Irmã Elizabeth da Trindade, OCD
A vocação carmelitana surgiu de uma sede de intimidade com Deus. Desde o Antigo Testamento já se menciona a montanha – que na verdade é uma cadeia de montanhas – situada na Palestina e que traz o nome de monte Carmelo. Aí, em suas inúmeras grutas cercadas por uma floresta rica e variada, muitos cristãos vindos da Europa para defender os lugares santos das invasões dos mouros, se estabeleceram e começaram um estilo de vida eremítica, em oração e trabalho. Daí surgiu a Ordem do Carmo, ou do Carmelo, que depois se espalhou pela Europa.
No século XVI, na cidade espanhola de Ávila, Santa Teresa de Jesus, monja carmelita do mosteiro da Encarnação, sentiu um chamado para viver mais profundamente o ideal contemplativo carmelitano, numa comunidade pequena – formada por, máximo, 13 Irmãs – e segundo a Regra primitiva que se vivia no monte Carmelo. Inicia-se aí a chamada “reforma teresiana” que, segundo Paulo VI em seu discurso pelo doutorado desta Santa, foi o “início de uma nova Ordem religiosa”, a Ordem do Carmelo Descalço.
Falar do Carmelo é falar de “oração”, e oração silenciosa, em solidão com Deus só. Para que esta vida de oração e contemplação do Deus vivo seja possível e plena, Santa Teresa organizou a vida das carmelitas firmada em alguns pontos essenciais. No seu livro “Caminho de Perfeição” a Santa apresenta a humildade, o esquecimento de si ou desapego e a comunhão fraterna como elementos básicos para uma vida de oração. Formando pequenas comunidades orantes, onde todas “devem se amar, se querer, se ajudar”, Teresa ofereceu à Igreja de seu tempo e de todos os tempos uma proposta de vida contemplativa capaz de renovar o interior da pessoa e assim renovar toda a Igreja.
A vida contemplativa
Cada pessoa é um mistério criado por Deus e, talvez por esta mesma razão, traz em si uma sede insaciável de Deus. Existe no ser humano um “espaço” reservado onde só Deus pode penetrar. Por mais que se queira dar a conhecer, por mais que se revele e se comunique, a pessoa sempre se depara com esta realidade de que só Deus pode conhecê-la plena e totalmente.
Quando alguém se vê chamado à vida contemplativa, na verdade está sendo convidado a entrar neste mundo de mistério que traz em si, onde o próprio Deus habita desde o seu batismo. Contemplar é parar diante de algo – ou Alguém – e ficar olhando. É mais que simplesmente olhar. É olhar em profundidade, penetrando no sentido, no conteúdo, na essência do objeto contemplado. Em sua infinita misericórdia, Deus chama algumas pessoas para viverem toda a sua vida na contemplação, mergulhadas no mistério de Deus. E para que possam viver esta vida contemplativa Ele lhes oferece um ambiente propício. No Carmelo temos vários meios que nos ajudam nesta vivência, como por exemplo a clausura, o silêncio, a comunidade, os momentos de solidão, o trabalho e toda a estrutura da vida carmelitana têm como objetivo levar as monjas carmelitas a uma profunda intimidade com o Senhor.
A vida num mosteiro é muito simples. Na simplicidade, Deus se revelou a Maria em Nazaré e se revela a Seus filhos a cada momento. Como a Sagrada Família nos 30 anos de vida oculta de Jesus, assim o Carmelo procura viver. O que faziam Jesus, Maria e José naqueles anos? A Palavra de Deus diz que Jesus crescia em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens, e era submisso a Maria e a José. Também no Carmelo se vive nesta simplicidade, sem fazer alarde, buscando fazer a vontade de Deus, numa vida de oração, de amor e entrega ao Senhor. E aí está o grande mistério da vida contemplativa: é esta vida oculta e simples que Deus transforma em baluarte, em força e vida para toda a Igreja.
“No coração da Igreja eu serei o amor”, já dizia Santa Teresinha. Pois este coração da Igreja é a vida contemplativa. Como o coração não pode ser visto, mas dá vida a todo o corpo, assim a vida contemplativa na Igreja, em seu silêncio e escondimento sustenta o trabalho de todos os que trabalham diretamente no apostolado, nas pastorais, nos movimentos e na evangelização, seja qual for o ambiente em que estiver. É um mistério de amor e de fé. A pessoa que consagra toda a sua vida a Deus num mosteiro contemplativo, não vê o fruto de sua “vida apostólica”, mas ela acredita que, através da simplicidade da sua doação, Deus está fazendo grandes coisas no mundo.
É preciso acreditar neste mistério. Mas, nem a todos é dado entender. Muitas pessoas pensam que os contemplativos fariam mais se estivessem trabalhando diretamente com o povo… Nem a todos é dado entender que mais vale o ser que o fazer. O fazer é necessário, mas o “ser” é que arrasta e fermenta a massa. E isto todo batizado é convidado a realizar. Vivendo sua vocação cristã, buscando a intimidade com o Senhor na oração, procurando irradiá-lo com a vida, estará sendo agente de transformação do mundo.
O Carmelo hoje
A Ordem do Carmelo Descalço (termo que vem de “reformado”) é uma única família que se apresenta de três maneiras diferentes: os frades carmelitas descalços, as monjas e os leigos. Todos vivendo o mesmo ideal contemplativo apostólico na Igreja em seus diversos ambientes. É uma presença discreta, mas significativa.
Hoje o Carmelo Descalço, com um número de quase cinco mil religiosos, está presente em 65 nações. E as monjas carmelitas descalças, com uma presença de 900 Carmelos e um total de mais de 13 mil monjas, vivem em 86 países do mundo. Em alguns países uma presença numérica reduzida, em outros um número maciço de mosteiros que garantem a vivacidade da vida contemplativa.
