Conforme se observa no Antigo Testamento, ao tempo dos patriarcas, todos os piedosos e justos podiam falar em nome de Deus, quando visitados pelo Espírito. Porém quando Israel prevaricou adorando ídolos, parece que Deus limitou seu Espírito a homens escolhidos, aos Profetas, e Sumos Sacerdotes e Reis. Mas com a morte dos últimos Profetas escritores, Ageu, Zacarias e Malaquias, o Espírito “se apagou por causa do pecado de Israel”e desde então acreditava-se que Deus continuaria falando apenas pelo “eco de sua voz”(ver Joel). Na idéia de que “Espírito se apagara” expressa-se a convicção de que o tempo presente estava alienado de Deus, e tempo sem a manifestação do Espírito é “tempo sob o julgamento de Deus” . Deus se cala e somente nos últimos tempos viria de novo o Espírito. Há então a partir daí inúmeros testemunhos da aspiração intensa pela vinda do Espírito.
A PREGAÇÃO DE JOÃO BATISTA
A atividade de Joao Batista precedeu imediatamente à de Jesus, e consistia num apelo ao reconhecimento do pecado e no batismo daqueles que se dispunham à conversão. O seu apelo transformou-se num grande movimento de penitência, e de todos os lados afluíam as multidões para o vale do Jordão. O resumo da pregação do Batista pode ser encontrado em Mt 3, 1-12: Ele anuncia a proximidade do Reino de Deus como motivo da necessidade de conversão (v.2) e a chegada de alguém mais forte do que ele, que batizará não mais apenas com um batismo de conversão, mas um batismo no Espírito Santo e no fogo (v.11). jesus mesmo reconheceria a missão do Batista, como podemos ver em Mt 11, 10: “Dele é que está escrito: Eis que eu envio meu mensageiro diante de ti”. Jesus viu nele um Profeta. Retorna assim, depois de longa interrupção, o Espírito que se extinguira. Deus rompe o seu silêncio e volta a falar ao seu povo, como no tempo dos Profetas.
O BATISMO DE JESUS POR JOÃO
O Evangelho de Mateus usa as mesmas palavras para descrever a pregação de João e a pregação de Jesus: “Convertei-vos, o reinado dos céus aproximou-se”(Mt 3,2 e Mt 4,17).
Os quatro Evangelhos e os Atos(1,22) estão de acordo em afirmar que também Jesus se dirigiu ao Jordão para ser batizado por João. Porém, o seu foi um batismo especial, porque enquanto cumpria a justiça da Lei (Mt 3,15), manifestar-se-ia diante de todos que Ele era o Enviado. Este é o primeiro sinal visível da diferença entre a pregação de João e a pregação de Jesus. Como João Batista, Jesus prega convida à conversão, mas enquanto o Batista anuncia outro que está perto, Jesus anuncia a si mesmo, porque Ele é o cumpridor da promessa, Ele traz em si o Reino esperado. Jesus inaugura com a sua presença, na sua Pessoa, a chegada do Reino de Deus. Por isso, no tempo anterior, João era o maior, mas no tempo que agora se inicia, João é o menor (Mt 11,11). Este é o abismo, que sem prejuízo à mensagem, separa a pregação dos dois.
A PREGAÇÃO DE JESUS
O tema central da pregação de Jesus foi a soberania real de Deus, a BASILËIA, ou o REINO DE DEUS. Numerosas são as parábolas nas quais Ele trata do Reino de Deus. Jesus chama todos os homens de todos os tempos e lugares para converter-se ao Reino de Deus, que Ele mesmo veio inaugurar. O que significaria isto?
Pra entender as palavras de Jesus referentes ao Reino de Deus, é de grande importância saber quais as idéias que os homens do seu tempo ligavam à expressão “Reino de Deus”. Enquanto para o Ocidental, reino significa um território, para o oriental significa simplesmente o poder de reinar, a autoridade, a soberania em ação. Então, o Reino de Deus seria a firmação de sua autoridade sobre toda autoridade humana no céu e na terra. O Livro de Daniel já se referira a um futuro reino de Deus (Dn 2,44), e a um Reino de Deus na era presente (Dn 4,31).
Segundo o pensamento de Israel, o estabelecimento do Reino de Deus deu-se pela proclamação da Lei, e se tornará visível em todo lugar onde os homens se sujeitem a obedec6e-la. Por isto quando o judeu recita o SHEMÁ, ou seja, a profissão de fé no Deus único, está com isto a proclamar o reinado de Deus sobre Israel. Assim todo pagão que se converte, toma sobre sí o jugo do reino de Deus.
Todavia, ainda segundo o pensamento do povo de Israel, na era presente o reino de Deus está limitado, oculto, porque Israel está sob a servidão dos povos pagão que rejeitam a Lei. O reino de Deus e o reino dos pagão se contrapõem em insuportável contradição, mas virá a hora em que esta dissonância será abolida. Israel será libertado e o reino de deus se revelará em toda a sua glória, e o mundo todo se colocará sob a autoridade de Deus. (Veja Zc 14,9).
Jesus retoma tudo isto. Porém, Ele é muito mais do que um Profeta. Ele não retoma simplesmente a história passada: Ele a ultrapassa. Sua tarefa não é a dissolução da Torá (Lei), mas o seu verdadeiro e perfeito cumprimento.
A QUEM SE DIRIGIA A PREGAÇÃO DE JESUS
Na sociedade contemporânea de Jesus se distinguiam quatro grupos especiais: Os Sacerdotes, Os Escribas, os Fariseus e os Zelotas. Os Sacerdotes constituíam um estado hereditário e sua ordenação não dependia de formação teológica, mas de prova de honestidade. Seu papel essencial era realizar o culto em Jerusalém. Já os Escribas, estado que se formara na época pós-exílica, eram teólogos estudados que tinham direito de dar decisões válidas tanto de cunho religiosos como penal, na qualidade de juízes. E os fariseus constituíam um grupo de leigos que se formara na metade do século II a.C. a fim d eopor-se à helenização judaica. seus membros provinham de todos os setores e camdas da população, consistindo, na maioria, de comerciantes e trabalhadores manuais. Por toda parte do país eles se reuniam comoleigos piedosos e cumpridores de todos os rituais da lei. E os Zelotas constituíam um movimento político em prol da libertação de Israel do jugo das nações opressoras.
Conforme vimos no Capítulo anterior, Jesus, na morte de Cruz veio colocar em crise todos estes grupos, assim como revelar aonde estava de fato colocada a sua esperança. É o que denominamos escândalo Pascal. Assim também a sua pregação realizou neste grupos uma espécie de escândalo pré-pascal. A mensagem profética autêntica é portadora de dois aspectos que se ligam indissoluvelmente: Graça e Julgamento. Jesus atribui uma dupla missão à sua pregação: por um lado, abre os olhos para o Evangelho Misericórdia. Ele anuncia a irrupção pródiga da Graça no tempo. Ele abre o tempo salvífico. Assim é que insere no tempo a semente do Reino de Deus. A Boa-Nova é a oferta do último tempo da Misericórdia antes do julgamento. Mas por outro lado, esta mesma misericórdia é rejeitada de tal modo que pronuncia desde já um julgamento sobre aqueles que a recusam. Por isso, a mensagem de Jesus representa a Salvação, mas pode operar a maior desgraça (Veja Mc 4,11).
Por Ana Carla Bessa
Consagrada da Comunidade Shalom
Escola de Formação Shalom