Formação

A sacramentalidade da Palavra

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 56. Com o apelo ao carácter performativo da Palavra de Deusna acção sacramental e o aprofundamento da relação entre Palavra e Eucaristia,somos introduzidos num tema significativo, referido durante a Assembleia doSínodo: a sacramentalidade da Palavra.[195] A este respeito é útil recordar queo Papa João Paulo II já aludira «ao horizonte sacramental da Revelação e, deforma particular, ao sinal eucarístico, onde a união indivisível entre arealidade e o respectivo significado permite identificar a profundidade domistério».[196] Daqui se compreende que, na origem da sacramentalidade daPalavra de Deus, esteja precisamente o mistério da encarnação: «o Verbo fez-Secarne» (Jo 1, 14), a realidade do mistério revelado oferece-se a nós na «carne»do Filho. A Palavra de Deus torna-se perceptível à fé através do «sinal» depalavras e gestos humanos. A fé reconhece o Verbo de Deus, acolhendo os gestose as palavras com que Ele mesmo se nos apresenta. Portanto, o horizontesacramental da revelação indica a modalidade histórico-salvífica com que oVerbo de Deus entra no tempo e no espaço, tornando-Se interlocutor do homem,chamado a acolher na fé o seu dom.

 Assim é possível compreender a sacramentalidade da Palavraatravés da analogia com a presença real de Cristo sob as espécies do pão e dovinho consagrados.[197] Aproximando-nos do altar e participando no banqueteeucarístico, comungamos realmente o corpo e o sangue de Cristo. A proclamaçãoda Palavra de Deus na celebração comporta reconhecer que é o próprio Cristo queSe faz presente e Se dirige a nós[198] para ser acolhido. Referindo-se àatitude que se deve adoptar tanto em relação à Eucaristia como à Palavra deDeus, São Jerónimo afirma: «Lemos as Sagradas Escrituras. Eu penso que oEvangelho é o Corpo de Cristo; penso que as santas Escrituras são o seuensinamento. E quando Ele fala em “comer a minha carne e beber o meu sangue”(Jo 6, 53), embora estas palavras se possam entender do Mistério [eucarístico],todavia também a palavra da Escritura, o ensinamento de Deus, é verdadeiramenteo corpo de Cristo e o seu sangue. Quando vamos receber o Mistério[eucarístico], se cair uma migalha sentimo-nos perdidos. E, quando estamos aescutar a Palavra de Deus e nos é derramada nos ouvidos a Palavra de Deus que écarne de Cristo e seu sangue, se nos distrairmos com outra coisa, nãoincorremos em grande perigo?».[199] Realmente presente nas espécies do pão e dovinho, Cristo está presente, de modo análogo, também na Palavra proclamada naliturgia. Por isso, aprofundar o sentido da sacramentalidade da Palavra de Deuspode favorecer uma maior compreensão unitária do mistério da revelação em«acções e palavras intimamente relacionadas»,[200] sendo de proveito à vidaespiritual dos fiéis e à acção pastoral da Igreja.

 A Sagrada Escritura e o Leccionário

 57. Ao acentuar o nexo entre Palavra e Eucaristia, o Sínodoquis justamente evocar também alguns aspectos da celebração inerentes aoserviço da Palavra. Quero mencionar, em primeiro lugar, a importância doLeccionário. A reforma desejada pelo Concílio Vaticano II[201] mostrou os seusfrutos, tornando mais rico o acesso à Sagrada Escritura que é oferecidaabundantemente sobretudo nas liturgias do domingo. A estrutura actual, além deapresentar com frequência os textos mais importantes da Escritura, favorece acompreensão da unidade do plano divino, através da correlação entre as leiturasdo Antigo e do Novo Testamento, «centrada em Cristo e no seu mistério pascal».[202]Certas dificuldades que se sentem ao querer identificar as relações entre asleituras dos dois Testamentos devem ser consideradas à luz da leitura canónica,ou seja, da unidade intrínseca da Bíblia inteira. Onde se sentir a necessidade,os organismos competentes podem prover à publicação de subsídios que tornemmais fácil compreender o nexo entre as leituras propostas pelo Leccionário, quedevem ser todas proclamadas na assembleia litúrgica, como previsto pelaliturgia do dia. Eventuais problemas e dificuldades sejam assinalados àCongregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.

