Formação

A oração de Jesus

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São Marcos registrou no seu Evangelho que Jesus, após realizar muitos prodígios, “levantando-se muito de madrugada, saiu e foi para um lugar deserto, onde se pôs a rezar” (Mc 1,35). Enquanto homem, o divino Redentor tinha uma vida intensa  de tertúlia com o Pai para dar glória a Deus, impetrar a sua graça e oferecer um exemplo para seus seguidores. Ele orou no batismo; antes de escolher os doze apóstolos; no Getsêmani; na cruz. Os instantes cruciais de sua vida Ele os expõe numa prece pessoal e solitária com Aquele que o enviara a este mundo. Isto mostra que Ele tinha plena consciência de que estava unido à Trindade.

É esta comunhão que aflora à sua mente e se traduz num admirável colóquio. Ele que afirmou aos Apóstolos ser seu alimento  fazer a vontade do Pai (Jo 4,34), encontrava na oração   a manifestação de sua adesão ao plano divino. Tinha então uma total imersão no valor e na nitidez de sua missão. Era um instante em que podia dar vazão à sua nostalgia da eternidade e daí procurar Ele instantes de solidão. Ele tem consciência de sua filiação divina, mistério único, original, irrepetível e, por isso, retira-se para orar sozinho. Sente um isolamento  que somente o Pai pode compensar, uma riqueza que somente pode ser entendida por Aquele de onde viera. Admirável a religiosidade Jesus enquanto homem!  O momento de sua oração era o instante da transparência de sua alma perante o Ser Supremo.

Penetrando no significado da atitude de Jesus em oração se percebe a sua espiritualidade, ou seja, sua  relação com Deus e o modo como Ele encara sua própria existência terrena.  Ele viera unicamente para dizer as palavras do Pai e, daí, sua união com Ele. Jesus mostra como o objeto principal da oração é a busca do Absoluto. Deus é bondade e amor que deve ser desejado, pois nele se encontra a verdadeira felicidade. Eis por que a alma tende a abandonar-se  cada vez mais à divina providência, quanto mais penetra a arte de rezar. Depara-se então com o mistério trinitário que é o vértice da autêntica união com o Criador. Este se apresenta como  paz e repouso em oposição à agitação e à inquietude, pois tal cristão se imerge no silêncio da Trindade. Donde a imperturbabilidade, a serenidade, um abandono indefectível  ao Deus eterno e infinitamente feliz. Aí esta a razão pela qual os grandes santos tinham o sentido da eternidade como plenitude de vida e de amor, se afastando progressivamente  da caducidade do mundo em devir, sujeito a transformações contínuas.

O exemplo de Jesus que procurava um lugar solitário para rezar é importante também por chamar a atenção para a importância da concentração no momento da prece. Bem diz o ditado que não é o lugar que faz a pessoa, mas a pessoa que faz o lugar. Isto vale para quem quer fazer uma boa oração, dado que cada um pode, de fato, criar o ambiente propício  para estar em comunicação com Deus. Tudo depende da fé viva e pessoal.  Uma prece que une a oração vocal e mental reativa a luz interior, tornando cada vez mais vivos os mistérios particulares da salvação.

Trata-se de personalizar a fé. Isto significa que  pela fé se acolhe a revelação como princípio e fundamento de vida e isto gera  fidelidade e dileção a Deus. Em seguida, por tudo isto, se forma a consciência cristã que é o modo como todos os pensamentos e juízos  se envolvem naquilo no que se acredita. Trata-se de um modo de ser impregnado pelos mistérios divinos. Daí uma sensibilidade espiritual que adere espontaneamente ao sobrenatural e leva a uma aversão ao que desagrada a Deus. Donde se tornar a oração um tônico espiritual, mesmo porque, absorto em Deus, o cristão não se deixa levar pelas distrações.

Iluminada a consciência, na alheta de Jesus, seu seguidor não só degusta a prece influenciado pela dom da sabedoria, como vai se purificando cada vez mais pelo contacto íntimo com a divindade. Se os grandes místicos atingem tais páramos no mais alto grau, todo aquele que crê pode e deve procurar depurar seu modo de orar, encontrando na prece um meio excelente de purificação interior. É que aborrecendo tudo que desgosta a Deus, o cristão depara uma notável harmonia interior e a vontade unida a seu Criador induz o ser do batizado a se submeter a uma sábia renúncia à luz de um grande amor a seu Senhor. Desta maneira, todas as motivações inconscientes que perturbam, todos os preconceitos frutos de inibições enraizadas no passado, são vencidos. Surge uma nova visão do mundo e a esperança passa a dominar a existência de quem foi batizado sob a certeza desta realidade: Deus que é amor me amou desde toda a eternidade. Diante destas reflexões se pode bem compreender como Jesus, enquanto homem, manifestou sempre o mais completo equilíbrio, sobretudo quando de sua paixão e morte. Ele sabia rezar!

Con. José  Geraldo Vidigal de Carvalho


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