclusiva da Igreja sobre o matrimônio cristão. A redação das frases, porém, não permite dizer que tais doutrinas estejam aí solenemente definidas; não obstante, a todos os cristãos incumbe estrito dever de as aceitar, porque são verdades ensinadas pelo magistério universal e tradicional da Igreja. ‑ O mesmo se diga da encíclica Providentissimus Deus (18 de novembro de 1893), em que o mesmo Pontífice afirma a noção católica de inspiração bíblica, assim como a veracidade do texto sagrado. S. Santidade, embora não tenha aí usado as expressões características de uma definição solene, incutiu verdades que, em vista do ensinamento comum da Igreja, são obrigatórias para todos os fiéis.

Destas observações se depreende quão pouco a Igreja ou os Papas fazem questão de definir dogmas! Qualquer definição é sempre algo de extraordinário no seio da Igreja. Feitas estas ponderações, examinemos o catálogo dos documentos pontifícios que são geralmente tidos como portadores de definição infalível.

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(D. ESTEVÃO TAVARES BETTENCOURT, OSB)
fonte:presbiteros.org.br


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