 Além disso, não devemos esquecer que o Leccionário actual dorito latino tem também um significado ecuménico, visto que é utilizado eapreciado mesmo por confissões em comunhão ainda não plena com a IgrejaCatólica. De modo diverso se apresenta o problema do Leccionário nas liturgiasdas Igrejas Católicas Orientais, que o Sínodo pede para ser «examinado comautoridade»[203] segundo a tradição própria e as competências das Igrejas suiiuris e tendo em conta também o contexto ecuménico.

 Proclamação da Palavra e ministério do leitorado

 58. Na assembleia sinodal sobre a Eucaristia, já se tinhapedido maior cuidado com a proclamação da Palavra de Deus.[204] Como é sabido,enquanto o Evangelho é proclamado pelo sacerdote ou pelo diácono, a primeira ea segunda leitura na tradição latina são proclamadas pelo leitor encarregado,homem ou mulher. Quero aqui fazer-me eco dos Padres sinodais que sublinharam,também naquela circunstância, a necessidade de cuidar, com uma adequadaformação,[205] o exercício da função de leitor na celebração litúrgica[206] ede modo particular o ministério do leitorado que enquanto tal, no rito latino,é ministério laical. É necessário que os leitores encarregados de tal serviço,ainda que não tenham recebido a instituição no mesmo, sejam verdadeiramenteidóneos e preparados com empenho. Tal preparação deve ser não apenas bíblica elitúrgica mas também técnica: «A formação bíblica deve levar os leitores asaberem enquadrar as leituras no seu contexto e a identificarem o centro doanúncio revelado à luz da fé. A formação litúrgica deve comunicar aos leitoresuma certa facilidade em perceber o sentido e a estrutura da liturgia da Palavrae os motivos da relação entre a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística. Apreparação técnica deve tornar os leitores cada vez mais idóneos na arte delerem em público tanto com a simples voz natural, como com a ajuda dosinstrumentos modernos de amplificação sonora».[207]

 A importância da homilia

 59. «As tarefas e funções que competem a cada umrelativamente à Palavra de Deus são diversas: aos fiéis compete ouvi-la emeditá-la, enquanto a sua exposição cabe somente àqueles que, em virtude daOrdem sacra, receberam a tarefa do magistério, ou àqueles a quem é confiado oexercício deste ministério»,[208] ou seja, bispos, presbíteros e diáconos.Daqui se compreende a atenção particular que, no Sínodo, foi dispensada ao temada homilia. Já na Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis,recordei como, «pensando na importância da palavra de Deus, surge a necessidadede melhorar a qualidade da homilia; de facto, “esta constitui parte integranteda acção litúrgica”, cuja função é favorecer uma compreensão e eficácia maisampla da Palavra de Deus na vida dos fiéis».[209] A homilia constitui umaactualização da mensagem da Sagrada Escritura, de tal modo que os fiéis sejamlevados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momentoactual da sua vida. Aquela deve levar à compreensão do mistério que se celebra;convidar para a missão, preparando a assembleia para a profissão de fé, aoração universal e a liturgia eucarística. Consequentemente aqueles que, porministério específico, estão incumbidos da pregação tenham verdadeiramente apeito esta tarefa. Devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstractas queocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que ameaçamatrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagemevangélica. Deve resultar claramente aos fiéis que aquilo que o pregador tem apeito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia. Por isso, épreciso que os pregadores tenham familiaridade e contacto assíduo com o textosagrado;[210] preparem-se para a homilia na meditação e na oração, a fim depregarem com convicção e paixão. A assembleia sinodal exortou a ter presente asseguintes perguntas: «O que dizem as leituras proclamadas? O que dizem a mimpessoalmente? O que devo dizer à comunidade, tendo em conta a sua situaçãoconcreta?».[211] O pregador deve deixar-se «interpelar primeiro pela Palavra deDeus que anuncia»,[212] porque – como diz Santo Agostinho – «seguramente ficasem fruto aquele que prega exteriormente a Palavra de Deus sem a escutar no seuíntimo».[213] Cuide-se, com atenção particular, a homilia dos domingos esolenidades; e mesmo durante a semana nas Missas cum populo, quando possível,não se deixe de oferecer breves reflexões, apropriadas à situação, para ajudaros fiéis a acolherem e tornarem fecunda a Palavra escutada.

