No parágrafo 50 do Catecismo, a Igreja declara que Deus vem ao encontro do homem. Leia a introdução do respectivo capítulo: “Pela sua revelação, ‘Deus invisível, na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele’. A resposta adequada a este convite é a fé. Pela fé, o homem submete completamente a Deus a inteligência e a vontade; com todo o seu ser, o homem dá assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura chama ‘obediência da fé’ a esta resposta do homem a Deus revelador” (CIC 142-143).
Como podemos ver, a Igreja alerta sobre a importância de não nos comportarmos como surdos e cegos diante da revelação de Deus. Diante do Criador que Se revela, o homem precisa dar uma resposta. Que resposta é essa? A obediência da fé. Leia a próxima exposição do Documento: “Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, visto que sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da Virgem Maria” (CIC 144).
Veja que ensinamento surpreendente o Documento nos dá: no Antigo Testamento, a referência e exemplo de fé para o povo de Israel era Abraão. Porém, a Igreja aponta no Novo Testamento outra grande referência de amor e obediência a Deus, a Bem-aventurada Virgem Maria. Isso mesmo! Aquela que acreditou. “A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a ‘obediência da fé’. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que ‘a Deus nada é impossível’ (Lc 1,37) e dando o seu assentimento: ‘Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1,38). Isabel saudou-a: ‘Feliz aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor’ (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a hão-de proclamar bem-aventurada” (CIC 148). Segundo o documento, durante toda a sua existência neste mundo, mesmo diante das provações sofridas por seu Filho, Maria não perdeu sua fé. E foi justamente essa fé que a fez ficar de pé diante da dor e da morte.
O que significa “crer”?
Uma fé confusa e imatura, se não evoluir, pode ser, por vezes, tão nociva quanto não ter fé. Assim, o Catecismo declara: “Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus. Enquanto adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada, a fé cristã difere da fé numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente em Deus e crer absolutamente no que Ele diz. Seria vão e falso ter semelhante fé numa criatura” (CIC 150).
Essa fé em Deus, segundo a profissão do Credo, deve estar associada ao mistério Trinitário da Revelação. Devemos crer em Jesus Cristo, porque foi enviado por Deus Pai e Criador do mundo. Devemos ainda crer no Espírito Santo, pois é esse Santo Paráclito, quem revela aos homens quem é Jesus. “Só Deus conhece a Deus por inteiro. Cremos no Espírito Santo porque Ele é Deus” (CIC 152).
Ainda nos ensinando as noções de fé segundo a revelação de Cristo, o Catecismo vai dizer que crer é uma graça. Leia: “Quando Pedro confessa que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus declara-lhe que esta revelação não lhe veio ‘da carne nem do sangue, mas do seu Pai que está nos Céus’ (Mt 16,17). A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. ‘Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte o coração para Deus, abre os olhos do entendimento, e dá ‘a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade’” (CIC 153).
Porém, se é verdade que ter fé é uma graça, é verdade também que ter fé é um ato humano. “Não contraria nem a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por ele reveladas” (CIC 154). No ato de crer, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça do Criador (cf. CIC 155). Essa cooperação entre fé e razão não é tão simples de se explicar. Assim, o Catecismo declara que: “O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Nós cremos ‘por causa da autoridade do próprio Deus revelador, que não pode enganar-se nem enganar-nos” (CIC 156).
A fé supõe liberdade
Essa relação entre liberdade e fé foi sendo compreendida na Igreja aos poucos. Infelizmente, equívocos não faltaram. O Catecismo mostra o resultado dessa busca incessante da Igreja: “Para ser humana, ‘a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária. Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçar a fé contra vontade. Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua própria natureza’. ‘É certo que Deus chama o homem a servi-Lo em espírito e verdade; mas, se é verdade que este apelo obriga o homem em consciência, isso não quer dizer que o constranja […]. Isto foi evidente, no mais alto grau, em Jesus Cristo’. De fato, Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém. ‘Deu testemunho da verdade, mas não a impôs pela força aos seus contraditores. O seu Reino […] dilata-se graças ao amor, pelo qual, levantado na cruz, Cristo atrai a Si todos os homens (CIC 160). Evangelizar é um trabalho de conquista, em que a alma do anúncio é o amor incansável de Deus, revelado na oferta salvadora de Cristo.
O Catecismo ainda alerta para o fato de que, embora a fé seja um dom de Deus, ela pode ser tanto perdida quanto pedida. Leia: “A fé é um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós podemos perder este dom inestimável. Paulo adverte Timóteo a respeito dessa possibilidade: ‘Combate o bom combate, guardando a fé e a boa consciência; por se afastarem desse princípio é que muitos naufragaram na fé’ (1 Tm 1,18-19). Para viver, crescer e perseverar até ao fim na fé, temos de a alimentar com a Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la aumente; ela deve ‘agir pela caridade (Gl 5,6), ser sustentada pela esperança e permanecer enraizada na fé da Igreja” (CIC 162). O próprio apóstolo Paulo orientou Timóteo sobre isso.
A fé, por fim, é algo tão extraordinário, que antecipa-nos o gosto da eternidade: “A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatífica, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então, veremos Deus ‘face a face’ (1Cor 13,12), ‘tal como Ele é’ (1Jo 3,2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna (1Tm 1,18-19)” (CIC 163).
Eu creio, nós cremos
Ainda dentro dessa catequese sobre o conceito de fé, o Catecismo, em seu terceiro capítulo, oferece-nos também algumas orientações sobre o aspecto universal ou comunitário da fé. A fé da Igreja não é subjetivista e individualista. O “eu creio!” deve ter por base o “nós cremos”: “A fé é um ato pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que Se revela. Mas não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé” (CIC 166).
Tamanha é a convicção da Igreja nesse aspecto que, no ritual de batismo, o ministro pergunta ao catecúmeno: “Que pedes à Igreja de Deus? ” Ele responde: ”A fé”. Continua o ministro: “E o que te dá a fé?” Responde o catecúmeno: “A vida eterna” (cf. CIC 168). A fé tem uma linguagem própria. A Igreja é intérprete e anunciadora dessa linguagem. Assim, em um dos parágrafos desta secção, a Igreja diz: “Não acreditamos em fórmulas, mas sim nas realidades que as fórmulas exprimem e que a fé nos permite ‘tocar’. ‘O ato [de fé] do crente não se detém no enunciado, mas na realidade [enunciada]’. No entanto, é através das fórmulas da fé que nos aproximamos dessas realidades. As fórmulas permitem-nos exprimir e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e dela viver cada vez mais” (CIC 170).
A linguagem da fé continua limpa, não obstante os séculos, idiomas, culturas, povos e nações pelas quais foi transmitida. Isso porque a Igreja é: “Coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15). Como uma mãe, ensina-nos, como fiéis e seus filhos, a falarmos a linguagem da fé. Mais do que isso, ela zela para que sejamos anunciadores dessa mesma fé, não obstante as culturas, línguas e raças (cf. CIC 173 a 175). Assim, cada fiel deve guardar com cuidado essa bendita e santa fé, de modo que Jesus Cristo seja anunciado e seu Reino de amor seja efetivado.