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A Ressurreição de Cristo

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Com esta Liturgia da Ressurreição do Senhor atingimos o ponto máximo da celebração pascal, que nos fez percorrer o caminho de Jesus, desde a Sua entrada messiânica em Jerusalém, até à Sua morte no Calvário. Seguimo-l’O, neste itinerário, como discípulos: celebrámos com Ele a Ceia Pascal, deixando-nos surpreender pelo dom do Seu corpo e sangue, que nos deu, sob a forma do pão e do vinho, como o alimento da nova Aliança; vivemos, com Ele, a densidade da agonia, abraçando com amor todo o sofrimento do mundo; pedimos-Lhe que com a força do Seu amor nos ensinasse a oferecer com amor toda a nossa vida; partilhámos do sofrimento de Maria, Sua Mãe, a cujo amor maternal Ele confiou o nosso caminho de salvação. A celebração da Ressurreição é indesligável deste itinerário de redenção.

A Ressurreição começou por ser o ponto de chegada do itinerário pessoal de Jesus Cristo, na fidelidade à Sua missão. O autor dos Actos dos Apóstolos situa-a no termo do itinerário profético de Jesus: “de tudo o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo de João”. Toda a vida pública de Jesus foi um caminhar para Jerusalém, para a Sua hora, sempre envolvido pelo amor do Pai, assumindo no dom da Sua vida o infinito amor de Deus pelos homens, numa fidelidade sem limites. A Ressurreição é a resposta da fidelidade do amor do Pai para com o Seu Filho: “Por isso Deus O exaltou e Lhe deu o Nome que está acima de todo o nome” (Fil. 2,9).

2. Ponto culminante da missão redentora de Cristo, a Sua ressurreição é também a plenitude do nosso caminho de redenção. Se na Sua paixão, Ele venceu o nosso pecado, na Sua ressurreição Ele resolveu o drama da nossa morte. A vida do homem só se resolve cabalmente se se decifrar o enigma da morte. A vitória sobre o pecado tinha de ser prévia à vitória sobre a morte, porque toda a revelação, desde o Génesis, nos falava de uma relação causal entre o pecado e a morte, talvez mais exactamente, entre o pecado e a maneira de viver a morte. São Paulo, na Carta aos Romanos, resume assim toda a tradição bíblica da inter-relação entre o pecado e a morte: “Assim como por um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte, o que fez com que a morte atingisse todos os homens, porque todos pecaram”. Este drama do pecado e da morte encontrou solução na morte e ressurreição de Jesus Cristo: “Assim, pois, como a falta de um só arrastou todos os homens para uma condenação, assim a obra de justiça de um só proporciona a todos uma justificação que dá a vida” (Rom. 5,12.19).

O que é que significa esta relação entre o pecado e a morte? Nada, na Sagrada Escritura, nos sugere que, mesmo que não pecasse, o homem não morreria. A morte é um processo biológico normal e inevitável, que atinge toda a criação. As consequências do pecado fizeram-se sentir na dimensão psicológica e espiritual da morte, ou seja, na maneira de viver a morte. Identifiquemos, pelo que conhecemos da realidade humana, alguns sintomas destas consequências do pecado: antes de mais, o medo de morrer. Num quadro de justiça não manchada, a morte seria desejada como passagem para a plenitude definitiva da vida. O pecado alterou a própria compreensão da vida, a morte aparece como a negação da vida e por isso é temida. Só recuperando o verdadeiro sentido da vida, se resgata a morte e se lhe restitui o sentido de passagem para a vida definitiva.

3. O aspecto mais grave desta alteração do sentido da vida e da morte é o deixar de se acreditar na vida depois da morte. Esta, no seu drama, levou à perda do sentido da perenidade da vida, à esperança na vida em plenitude e para sempre. Embora não seja fácil arrancar completamente do coração humano a esperança na vida depois da morte, há em todos os tempos, e hoje são muitos, homens e mulheres que vivem como se a vida acabasse na morte, o que altera profundamente o sentido da vida, a maneira como se vive.

A morte e ressurreição de Cristo, porque liberta o homem do pecado, redime a morte do seu sentido dramático de fim de vida, e volta a dar-lhe o sentido da passagem para uma vida plena e definitiva. E esta é, para nós, a expressão máxima da nossa redenção. Como diz Paulo aos Coríntios: “Se Cristo não ressuscitou dos mortos, a vossa fé é vã e permaneceis ainda nos vossos pecados” (1Cor. 15,17).

4. A ressurreição de Cristo abre-nos o horizonte da plenitude da vida, que n’Ele e em nós por Ele, se manifestará na vitória sobre a morte. A morte é vencida, não anulando-a, mas morrendo bem, “morrendo em Cristo”, sempre na expressão de Paulo. Na segunda leitura desta celebração, ele escreve aos Colossenses: “Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória” (Col. 3,4).

A vida de Cristo ressuscitado é participada por nós, na nossa caminhada de fé e de união ao Senhor, portanto antes da nossa morte física, mas que significa morte para o pecado. Na morte de Cristo, todos nós, os crentes, purificados pela Páscoa, já morremos; morremos antes de morrer, o que nos permitirá abraçar a morte como a manifestação de uma vida “escondida em Deus”. Isto significa que temos acesso à vida definitiva, à vida plena, como primícias do Reino, antes de morreremos fisicamente. Na nossa existência de crentes, a nossa morte é tão permanente como a vida. Quando chegar a hora da nossa morte física, já estamos habituados a morrer, porque nos foi comunicado o dom da vida definitiva, pela participação na ressurreição de Cristo.

Este processo de vitória sobre a morte, começa na participação na vida do Ressuscitado e terá a sua plenitude na nossa própria ressurreição, também ela um dogma da nossa fé. Para Paulo, a relação entre a ressurreição de Cristo e a nossa própria ressurreição é natural e inevitável: “Se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns entre vós podem dizer que não há ressurreição dos mortos! Se não há ressurreição dos mortos, Cristo também não ressuscitou” (1Co. 15,12-13).

5. É por isso que a ressurreição de Cristo é o grande anúncio querigmático dos Apóstolos e da Igreja primitiva: “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia, e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o Povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus” (Act. 10,40-41). E este é também o anúncio da nossa libertação, da redenção da nossa morte. A ressurreição de Cristo não é, apenas, a solução justa do seu drama pessoal; tudo o que Ele viveu, foi por causa de nós, porque na Sua vida se resolvia a nossa vida. A Sua ressurreição é o triunfo da vida, também para nós. É o anúncio da nossa própria vitória sobre a morte.

O anúncio pascal é feito por testemunhas da ressurreição. Não é apenas uma verificação positiva, é a esperança testemunhada, baseada na experiência de convivência com Cristo ressuscitado pelas primeiras testemunhas.

Hoje são testemunhas da ressurreição todos os que experimentaram já, na sua vida, esta vitória sobre a morte, todos os que são testemunhos da esperança. Celebrar a Páscoa é ser enviado, sempre de novo, a testemunhar essa esperança.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte: Radio Vaticano


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