 Conveniência de um Directório homilético

 60. Pregar de modo adequado referindo-se ao Leccionário éverdadeiramente uma arte que deve ser cultivada. Por isso, dando continuidade àsolicitação feita no Sínodo anterior,[214] peço às autoridades competentes que,correlativamente ao Compêndio Eucarístico,[215] se pense também em instrumentose subsídios adequados para ajudar os ministros a desempenhar da melhor formapossível a sua tarefa, como, por exemplo, um Directório sobre a homilia, demodo que os pregadores possam encontrar nele uma ajuda útil a fim de seprepararem no exercício do ministério. E depois, como nos lembra São Jerónimo,a pregação deve ser acompanhada pelo testemunho da própria vida: «Que as tuasacções não desmintam as tuas palavras, para que não aconteça que, quando tupregares na igreja, alguém comente no seu íntimo: “Então porque é que tu nãoages assim?” (…) No sacerdote de Cristo, devem estar de acordo a mente e apalavra».[216]

 Palavra de Deus, Reconciliação e Unção dos Doentes

 61. Embora no centro da relação entre Palavra de Deus eSacramentos esteja indubitavelmente a Eucaristia, todavia é bom sublinhar aimportância da Sagrada Escritura também nos outros Sacramentos, particularmentenos Sacramentos de cura: a Reconciliação ou Penitência e a Unção dos Doentes.Nestes Sacramentos, muitas vezes é negligenciada a referência à SagradaEscritura, quando, ao contrário, é necessário dar-lhe o espaço que lhe compete.De facto, nunca se deve esquecer que «a Palavra de Deus é palavra dereconciliação, porque nela Deus reconcilia consigo todas as coisas (cf. 2 Cor5, 18-20; Ef 1, 10). O perdão misericordioso de Deus, encarnado em Jesus,reabilita o pecador».[217] Pela Palavra de Deus, «o fiel é iluminado para poderconhecer os seus pecados e é chamado à conversão e à confiança na misericórdiade Deus».[218] Para que se aprofunde a força reconciliadora da Palavra de Deus,recomenda-se que o indivíduo penitente se prepare para a confissão meditando umtrecho apropriado da Sagrada Escritura e possa começar a confissão com aleitura ou a escuta de uma advertência bíblica, como aliás está previsto nopróprio ritual. Depois, ao manifestar a sua contrição, é bom que o penitenteutilize «uma oração composta de palavras da Sagrada Escritura»,[219] previstapelo ritual. Sempre que possível, seria bom que, em momentos particulares doano ou quando houver oportunidade, a confissão individual da multidão depenitentes tenha lugar no âmbito de celebrações penitenciais, como previstopelo ritual, no respeito das várias tradições litúrgicas, para se poder daramplo espaço à celebração da Palavra com o uso de leituras apropriadas.

 Passando ao sacramento da Unção dos Doentes, não se esqueçaque «a força salutar da Palavra de Deus é apelo vivo a uma conversão pessoalconstante do próprio ouvinte».[220] A Sagrada Escritura contém numerosaspáginas de conforto, amparo e cura, que se devem à intervenção de Deus. Emparticular, recorde-se a atenção dada por Jesus aos doentes e como Ele mesmo,Verbo de Deus encarnado, carregou as nossas dores e sofreu por amor do homem,dando assim sentido à doença e à morte. É bom que, nas paróquias e sobretudonos hospitais, se celebre – desde que as circunstâncias o permitam – o Sacramentodos Doentes de forma comunitária. Em tais ocasiões, seja dado amplo espaço àcelebração da Palavra e ajudem-se os fiéis doentes a viver com fé a própriacondição de sofrimento, em união com o Sacrifício redentor de Cristo que nosliberta do mal.

