Formação

A Solidariedade Cristã

comshalom

Significado e valor

A solidariedade confere particular relevo à intrínseca sociabilidade da pessoa humana, à igualdade de todos em dignidade e direitos, ao caminho comum dos homens e dos povos para uma unidade cada vez mais convicta. Nunca como hoje, houve uma consciência tão generalizada do liame de interdependência entre os homens e os povos, que se manifesta em qualquer nível. A rapidíssima multiplicação das vias e dos meios de comunicação «em tempo real», como são os telemáticos, os extraordinários progressos da informática, o crescente volume dos intercâmbios comerciais e das informações estão a testemunhar que, pela primeira vez desde o início da história da humanidade, ao menos tecnicamente, é já possível estabelecer relações também entre pessoas muito distantes umas das outras ou desconhecidos.

Em face do fenômeno da interdependência e da sua constante dilatação, subsistem, por outro lado, em todo o mundo, desigualdades muito fortes entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, alimentadas também por diversas formas de exploração, de opressão e de corrupção, que influem negativamente na vida interna e internacional de muitos Estados. O processo de aceleração da interdependência entre as pessoas e os povos deve ser acompanhado com um empenho no plano ético-social igualmente intensificado, para evitar as nefastas conseqüências de uma situação de injustiça de dimensões planetárias, destinada a repercutir muito negativamente até nos próprios países atualmente mais favorecidos.

 A solidariedade como princípio social e como virtude moral

 As novas relações de interdependência entre homens e povos, que são de fato formas de solidariedade, devem transformar-se em relações tendentes a uma verdadeira e própria solidariedade ético-social, que é a exigência moral ínsita a todas as relações humanas. A solidariedade, portanto, se apresenta sob dois aspectos complementares: o de princípio social e o de virtude moral.

A solidariedade deve ser tomada antes de mais nada, no seu valor de princípio social ordenador das instituições, em base ao qual devem ser superadas as «estruturas de pecado», que dominam os relações entre as pessoas e os povos, devem ser superadas e transformadas em estruturas de solidariedade, mediante a criação ou a oportuna modificação de leis, regras do mercado, ordenamentos.

A solidariedade é também uma verdadeira e própria virtude moral, não «um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos». A solidariedade eleva-se ao grau de virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça, virtude orientada por excelência para o bem comum, e na «aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para “perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar, e para “servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio (cf. Mt 10, 40-42; 20, 25; Mc 10, 42-45; Lc 22, 25-27)»[419].

Solidariedade e crescimento comum dos homens

 A mensagem da doutrina social acerca da solidariedade põe de realce a existência de estreitos vínculos entre solidariedade e bem comum, solidariedade e destinação universal dos bens, solidariedade e igualdade entre os homens e os povos, solidariedade e paz no mundo[420]. O termo «solidariedade», amplamente empregado pelo Magistério[421], exprime em síntese a exigência de reconhecer, no conjunto dos liames que unem os homens e os grupos sociais entre si, o espaço oferecido à liberdade humana para prover ao crescimento comum, de que todos partilhem. A aplicação nesta direção se traduz no positivo contributo que não se há de deixar faltar à causa comum e na busca dos pontos de possível acordo, mesmo quando prevalece uma lógica de divisão e fragmentação; na disponibilidade a consumir-se pelo bem do outro, para além de todo individualismo e particularismo.

 O princípio da solidariedade comporta que os homens do nosso tempo cultivem uma maior consciência do débito que têm para com a sociedade na qual estão inseridos: são devedores daquelas condições que tornam possível vivível a existência humana, bem como do patrimônio, indivisível e indispensável, constituído da cultura, do conhecimento científico e tecnológico, dos bens materiais e imateriais, de tudo aquilo que a história da humanidade produziu. Um tal débito há de ser honrado nas várias manifestações do agir social, de modo que o caminho dos homens não se interrompa, mas continue aberto às gerações presentes e às futuras, chamadas juntas, umas e outras, a compartilhar na solidariedade do mesmo dom.

A solidariedade na vida e na mensagem de Jesus Cristo

O vértice insuperável da perspectiva indicada é a vida de Jesus de Nazaré, o Homem novo, solidário com a humanidade até à «morte de cruz» (Fil 2,8): n’Ele é sempre possível reconhecer o Sinal vivente daquele amor incomensurável e transcendente do Deus-conosco, que assume as enfermidades do seu povo, caminha com ele, salva-o e o constitui na unidade[423]. N’Ele a solidariedade alcança as dimensões do mesmo agir de Deus. N’Ele, e graças a Ele, também a vida social pode ser redescoberta, mesmo com todas as suas contradições e ambigüidade, como lugar de vida e de esperança, enquanto sinal de uma graça que de continuo é a todos oferecida e que, enquanto dono, invita às formas mais altas e abrangentes de partilha.

Jesus de Nazaré faz resplandecer aos olhos de todos os homens o nexo entre solidariedade e caridade, iluminando todo o seu significado: «À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais; mas torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo, com o mesmo amor com que o ama o Senhor; e é preciso estarmos dispostos ao sacrifício por ele, mesmo ao sacrifício supremo: “dar a vida pelos próprios irmãos” (cf. 1 Jo 3, 16)»[425].


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.