2 A Igreja reconhece que existe Vida Consagrada, quando um batizado assume os conselhos evangélicos, mediante um vínculo sacro, segundo as normas aprovadas pela autoridade competente em uma das formas canonicamente reconhecidas de Vida Consagrada. Disso nos fala o cânon 573 do Código de Direito Canônico.
Tanto o Magistério da Igreja como o Direito Eclesial descrevem tais conselhos como a castidade perfeita, pobreza e obediência (cânones: 575-576; 578-602). Trata-se de uma formulação moderna, expressando um total despojamento de si para Jesus Cristo. Os (as) religiosos (as) opõem-se às idolatrias do mundo: pela castidade, contestam a busca do prazer hedonista; pela pobreza, contestam o materialismo e, pela obediência, a liberdade sem valores.
A Vida Consagrada não pode ser considerada como alguma coisa sobreposta à Igreja, uma espécie de superestrutura. Ela pertence ao aspecto mais nobre da Igreja, como falou Paulo VI, pertence ao coração mesmo da Igreja. Portanto, a vida da Igreja não pode ser considerada em sua plenitude sem a presença de alguma forma de Vida Consagrada, caso contrário faltaria o aspecto mais importante da Igreja, isto é, aquilo que toca a sua verdadeira “vida e santidade”, na intimidade com o Espírito Santo. Por esse motivo, a Vida Consagrada é um sinal que manifesta, que testemunha, que preconiza, que imita e, continuamente, representa, de modo especial, a causa que produz…. “Por isso surge a obrigação de se empenhar, conforme as forças e segundo o gênero da própria vocação, seja pela oração, seja também pelo trabalho dedicado na implantação e fortalecimento do Reino de Cristo nas almas, bem como na sua dilatação por todas as partes” (LG 44, 118).
A Vida Consagrada constitucionalizada goza da garantia que recebe da própria Igreja, quando a reconhece, aprova e dirige com suas normas específicas.
Na visão de São Paulo (1Cor 12, 4-11), a comunidade cristã é constituída de uma riqueza incalculável de dons e ministérios, todos sob a orientação do Espírito Santo, em vista do bem comum. É a chamada diversidade na unidade, um só corpo com membros diferentes e distintos na sua ação.
Assim, temos na Igreja a Vida Religiosa, organizada atualmente nos chamados Institutos de Vida Consagrada. São instituições aprovadas pela Igreja, nas quais as pessoas que optam por esse estado de vida buscam seus objetivos num processo contínuo de crescimento, que é fruto da ação do Espírito Santo enriquecendo a caminhada da Igreja.
A renovação da Vida Consagrada e suas atuais orientações encontram-se fundamentadas na doutrina do próprio Concílio e a sua aplicação prática está prescrita nas Orientações e disposições referentes aos Institutos de Vida Consagrada e às Sociedades de Vida Apostólica.
Na sua reflexão teológica, o Concílio, na Lumen Gentium (LG) e na Perfectae Caritatis (PC), afirma que a Vida Consagrada é dom do Espírito à Igreja e que os Fundadores de Institutos de Vida Consagrada agem sob a ação do Espírito (PC 1, b).
A Vida Consagrada, por sua origem divina, é gratuita, não é projeto humano, mas vontade de Deus, que lhe dá sua própria natureza, m issão e também posição na Igreja. Além disso, o Concílio destaca que o dom é dado à Igreja (LG 43,a). Cabe à Igreja reconhecê-lo, respeitá-lo e protegê-lo (LG 45,a). A Vida Consagrada não é apenas uma inserção na Igreja, mas define o papel da Igreja para esse dom.
1 Por que dom do Espírito? A Vida Consagrada é dom do Espírito, porque é obra do Espírito revelar Cristo, dar seu Espírito, animar a Igreja na busca do conhecimento e da prática do amor do seu Senhor. Ela é imitação de Cristo (LG 44). Faz conhecer a Cristo imitando a sua vida. Essa imitação é fundamental como conhecimento e manifestação do Cristo revelador do Pai, salvador da humanidade, na Igreja e no mundo (PC 2 e 13).
A Vida Consagrada está no coração da Igreja como compromisso de amor e manifestação da vida profundamente vivida, como Evangelho carismaticamente vivido (cf. AG 18 a). Como empenho de amor – é o sentido profundo da consagração de vida oferecida totalmente a Deus por Cristo no Espírito, como sinal e dom de amor pleno e consagração total.
Como manifestação de vida cristã plenamente vivida – a Vida Consagrada, enraizada no batismo, vive assim profundamente a Páscoa do Senhor. Vivendo eucaristicamente, manifesta o sentido, a natureza da vida cristã, a vida batismal, com seu significado eucarístico. Vivenciando o Evangelho carismaticamente professado – a Vida Consagrada é testemunho de vida e luz para a Igreja: o Evangelho é vivido a partir do dom do Espírito
para ser compreendido à luz de um dom especial, que é a sabedoria de Deus e dos mistérios de Cristo. Todo o carisma de Vida Consagrada está fundamentado no Senhor, na sua vida, no seu exemplo, na sua doutrina, na sua palavra, no espírito do Evangelho. Fora destes, não há carisma verdadeiro de Vida Consagrada como imitação e seguimento de Jesus Cristo.