 Palavra de Deus e Liturgia das Horas

 62. Entre as formas de oração que exaltam a SagradaEscritura, conta-se, sem dúvida, a Liturgia das Horas. Os Padres sinodaisafirmaram que esta constitui «uma forma privilegiada de escuta da Palavra deDeus, porque põe os fiéis em contacto com a Sagrada Escritura e com a Tradiçãoviva da Igreja».[221] Antes de mais nada, há que lembrar a profunda dignidadeteológica e eclesial desta oração. De facto, «na Liturgia das Horas, a Igrejaexerce a função sacerdotal da sua Cabeça, “oferecendo ininterruptamente (1 Ts5, 17) a Deus o sacrifício de louvor, ou seja, o fruto dos lábios queglorificam o seu nome (cf. Hb 13, 15)”. Esta oração é a “voz da Esposa a falarao Esposo e também a oração que o próprio Cristo, unido ao seu Corpo, eleva aoPai”».[222] A este propósito, o Concílio Vaticano II afirmara: «Todos os querezam assim, cumprem, por um lado, a obrigação própria da Igreja, e, por outro,participam na imensa honra da Esposa de Cristo, porque estão em nome da Igreja,diante do trono de Deus, a louvar o Senhor».[223] Na Liturgia das Horas,enquanto oração pública da Igreja, manifesta-se o ideal cristão de santificaçãodo dia inteiro, ritmado pela escuta da Palavra de Deus e pela oração dosSalmos, de modo que toda a actividade encontre o seu ponto de referência nolouvor prestado a Deus.

 Aqueles que, em virtude do próprio estado de vida, sãoobrigados a rezar a Liturgia das Horas, vivam fielmente tal compromisso embenefício de toda a Igreja. Os bispos, os sacerdotes e os diáconos aspirantesao sacerdócio, que receberam da Igreja o mandato de a celebrar, têm a obrigaçãode rezar diariamente todas as Horas.[224] Relativamente à obrigatoriedade destaliturgia nas Igrejas Orientais Católicas sui iuris, siga-se o que está indicadono direito próprio.[225] Além disso, encorajo as comunidades de vida consagradaa serem exemplares na celebração da Liturgia das Horas, a fim de poderemconstituir um ponto de referência e inspiração para a vida espiritual epastoral de toda a Igreja.

 O Sínodo exprimiu o desejo de uma maior difusão no Povo deDeus desta forma de oração, especialmente a recitação de Laudes e Vésperas.Este incremento não deixará de fazer crescer nos fiéis a familiaridade com aPalavra de Deus. Saliente-se também o valor da Liturgia das Horas prevista paraas Primeiras Vésperas do domingo e das solenidades, particularmente nas IgrejasOrientais Católicas. Com tal finalidade, recomendo que, onde for possível, asparóquias e as comunidades de vida religiosa favoreçam esta oração com aparticipação dos fiéis.

 Palavra de Deus e Cerimonial das Bênçãos

 63. No uso do Cerimonial das Bênçãos, preste-se atençãotambém ao espaço previsto para a proclamação, a escuta e a explicação daPalavra de Deus, através de breves advertências. Com efeito, o gesto da bênção,nos casos previstos pela Igreja e quando pedido pelos fiéis, não deve aparecerisolado em si mesmo, mas relacionado, no grau que lhe é próprio, com a vidalitúrgica do Povo de Deus. Neste sentido, a bênção, como verdadeiro sinal sagrado,«adquire sentido e eficácia da proclamação da Palavra de Deus».[226] Por isso,é importante aproveitar também estas circunstâncias para suscitar nos fiéisfome e sede de toda a palavra que sai da boca de Deus (cf. Mt 4, 4).

 Sugestões e propostas concretas para a animação litúrgica

 64. Depois de ter lembrado alguns elementos fundamentais darelação entre Liturgia e Palavra de Deus, quero agora assumir e valorizaralgumas propostas e sugestões que os Padres sinodais recomendaram parafavorecer, no Povo de Deus, uma crescente familiaridade com a Palavra de Deusno âmbito das acções litúrgicas ou de algum modo relacionadas com elas.

