Formação

A Real Presença Eucarística

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Um outro importante argumento bastanteutilizado pelos teólogos protestantes que negam a transubstanciação eucarísticae afirmam o caráter meramente simbólico da "Ceia do Senhor", é aqueleque reivindica, equivocadamente, o caráter definitivo da mensagem salvífica eredentora do Cristo, através do seu martírio na cruz, como um acontecimentoderradeiro, escatológico, único e, portanto, não susceptível de repetição,contrariando, desse modo, à eterna evocação da real-presença do Cristo nacelebração eucarística como pretendem os católicos.

Entendem esses grupos protestantes,principalmente os presbiterianos, que através do seu sacrifício expiatório,necessariamente único e definitivo não poderia Nosso Senhor Jesus Cristo sercontinuamente imolado em termos reais no curso da liturgia eucarística, comoreivindica a teologia católica da transubstanciação.

Na perspectiva calvinista, portanto, seria umcontra senso, além de se constituir uma impossibilidade teológica e ontológicaa real presença. Por essa mesma razão, e nessa linha argumentativa, torna-sesempre oportuno lembrar que a Santa Eucaristia foi celebrada pela primeira vez,pelo próprio Jesus Cristo, antes mesmo do ciclo da paixão e morte ter secumprido, ou seja, Jesus ainda não havia morrido nem ressuscitado e, mesmoassim, ofereceu o seu corpo e o seu sangue aos apóstolos na Santa Ceiarealizada no Cenáculo; tomando ele próprio parte nessa comunhão, e ordenandoaos apóstolos que celebrassem a Ceia Eucarística em sua memória, até a vinda doReino: "Ao chegar a hora, Jesus se pôs à mesa com os apóstolos 15e lhes falou: "Desejeiardentemente comer esta Ceia da Páscoa convosco antes de sofrer. 16 Pois eu vos digo: Nuncamais a comerei, até que ela se realize no reino de Deus.” 17 Tomando um cálice, deugraças e disse: "Tomai este cálice e distribuí entre vós. 18 Pois eu vos digo: Nãomais beberei deste vinho até que chegue o Reino de Deus". 19 E tomando um pão, deugraças, partiu-o e deu-lhes dizendo : "Isto é o meu corpo, que é dado porvós. Fazei isto em memória de mim". 20 Do mesmo modo, depois dehaver ceado, tomou o cálice, dizendo: "Este cálice é a nova aliança em meu sangue, derramado por vós.(Lc 22,14-20)" 

Portanto,como isso é possível,  Nosso Senhor Jesus Cristo íntegro no seucorpo, e vivo ao lado dos apóstolos, oferecer o seu corpo e seu sangue no atoeucarístico? Afirmando inquestionavelmente ser as espécies eucarísticasefetivamente seu corpo real e seu sangue igualmente real. A resposta éinequívoca ,em conformidade com o todo o conjunto da doutrina cristã. Épossível sim porque, fundamentalmente, a transubstanciação sempre ocorre, porobra do Espírito Santo que derrama sua graça por sobre as espécies eucarísticasconsagrando-as.

A eucaristia é assim parte central domistério da Santíssima Trindade. Em outras passagens dos evangelhos podemosobservar claramente esse mesmo relacionamento entre as três pessoas da SantíssimaTrindade se manifestando. Quando, por exemplo, Jesus foi batizado por São JoãoBatista nas margens do rio Jordão, o Espírito Santo pousou sobre ele.Cristo nãoprecisava ser batizado porque nasceu sem pecados e assim atravessou todo ocurso da sua vida terrena. Porém ele quis, na plenitude da sua humanidade, queo batismo também lhe fosse ministrado ". Jesus veio daGaliléia ao rio Jordão até João, para ser batizado por ele. 14João, porém, se opunha, dizendo: "Eu é que devo ser batizado porti e tu vens a mim?"15 Jesusrespondeu: "Deixa agora, pois convém que assim cumpramos toda ajustiça". Então João concordou. 16 Depois de batizado, Jesus saiu logo da água.Nisso, os céus se abriram, e ele viu o Espírito de Deus descer como uma pomba epousar sobre ele.17 E do céuveio uma voz que dizia: "Este é o meu Filho amado, de quem eu meagrado". (Mateus 2,13-17)  