2 Natureza da consagração mediante os conselhos evangélicos O Concílio nos apresenta a novidade, quando aprofunda o “ato central da vida religiosa” como ato essencial de toda a vida segundo os conselhos evangélicos; e quando retomou a consagração como centro e núcleo desta vida para melhor situá-la no mistério de Cristo e da Igreja.
Além disso fala da consagração, não como bênção da Igreja ou ato de dedicação pessoal de quem quer dar-se a Deus Pai, mas como um ato que nos consagra em Cristo e para Cristo, na unidade do amor que é o Espírito Santo. Por isso, é chamada consagração de vida, mediante os conselhos evangélicos, que são participação no mistério pascal vivido no batismo e realizado sempre mais plenamente na eucaristia, para encontrar a sua plenitude na visão beatífica.
Jean Beyer, em seu artigo “A nova disciplina na Vida Consagrada”, destaca alguns aspectos: “Para realizar a caridade, que é graça de eleição divina e força do Espírito, o homem batizado responde em graça, assumindo a vida pascal de Cristo. São atitudes de filiação divina, vivida no mistério da Cruz gloriosa, morte ao pecado e a tudo aquilo que não é Deus, para ser todo de Deus na vida ressuscitada, a fim de que Deus seja tudo em todos.
Os conselhos são efeito da escolha e do chamamento divino, do Pai que nos colocou “com o filho” (Mc 3,13), e escolha livre do batizado que quer responder a essa eleição divina, assumindo as suas conseqüências. Portanto, os conselhos são sinais e efeitos de caridade, participação na morte como renúncia ao pecado e livre escolha de Deus, comunhão de vida gloriosa de Cristo ressuscitado em vida nova, isto é, como inserção na mesma vida de Deus Trindade, sendo “filhos no Filho”. Professando os conselhos, manifesta-se na Igreja a graça de Deus Pai que chama, de seu Filho que nos une à vida, para viver no Espírito Santo em amor profundo de graça e de glória” (BEYER J. A nova disciplina na Vida Consagrada. In CAPELLINI, Ernesto (Org.). Problemas e perspectivas de Direito Canônico. Loyola: S.Paulo, 1995, p.137).
Contextualizando, os três conselhos evangélicos – castidade, pobreza e obediência – são um convite a uma maior unidade com o Senhor, em oblação de si mesmo para colaborar com o advento do Reino, como imitação mais completa de Cristo, em atitude própria aos que oferecem a sua vida para testemunhar e anunciar o Evangelho e estar a serviço da humanidade redimida. Jean Beyer enaltece outros aspectos da Vida Consagrada: o convite a imitar a Cristo mais de perto, porque a Vida Consagrada é toda “conselho”, vivida na Igreja, Corpo de Cristo; ela é comunhão de espírito, de fraterna caridade, de dedicação aos outros na oração cristã e nas obras: ministérios de caridade, de serviço sacerdotal, de diaconia;
o chamamento para viver com os outros na graça do fundador, a fim de seguir o caminho Sequela Christi. A fraternidade é edificada no amor único pelo Pai e faz comunhão no Espírito. O espírito do fundador é dom do Espírito Santo na Igreja; a comunhão significa a superabundância de vida a ser comunicada, como grupo de Vida Consagrada e como Igreja; 324
a oração é o alimento dessa comunhão, é o vínculo vivido com Deus em adoração e intercessão, uma eucaristia continuada no louvor divino e na liturgia de vida como culto divino a serviço dos irmãos. Essa oração é expressão de vida, fonte de unidade, caminho de santidade, ministério da Igreja, comunhão com a humanidade de Cristo salvador até à plena união com Cristo na última oblação de todo o Reino ao Pai (cf. BEYER, Jean. Outros conselhos evangélicos, p.139).
3 O lugar da Vida Consagrada no Direito Canônico O Código atual de Direito Canônico da Igreja Católica, em seu livro II “Povo de Deus”, na primeira parte, fala dos fiéis em geral, abre o assunto com quatro cânones introdutórios de caráter doutrinal. Dois, de modo particular, nos apresentam a natureza da Igreja, entendida como Povo de Deus, e a específica colocação e missão na unidade deste Povo e das diversas categorias de pessoas que fazem parte do mesmo Povo (cf. cânones 204, 207).
A estrutura desse livro II identifica as categorias de pessoas que constituem o único Povo de Deus: os leigos, sobre os quais o Código estabelece suas normas no título II; os ministros sagrados, no título III desta I parte; os consagrados a Deus de modo estável, mediante a profissão dos conselhos evangélicos, os quais têm suas normas na III parte do II livro.