 a) Celebrações da Palavra de Deus

 65. Os Padres sinodais exortaram todos os Pastores adifundir, nas comunidades a eles confiadas, os momentos de celebração daPalavra:[227] são ocasiões privilegiadas de encontro com o Senhor. Por isso,tal prática não pode deixar de trazer grande proveito aos fiéis, e deveconsiderar-se um elemento importante da pastoral litúrgica. Estas celebraçõesassumem particular relevância como preparação para a Eucaristia dominical, demodo que os fiéis tenham possibilidade de penetrar melhor na riqueza doLeccionário para meditar e rezar a Sagrada Escritura, sobretudo nos temposlitúrgicos fortes do Advento e Natal, da Quaresma e Páscoa. Entretanto acelebração da Palavra de Deus é vivamente recomendada nas comunidades onde nãoé possível, por causa da escassez de sacerdotes, celebrar o SacrifícioEucarístico nos dias festivos de preceito. Tendo em conta as indicações jáexpressas na Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis sobre asassembleias dominicais à espera de sacerdote,[228] recomendo que sejamredigidos pelas competentes autoridades directórios rituais, valorizando aexperiência das Igrejas Particulares. Assim, em tais situações, hão-defavorecer-se celebrações da Palavra que alimentem a fé dos fiéis, mas evitandoque as mesmas sejam confundidas com celebrações eucarísticas; «devem antestornar-se ocasiões privilegiadas de oração a Deus para que mande sacerdotessantos segundo o seu Coração».[229]

 Além disso, os Padres sinodais convidaram a celebrar aPalavra de Deus também por ocasião de peregrinações, festas particulares,missões populares, retiros espirituais e dias especiais de penitência,reparação e perdão. No que se refere às diversas formas de piedade popular,embora não sejam actos litúrgicos nem se devam confundir com as celebraçõeslitúrgicas, todavia é bom que se inspirem nelas e sobretudo que dêem espaçoadequado à proclamação e escuta da Palavra de Deus; de facto, «a piedadepopular encontrará nas palavras da Bíblia uma fonte inesgotável de inspiração,modelos insuperáveis de oração e fecundas propostas de diversos temas».[230]

 b) A Palavra e o silêncio

 66. Várias intervenções dos Padres sinodais insistiram sobreo valor do silêncio para a recepção da Palavra de Deus na vida dos fiéis.[231]De facto, a palavra pode ser pronunciada e ouvida apenas no silêncio, exteriore interior. O nosso tempo não favorece o recolhimento e, às vezes, fica-se coma impressão de ter medo de se separar, por um só momento, dos instrumentos decomunicação de massa. Por isso, hoje é necessário educar o Povo de Deus para ovalor do silêncio. Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida daIgreja significa também redescobrir o sentido do recolhimento e datranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que osmistérios de Cristo estão ligados ao silêncio[232] e só nele é que a Palavrapode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher indivisivelmenteda Palavra e do silêncio. As nossas liturgias devem facilitar esta escutaautêntica: Verbo crescente, verba deficiunt.[233]

 Que este valor brilhe particularmente na Liturgia daPalavra, que «deve ser celebrada de modo a favorecer a meditação».[234] Osilêncio, quando previsto, deve ser considerado «como parte dacelebração».[235] Por isso, exorto os Pastores a estimularem os momentos derecolhimento, nos quais, com a ajuda do Espírito Santo, a Palavra de Deus éacolhida no coração.

 c) Proclamação solene da Palavra de Deus

 67. Outra sugestão feita pelo Sínodo foi a de solenizar,sobretudo em ocorrências litúrgicas relevantes, a proclamação da Palavra,especialmente do Evangelho, utilizando o Evangeliário, conduzidoprocessionalmente durante os ritos iniciais e depois levado ao ambão pelodiácono ou por um sacerdote para a proclamação. Deste modo ajuda-se o Povo deDeus a reconhecer que «a leitura do Evangelho constitui o ápice da próprialiturgia da Palavra».[236] Seguindo as indicações contidas no Ordenamento dasLeituras da Missa, é bom valorizar a proclamação da Palavra de Deus com ocanto, particularmente o Evangelho, de modo especial em determinadassolenidades. A saudação, o anúncio inicial: «Evangelho de Nosso Senhor…» e aexclamação final «Palavra da salvação», seria bom proferi-los em canto paraevidenciar a importância do que é lido.[237]

 d) A Palavra de Deus no templo cristão

 68. Para favorecer a escuta da Palavra de Deus, não se devemmenosprezar os meios que possam ajudar os fiéis a prestar maior atenção. Nestesentido, é necessário que, nos edifícios sagrados, nunca se descuide aacústica, no respeito das normas litúrgicas e arquitectónicas. «Na construçãodas igrejas, os Bispos, valendo-se da devida ajuda, procurem que sejam locaisadequados à proclamação da Palavra, à meditação e à celebração eucarística. Osespaços sagrados, mesmo fora da acção litúrgica, revistam-se de eloquência,apresentando o mistério cristão relacionado com a Palavra de Deus».[238]

