Por este motivo, exorto-te a reavivar o dom espiritual que Deus depositou em ti pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, amor e sobriedade. Não te envergonhes, pois, de dar testemunho de nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro; pelo contrário, participa do meu sofrimento pelo Evangelho, confiando no poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com vocação santa, não em virtude de nossas obras, mas em virtude de Seu próprio desígnio e graça” (2 Tm 1, 6-9).
Na carta de São Paulo a Timóteo, o apóstolo o exorta a sempre reavivar o dom espiritual recebido pela imposição de suas mãos, revelando um dos traços mais belos da paternidade espiritual: ela é um dom enviado por Deus que revela o testemunho fiel de um irmão mais experimentado na fé e quesustenta todo aquele que é acolhido como filho,gerado e formado na vida cristã.
A paternidade espiritual assim só se realiza plenamente quando aponta para uma paternidade maior e mais plena: a paternidade de Deus. Elatransmite a vida, que acompanha, que cuida, que se doa, que é presente tanto nos bons e nos maus momentos da vida. A paternidade que é alegria e também sofrimento, pois seus filhos ainda estão em desenvolvimento, estão se formando à estatura e graça de Cristo nosso irmão. É preciso conduzi-los para Jesus, não para si mesmo, e sua missão só estará completa quando eles alcançarem a forma do Filho, cheio de força, amor e sobriedade.
O coração do pai espiritual
Toda vocação verdadeira nasce do dom de si mesmo, que é a constatação de que devemos nos ofertar por inteiro diante da missão que nos foi dada. Quando dentro de uma vocação vivenciamos apenas a dimensão do sacrifício e das renúncias, então, em vez de exprimir beleza, verdade e bondade, em vez de transbordar alegria e amor, corre-se o risco de exprimir infelicidade, tristeza e frustração. Isso vale para todas as formas de paternidade exercidas hoje.
Na carta apostólica Patris Corde do Papa Francisco, escrita por ocasião do aniversário de São José como padroeiro universal da Igreja Católica, ele mostra várias faces do coração de José, e uma delas revela-se muito preciosa para quem exerce o papel de pai espiritual, para quem deseja viver melhor esta sublime missão. É a face daquele que é a sombra na terra do Pai celeste, que guarda, protege, segue os passos de seus filhos sem nunca se afastar deles.
“Em certo sentido, estamos sempre todos na condição de José: sombra do único Pai celeste, que ‘faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus, e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores’ (Mt5, 45)”; e sombra que acompanha o filho. (Patris Corde 7. O Pai na sombra – Papa Francisco, 2020)
Esta paternidade, que vive ao mesmo tempo os mesmos sofrimentos e as esperanças do coração do Pai, deve renunciar, num certo momento, à tentação de decidir a vida dos filhos. Deve abrir espaços para a Obra Nova, para o inédito, para o diferente. Cada filho como um mistério único e irrepetível de Deus só pode ser revelado com a ajuda de um pai que respeite a sua liberdade. Dessa forma, todo pai realiza a sua paternidade, não como um exercício de posse, mas como “sinal” de uma paternidade mais alta. Por isso São José é essencialmente um modelo importante para todos os pais.
“Não se nasce pai, torna-se pai…e não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exerce a paternidade a seu respeito (…) Ser pai significa introduzir o filho na experiência da vida, na realidade. Não segurá-lo, nem prendê-lo, nem subjugá-lo, mas torna-lo capaz de opções, de liberdade, de partir”(Patris Corde 07, Papa Francisco).
A paternidade espiritual na Comunidade Shalom
Como um espelho da vida trinitária e um reflexo do mistério da Igreja, a Comunidade Shalom possui entre seus membros, aqueles com a responsabilidade de exercerem a paternidade espiritual seja entre seus irmãos mais maduros, seja para com aqueles que chegaram recentemente e fazem parte dos inúmeros grupos de oração espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
“O autor da nossa formação é o Espírito Santo. O sujeito da formação é cada membro da comunidade e toda a comunidade. A finalidade da formação é a de ser apoio para cada membro alcançar, segundo o espírito do nosso Carisma, o alvo da caminhada: a santidade (Estatutos Shalom 27, formação inicial e permanente).
O que um pai pode dar para o seu filho melhor do que o céu? Nada! É nessa perspectiva que coordenadores de grupo de oração, solteiros, casados, celibatários, sacerdotes, formadores pessoais e comunitários exercem o pastoreio de seus filhos, espirituais e mesmo aqueles biológicos. Reconhecemos que os laços espirituais são, nesse sentido muito mais fortes que os laços da carne, e que toda a paternidade possui como alvo a santidade de seus irmãos, filhos no Filho Cisto Jesus.
Ensinar, educar, exortar, auxiliar, acompanhar e sobretudo apontar o céu como um caminho de felicidade possível e real é uma sublime missão confiada a estes irmãos, que juntos sabem que o amor e a alegria manifestadas na sua oferta de vida alcançam a vida de muitas pessoas.
Essa forma de exercer a paternidade espiritual nos mostra que presença de Deus Pai deve sempre ser sempre buscada e celebrada em nosso meio. Um Pai que está presente em todos os momentos da nossa vida e que é acessível quando o invocamos. Um Pai que não se cansa de se alegrar com seus filhos e incentivar eles, que é presente e torna tudo muito mais leve e cheio de sentido. Este é o desejo do nosso coração: revelar a face de Deus Pai, assim como Jesus o fez, e fazer festa com cada filho conquistado para Ele.