Quanto ao aspecto teológico, podemos sintetizar, dizendo que os elementos essenciais da consagração, enquanto tais, são: • vocação e consagração divina; • dom do Espírito como carisma; • seguimento mais restrito com Cristo pela ação do Espírito Santo; 325 • total dedicação especial a Deus, à Igreja e à salvação do mundo; • união especial com a Igreja, a seu ministério e a sua missão de salvação; • tendência à perfeição da caridade no serviço do Reino de Deus; • ser sinal escatológico (cc. 573, 574 § 2 ); • forma estável de vida livremente assumida pela profissão dos conselhos evangélicos, que implica a mudança para um novo estado jurídico na Igreja – (c. 573,§1 e c. 711).
No aspecto canônico, a legislação prescreve os elementos que constituem a Vida Consagrada em um Instituto religioso: 1. O ato jurídico que constitui o Instituto. 2. Os votos ou outros vínculos sagrados, segundo o Direito Próprio do Instituto, ao assumir os conselhos evangélicos (c.573, §2). 3. Para os eremitas: votos ou outros vínculos sagrados perante o Bispo diocesano (c.603, §2). 4. Para a Ordem das Virgens: emissão do propósito de seguir a Cristo e o ato da consagração a Deus, perante o Bispo diocesano (c. 604 §1). Para todos os Institutos de Vida Consagrada e seus membros valem essas determinações, com igual direito para os religiosos masculinos e femininos, a não ser que resulte de outra forma do contexto e da natureza das coisas (cf. c. 606). Enfim, a Vida Consagrada continua, de forma particular, na presença redentora de Cristo, Verbo Encarnado, situada no mistério de Cristo e na vida da Igreja. No entanto, ainda que a Vida Consagrada não faça parte da hierarquia como direção e governo, está no centro da vida da
Igreja, como comunhão de caridade, sem nunca ser subtraída à Igreja hierárquica; ela vivifica toda a Igreja, com seus ministros e ministérios. A Vida Consagrada pertence à vida e à santidade da Igreja, isto é, faz parte da mesma natureza, e é necessária para a Igreja cumprir sua missão no mundo, do modo como o Concílio prescreve no Decreto: “Nas novas Igrejas devem cultivar as várias formas religiosas, para que se manifestem os divinos aspectos da missão de Cristo e da vontade da Igreja. Consagrem-se às diversas obras pastorais e preparem bem os seus membros para exercê-las” (AG 181/921).
Assim o Decreto AG convida as religiosas e religiosos a recomeçar perscrutando os Evangelhos e proclamando as questões com as quais se confronta o mundo.
A pergunta que desafia a sociedade contemporânea é: a vida religiosa tem sentido hoje? É viável? A resposta a essa pergunta é que motiva a presente reflexão. Certamente, na medida em que o Evangelho é valioso, assim o será a Vida Consagrada. O que obviamente se precisa é o cultivo do sagrado, o cultivo pessoal e comunitário não separado do secular, mas mantendo a sua substância. A função da vida religiosa é manter a questão sobre Deus e as questões de Deus bem evidenciadas nos horizontes do mundo, para que seja focalizada e desejada por todos, em qualquer perspectiva. A vida espiritual das religiosas e religiosos deve ser forte, clara e testemunhal, absorvida no pensamento de Deus e fundamentada no Evangelho segundo o espírito do carisma institucional, com uma espiritualidade do presente. Os desafios missionários despertam na Igreja e na vida religiosa uma consciência e responsabilidade maior e exigem a resposta de um novo ardor missionário para anunciar Jesus Cristo. O anúncio será feito, não só pela palavra, mas pelo testemunho de amor gratuito, em favor dos irmãos e com esperança da vida fraterna. A entrega da vida é a prova do amor.
Que esse amor apaixonado a Jesus Cristo, por parte dos consagrados, fomente a alegria e a esperança de toda Igreja no anúncio do Reino, a fim de que seja sacramento da salvação para a humanidade sofrida do mundo atual.
Os (as) religiosos (as), que se dedicam à edificação da Igreja, são sinal luminoso, se completam, se unem de modo especial à Igreja e ao seu mistério, pertencem estritamente à vida e à santidade da Igreja, colaborando na missão da salvação, e são consagrados para o serviço da Igreja (cc. 573 e 574).
Os (as) religiosos (as) vivem uma Vida Consagrada para a salvação do mundo, dão a vida para o serviço do Reino de Deus, contribuem para a santificação do mundo com uma vida totalmente e para sempre dedicada ao espírito apostólico (c.573). E no aspecto consacratório, são chamados com vocação especial, uma consagração de toda a pessoa, um sacrifício oferecido a Deus, por meio do qual a inteira existência se torna uma contínua adoração a Deus na caridade. Esses exprimem e exercitam a própria consagração na fecundidade apostólica (cc. 574 – 576).