No Brasil são 54 mosteiros com uma presença de quase 800 monjas. Os frades carmelitas descalços estão presentes nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Bahia e Paraíba. Um total de pouco mais de cem pessoas. Existem ainda várias Congregações religiosas filiadas à Ordem do Carmelo Descalço, que vivem sua espiritualidade e estão presentes em muitos países e em lugares de verdadeira missão.
Mas existe uma presença carmelita “informal”, muito mais ampla do que podemos pensar: é a Ordem do Carmelo Descalço Secular, com um total de mais de 600 membros (com mais de 16 fraternidades formadas e alguns grupos começando) espalhados por todo o Brasil. E ainda existe a presença de tantos grupos de jovens, de espiritualidade, que encontram nos grandes místicos do Carmelo seus inspiradores e se alimentam da doutrina carmelitana. Estes amigos do Carmelo são os verdadeiros divulgadores da espiritualidade e são fermento de um novo reavivamento espiritual.
Sentimos uma grande busca, um anseio pela oração por parte do povo. A busca da espiritualidade do Carmelo tem-nos mostrado como continua atual nossa vocação na Igreja e como o Carmelo pode oferecer uma resposta a esta sede de Deus que queima dentro dos corações.
Testemunhos de Vida
Na adolescência caiu em minhas mãos o livro “História de uma alma”, de Santa Teresinha do Menino Jesus, que foi para mim a mensageira de Deus. Descobri nessa leitura minha vocação: o Carmelo!
Encontrei em Santa Teresinha o ideal a nortear minha vocação: “No coração da Igreja, minha Mãe, serei o Amor, assim serei tudo!” Sou feliz! Espero morrer carmelita quando chegar à perfeição do amor que o Espírito Santo, só Ele, poderá realizar em mim.
Irmã Teresinha do Menino Jesus
(Carmelo São José, Passos-MG)
Falar de nossa história vocacional é sempre cantar um pouco das “misericórdias do Senhor”, como dizia Santa Madre Teresa.
Eu achava muito bonito o testemunho de minha tia, também Carmelita neste Carmelo (Irmã Maria da Paz). Tudo quanto sabia e ouvia dizer dela era envolto em muita santidade e seriedade de vida. Mas eu? Freira? Nos dias de hoje? Enclausurada?! Isto era coisa do passado! Eu participava ativa e convictamente do Movimento dos Focolares, tinha me encaminhado já para chegar a ser uma Focolarina. Era este o meu sonho depois que “entendera” um pouco da “desarrumação” que Jesus estava fazendo na minha vida. Já até aceitava muito bem isto. Porque Ele já fazia arder o meu coração com uma centelha do seu amor. Já ardia em mim a paixão de conquistar-lhe muitos irmãos distantes.
Eu já desejava ardentemente correr o mundo todo para anunciar o seu Amor. Havia lido “História de uma Alma”, de Santa Teresinha, e era o que mais queria: Dar-me a Ele, sem mais reservas. Só não contava que esta doação seria na “medida” dele e não na minha.
De fato, tinha uma vida muito ativa e envolvida com o movimento, catequese na paróquia, etc. Quando me questionaram se eu “agüentaria” deixar toda esta atividade religiosa, família, amigos, faculdade, esporte, piano, viagens … enfim… “campos”… compreendi que o difícil não é deixá-los, mas “deixar-me”. Ainda hoje, se você me perguntar se é difícil viver a austeridade do Carmelo eu lhe direi que o difícil é não buscar-me, mas entregar-me, sem reservas, a Ele. Tudo o mais quase nada é senão unicamente a expressão desta entrega.
Irmã Maria Bernadette da Santa Mãe de Deus
(Carmelo de Fortaleza-CE)
Orar hoje como Maria? Sim, existem pessoas que tentam viver isto. No Carmelo rezamos a oração de Maria. É no nada que Ele manifesta o seu poder: “Olhou para a pequenez de sua serva… minha alma glorifica o Senhor”. É a oração de todos os tempos. Ir ao deserto do Carmelo não é iniciativa do homem, é chamado de Deus: “Vou transformar o deserto em fonte”. Só quem se sente pobre, despojado, é saciado por Deus: “Sobre os montes desnudados farei correr água. Transformarei o deserto em cedros e acácias, murtas e oliveiras” (Is 41,19). Carmelo é a montanha florida na terra fértil dos corações desnudos e despojados, preparados para serem preenchidos pela presença amorosa de Deus, sentindo e levando consigo a imensa angústia humana de nosso mundo de hoje. Num anseio de vida para todos, aí onde se vive a verdadeira fraternidade universal, no aconchego de paz, amor e serenidade que é o coração do Pai.
Irmã M. J.
(Carmelo de Passos-MG)
Em 1980, assistindo pela TV ao encontro do Papa com as Religiosas no Ibirapuera, percebi a importância da vida contemplativa para a Igreja e para o mundo. A partir de então, tomei a decisão de ser contemplativa. Um dia levaram-me para conhecer um Carmelo. Não sei descrever a emoção que senti. Descobri aí o meu “tesouro escondido”, e decidi “vender” tudo para possuí-lo.
Madre Maria José
(Mosteiro Santa Teresa-SP)
Abriram-se para mim as portas benditas do “céu na terra”, o Carmelo, a casa de Maria. Aqui, penetrando sempre mais na felicidade de saber-me habitada por Deus-Trindade, vivo deixando-me amar por Ele, no exercício da fé, esperança, amor e na companhia de minhas queridas Irmãs.
Irmã Regina Célia da Santíssima Trindade (Carmelo da Ssma. Trindade
Patos de Minas)
Comunidade Católica Shalom