A mesma verdade sobrenatural Jesus revelouaos apóstolos ao dizer que enviaria o Espírito Santo para guiá-los, após a suasubida definitiva ao céu. "Depois lhes disse: "Isto é o quevos dizia enquanto ainda estava convosco: é preciso que se cumpra tudo o queestá escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos a meu respeito". 45 Então Jesus abriu-lhes a inteligência paracompreenderem as Escrituras, 46 elhes disse: "Assim estava escrito que o Cristo haveria de sofrer e aoterceiro dia ressuscitar dos mortos 47 e, começando por Jerusalém, em seu nomeseria pregada a todas as nações a conversão para o perdão dos pecados. 48 Vós sois testemunhas disso. 49 Eu vos mandarei aquele que meu Pai prometeu.Por isso, permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto"(LUCAS 24, 44-48). 

Como pôde Nosso Senhor Jesus Cristo,plenamente Deus, mandar o Espírito Santo como guia dos apóstolos? A existência da Santíssima Trindade, averdade do Deus Trino, é, por conseguinte, a realidade propiciadora dorelacionamento entre essas mesmas pessoas da Trindade, que não formam trêsdivindades distintas, nem tampouco se contradizem ao serem plenamente Deus nasSuas três pessoas, eternamente unidas, inseparáveis. Cada qual cumprindo suaobra especifica ainda que atuando sempre unidas. 

A Santa Eucaristia é, portanto, uma expressãosacramental do próprio mistério da Santíssima Trindade. O que vale dizer: caipor terra o argumento de alguns protestantes segundo o qual, não é possível oCristo ser verdadeiramente sacrificado infinitas vezes na missa, visto ter sidoseu sacrifício na cruz derradeiro e último.

Ora, se Nosso Senhor Jesus Cristo ordena a celebraçãoeucarística antes mesmo da sua morte, dizendo ser o pão eucarísticoverdadeiramente seu corpo, e o vinho plenamente o seu sangue ( Mt26, 26-28); (Mc 14,22-24); (Jo 6, 48-52); (Lc 22,19-20);  (I Cor 11, 24-25), é porque o sacrifício da missa é de outranatureza ontológica que aquele vivido na sua fase da carne entre os mortais;não implicando a ritualização eucarística da missa, em nenhum sacrifíciorenovado ao Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

O sacrifício eucarístico é assim, sempre,incruento. Mesmo porque, após a ressurreição, numa das suas diversasmanifestações, o próprio Jesus Cristo volta a celebrar a Santa Eucaristia: "EJesus lhes disse: "Ó homens sem inteligência e de coração lento para crero que os Profetas falaram. 26 Não era necessário que o Cristo sofressetudo isso para entrar na sua glória?" 27 E, começando por Moisés e por todos osProfetas, foi explicando tudo que a ele se referia em todas as Escrituras. 28 Quando se aproximaram do povoado para ondeiam, Jesus fez menção de seguir adiante. 29 Mas eles o obrigaram a parar: "Ficaconosco, pois é tarde e o dia já está terminando". Ele entrou para ficarcom eles. 30 E aconteceu que, enquanto estava com eles àmesa, tomou o pão, rezou a bênção, partiu-o e lhes deu. 31 Então, abriram-se os olhos deles e oreconheceram, mas ele desapareceu. 32 Disseram então um para o outro: "Nãonos ardia o coração quando pelo caminho nos falava e explicava asEscrituras?". 33 Namesma hora se levantaram e voltaram para Jerusalém. Lá encontraram reunidos osOnze e seus companheiros, 34 quelhes disseram: "O Senhorressuscitou de verdade e apareceu a Simão". 35 Eles também começaram a contar o que tinhaacontecido no caminho e como o reconheceram ao partir o pão.(LUCAS,24,25-35)".  

