Na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem lemos que podemos enfrentar as transformações do tempo presente de modo correto e adequado somente se retomarmos o caminho dos fundamentos que se encontram em Cristo, e este caminho é aquele das verdades e dos valores imutáveis, dos quais Ele mesmo é testemunha fiel e Mestre. Se escolhermos um modo diverso de agir podemos chegar a resultados duvidosos, errôneos e ilusórios.[1] Assim, para compreender o valor da mulher e do homem, devemos partir daquele fundamento originante, que explica e celebra a sua essência e a sua missão no mundo. Sem recorrer a este princípio, corremos o risco de reduzir a dignidade do homem e da mulher às características mutáveis da cultura e da sociedade.
A narrativa da criação do homem no capítulo primeiro afirma desde o princípio e diretamente, que o homem foi criado à imagem de Deus enquanto macho e fêmea. A narrativa do capítulo segundo, pelo contrário, não fala da “imagem de Deus”; mas revela, do modo que lhe é próprio, que a completa e definitiva criação do “homem” (submetido primeiramente à experiência da solidão original) se exprime em dar vida àquela “communio personarum” que o homem e a mulher formam. Deste modo, a narrativa javista adapta-se ao conteúdo da primeira narrativa. Se, vice-versa, queremos tirar também da narrativa do texto javista o conceito de “imagem de Deus”, podemos então deduzir que o homem se tornou “imagem e semelhança” de Deus não só mediante a própria humanidade, mas ainda mediante a comunhão de pessoas, que o homem e a mulher formam desde o princípio.[2]
Ao longo dos séculos, no desenvolvimento histórico e social da humanidade, este desígnio de Deus sobre o homem e a mulher não foi acolhido como fundamento nas relações, ao contrário, o desconhecimento do valor inato do qual cada um é portador criou barreiras sempre maiores entre homens e mulheres, impedindo a comunhão e, consecutivamente, a realização plena da pessoa que só pode existir na doação total de si e no acolhimento sincero do dom do outro.
Quando o homem e a mulher romperam a aliança com Deus (Gn 3), rompeu-se, também, a comunhão entre ambos. A diferença sexual, que antes foi causa de júbilo: “Esta sim, é osso dos meus ossos e carne de minha carne!” (2,23a), na nova situação “os fez mais divididos ou mesmo contrapostos por causa da masculinidade ou feminilidade”[3]; a concupiscência e o orgulho os impediu da apropriação do dom do outro e do dom da diferença que os torna complementares.
O Papa Francisco, segundo observa o Cardeal Sergio da Rocha[4], rejeita a subordinação social da mulher ao homem, assim como a igualdade absoluta de ambos, e para expressar de modo justo o relacionamento entre eles na sociedade e na Igreja, propõe um novo paradigma de reciprocidade na equivalência e na diferença, pois ambos possuem uma natureza idêntica, mas com modalidades próprias.
As mudanças culturais, sobretudo nos dois últimos séculos, revelam uma crescente incompreensão acerca da dignidade e missão dada por Deus ao homem e à mulher, e tal incompreensão deu base a teorias e projetos que só aumentam a rivalidade e a rejeição à verdade do outro; ao mesmo tempo a igualdade que tentam proclamar é irreal e ilusória porque é resultado de construtos sociais, além de serem fundamentos para consolidar ideologias que descaracterizam a dignidade da pessoa. Nesse contexto falar de “essência” dos sexos pode ser facilmente acusado de confundir a especificidade masculina e feminina com ideias estereotipadas que constrangem a pessoa individual nos confins de um esquema fixo.
No feminismo contemporâneo tende-se a distinguir sexo biológico de sexo social e cultural, ou seja, a corporeidade sexuada seria um produto cultural, e tendo colocado essas bases para uma nova antropologia, a luta pela libertação da mulher irrompe contra a figura masculina e, numa confusão de linguagem, fala-se do “masculino” como causa e promotora de toda a violência contra a mulher, denominando “masculinidade tóxica” aquilo que de fato é nocivo, mas que nao deve ser confundido como sinônimo de masculino.
As lutas dos vários feminismos ao longo do tempo, no afã de “libertar” a mulher, tem transcurado características essenciais, até vitais, impondo “em marcha forçada, uma espécie de masculinização da mulher que lhe deforma a identidade a ponto de a anular”[5].
Defender a mulher da violência, do machismo e das descriminações sociais não pode ser um pretexto para colocar em ato projetos de desconstrução da identidade do homem, da mulher e da família. A confusão social e cultural criada a partir dessa visão reduzida, conduz muitas mulheres a renúncia da feminilidade e à apropriação daquelas atitudes contra as quais ela deseja lutar, a dominação, o autoritarismo e a violência. Para vencer o mal é necessário fortalecer o bem, por isso é fundamental recuperar a beleza e a verdade acerca da identidade do homem e da mulher.
Josefa Alves é mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Bacharel em Teologia pela Facoltà di Teologia di Lugano, membro da Comunidade Católica Shalom e Coordenadora Científica do Instituto Parresia.
Bibliografia:
[1] Cf. JOÃO PAULO II. Mulieris Dignitate 28.
[2] Idem. Audiência Geral, 14/11/1979. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1979/documents/hf_jp-ii_aud_19791114.html.
[3] Idem. In: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1980/documents/hf_jp-ii_aud_19800618.html.
[4] CARDEAL SÉRGIO DA ROCHA. As mulheres, pilares na edificação da Igreja. In: Pontificia Comisión para América Latina. La mujer, pilar em la edificación de la Iglesia y de la Sociedad em América Latina. Actas de la Reunión Plenaria. Ciudad del Vaticano: LEV 2018, p.293.
[5] ANGELO SCOLA. Homem e mulher. O desafio do amor humano, Belo Horizonte: Ed. O Lutador 2010, p. 27.
JOÃO PAULO II. Mulieris Dignitatem, São Paulo: Paulinas 1988.
______. Audiência Geral. Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1980/documents/hf_jp-ii_aud_19800618.html.
______. Audiência Geral, Disponível em: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1979/documents/hf_jp-ii_aud_19791114.html.
CARDEAL SERGIO DA ROCHA. As mulheres, pilares na edificação da Igreja, in: PONTIFICIA COMISIÓN PARA AMÉRICA LATINA. La mujer, pilar en la edificación de la Iglesia y de la sociedad en América Latina. Actas de la Reunión Plenaria, Ciudad del Vaticano: LEV 2018, p 287-293.
ANGELO SCOLA. Homem e mulher. O desafio do amor humano, Belo Horizonte: Ed. O Lutador
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