 Uma atenção especial seja dada ao ambão, enquanto lugarlitúrgico donde é proclamada a Palavra de Deus. Deve estar colocado em lugarbem visível, para onde se dirija espontaneamente a atenção dos fiéis durante aliturgia da Palavra. É bom que seja fixo, esculturalmente em harmonia estéticacom o altar, de modo a representar mesmo visivelmente o sentido teológico dadupla mesa da Palavra e da Eucaristia. A partir do ambão, são proclamadas asleituras, o salmo responsorial e o Precónio pascal; de lá podem ser feitastambém a homilia e a leitura da oração dos fiéis.[239]

 Além disso, os Padres sinodais sugerem que, nas igrejas,haja um local de honra onde se possa colocar a Sagrada Escritura mesmo fora dacelebração.[240] Realmente é bom que o livro onde está contida a Palavra deDeus tenha dentro do templo cristão um lugar visível e de honra, mas sem tirara centralidade que compete ao Sacrário que contém o Santíssimo Sacramento.[241]

 e) Exclusividade dos textos bíblicos na liturgia

 69. O Sínodo reafirmou vivamente também aquilo que, aliás,já está estabelecido pela norma litúrgica da Igreja,[242] isto é, que asleituras tiradas da Sagrada Escritura nunca sejam substituídas por outros textos,por mais significativos que estes possam parecer do ponto de vista pastoral ouespiritual: «Nenhum texto de espiritualidade ou de literatura pode atingir ovalor e a riqueza contida na Sagrada Escritura que é Palavra de Deus».[243]Trata-se de uma disposição antiga da Igreja que se deve manter.[244] Face aalguns abusos, já o Papa João Paulo II lembrara a importância de nunca sesubstituir a Sagrada Escritura por outras leituras.[245] Recorde-se que tambémo Salmo Responsorial é Palavra de Deus, pela qual respondemos à voz do Senhor epor isso não deve ser substituído por outros textos; entretanto é muitooportuno poder proclamá-lo de forma cantada.

 f) Canto litúrgico biblicamente inspirado

 70. No âmbito da valorização da Palavra de Deus durante a celebraçãolitúrgica, tenha-se presente também o canto nos momentos previstos pelo própriorito, favorecendo o canto de clara inspiração bíblica capaz de exprimir abeleza da Palavra divina por meio de um harmonioso acordo entre as palavras e amúsica. Neste sentido, é bom valorizar aqueles cânticos que a tradição daIgreja nos legou e que respeitam este critério; penso particularmente naimportância do canto gregoriano.[246]

 g) Particular atenção aos cegos e aos surdos

 71. Neste contexto, queria também recordar que o Sínodorecomendou uma atenção particular àqueles que, por causa da própria condição,sentem dificuldade em participar activamente na liturgia, como por exemplo oscegos e os surdos. Na medida do possível, encorajo as comunidades cristãs aprovidenciarem instrumentos adequados para ir ao encontro da dificuldade quepadecem estes irmãos e irmãs, para que lhes seja possível também estabelecer umcontacto vivo com a Palavra do Senhor.[247]

Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini –Introdução »

I Parte:
O Deus que fala »
Cristologia da Palavra »
A Palavra de Deus e o Espírito Santo »
Deus Pai, fonte e origem da Palavra »
A hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja »
O perigo do dualismo e a hermenêutica secularizada »
A relação entre Antigo e Novo Testamento »
Diálogo entre Pastores, teólogos e exegetas »

II – Parte:
A Igreja acolhe a Palavra »
A sacramentalidade da Palavra »
A palavra de Deus na vida eclesial »
Leitura orante da Sagrada Escritura e "lectio divina" »

III-Parte
A missão da Igreja: anunciar a palavra de Deus ao mundo »
Palavra de Deus e compromisso no mundo »
Anúncio da Palavra de Deus e os migrantes »
A Sagrada Escritura nas diversas expressões artísticas »
Palavra de Deus e diálogo inter-religioso »

Conclusão
A palavra definitiva de Deus »


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