A redenção alcançada por Nosso Senhor JesusCristo é única; e a redenção dos homens, por ele, também o é. Contudo, aritualização da Santa-Eucaristia não é um sacrifício restrito continuamenterenovado, como aquele realizado pelo Sumo Sacerdote, num templo de pedra doqual nos fala Paulo em sua epístola aos Hebreus. Mas significa sim, a renovaçãoda Aliança entre Deus e os homens nas sucessivas gerações de cristãos que vêmparticipar da comunhão do Cristo ao longo dos séculos e séculos no âmago da suaIgreja, sob a condução do Espírito Santo, conquistando também eles asua salvação para a vida eterna junto a Deus.

Os dons infinitos do sangue de Cristo redimemeternamente todos aqueles que se dispõe verdadeiramente a acolher sua mensagem,na plenitude das suas mentes e corações. A repetição da celebração dosmistérios do Senhor ao longo do ano litúrgico não deve ser confundida com aconcepção pagã do eterno retorno; a ritualização da história da salvação, não étampouco um memorial simbólico dessa mesma história, mas acima de tudo, umaplena realização individual em cada pessoa, em cada fiel, no presente, e paratoda a eternidade, da primeira eucaristia celebrada por Nosso Senhor JesusCristo. É acima de tudo, um desdobramento do processo salvífico cristão queabraça todo os homens em todos os tempos, até a consumação dos dias, quando,então, nos tornaremos plenamente filhos de Deus, através da redenção do Cristo,que nos foi dada pela graça de Deus, na continua presença do Pai entre homens,através das obras do Espírito Santo (João 14,20). Para concluir nossa argumentação sobre a comunhão eucarísticainquebrantável do Cristo com os homens, cabe citar  a seguinte declaração do Concílio de Trento  

"Cristo,nosso Deus e Senhor ofereceu-se a sim mesmo a Deus Pai uma vez por todas,morrendo como intercessor sobre o altar da cruz, a fim de realizar por eles(oshomens) uma redenção eterna. Todavia, como a sua morte não deveria pôr fim aoseu sacerdócio (Hb 7, 24.27), na Última ceia, ‘na noite em que foientregue'(1Cor 11,13), quis deixar à Igreja, sua esposa muito amada, umsacrifício visível (como o reclama a natureza humana) em que seria feitopresente o sacrifício cruento que ia realizar-se uma vez por todas uma únicavez na cruz, sacrifício este cuja memória haveria de perpetuar-se até o fim dosséculos (1 Cor 11,23) e cuja virtude salutar haveria de aplicar-se à redençãodos pecados que cometemos cada dia." (Concílio de Trento, DS 1740).

"Osacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício: éuma só e a mesma vítima, é o mesmo que oferece agora pelo ministério dossacerdotes, que se ofereceu a si mesmo na cruz. Apenas a maneira de oferecerdifere’: ‘Neste divino sacrifício que se realiza na Missa, este mesmo Cristo,que se ofereceu a si mesmo uma vez de maneira cruenta no altar da cruz, estácontido e é imolado de maneira incruenta." (idem, DS1743,in CIC 1367).

O"apóstolodos gentios", São Paulo, observava na Primeira Epístola aos CORÍNTIOScapitulo 10 versículos de 14 ao 18, serem o pão e o vinho consagrados nacelebração eucarística, efetivamente o corpo e o sangue de Cristo. Alertando, por outro lado, para osmalefícios causados pela comunhão realizada por pessoas desprovidas de fé e sema plena consciência do que fazem ao participar da celebração eucarística doSenhor : " Pelo que, amados meus, fugi da idolatria. 15Falo-vos como a homens sensatos. Sede vós juízes do que eu vos digo: 16 Ocálice de bênção que benzemos não é ele a comunhão do sangue de Cristo? E o pãoque partimos não é ele a comunhão do corpo de Cristo? 17 Porque somos um só pãoe um só corpo apesar de muitos, pois todos participamos desse único pão.(…)"" (1Cor 10,14-18)

Everton N. Jobim
Professor de sociologiapela PUC/RJ e professor de Antropologia Social pelo Museu Nacional /UFRJ


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