Formação

Acima de tudo a santidade

Coerentes a nossa vida e ao chamado que nos foi feito, devemos retomar a estrada relacional com o Senhor, a primazia da graça e da santidade, para assim sermos autênticos difusores da verdade de Cristo.

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Foto: Wallace Freitas

Muitas vezes ao se falar de evangelização de lugares diversos, de outras culturas, escutamos e debatemos sobre a melhor estratégia, a melhor forma, aquela que pode alcançar um determinado povo. O magistério da Igreja nos convoca primeiramente, sem negar todas as demais estratégias, a estratégia das estratégias: a santidade. Em nosso Carisma, esta convocação da Igreja é acolhida através da primazia da graça, tão cara ao nosso fundador e a cada um de nós.

O papa Bento XV, na Carta Apostólica Maximum illud, afirma que:

«Antes de tudo, para aquele que se dispõe ao apostolado é indispensável (…) a santidade de vida. Em verdade é necessário que seja um homem de Deus aquele que anuncia Deus, e tenha ódio ao pecado quem a tal ódio intima. Especialmente entre os infiéis, que são guiados mais por instinto do que pela razão, é muito mais aproveitável a pregação do exemplo do que àquela das palavras. Embora o missionário seja equipado com as melhores qualidades de mente e do coração, embora seja cheio de doutrina e cultura, se essas qualidades não são unidas a uma vida santa e irrepreensível, tudo isto terá bem pouca ou nenhuma eficácia para a salvação dos povos; aliás, muitas vezes será nocivo para si próprio e para os outros»1.

Inspirado nas palavras do apostolo Paulo que diz: «Revesti-vos, então, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência» (Col 3,12), o Papa Bento XV prossegue:

«Removidos todos os obstáculos com a ajuda dessas virtudes, o acesso da verdade no coração dos homens se torna fácil e rápido, e não existe nenhuma vontade tão obstinada que à esta possa resistir. Portanto, o missionário que, à imitação do Senhor Jesus arde de caridade, reconhecendo mesmo nos pagãos mais perdidos filhos de Deus, redimidos pelo mesmo preço do sangue divino, não se irrita com a sua rudeza e não se alarma ante a perversidade de seus costumes, não os despreza e tão pouco os desdenha, não lhes trata com severidade ou de maneira áspera, mas busca atraí-los com toda a doçura da bondade cristã para conduzi-los um dia ao abraço de Cristo, o Bom Pastor»2.

Uma vida permeada de virtudes, é o selo de autenticidade, uma carta de apresentação da autêntica santidade. Os frutos do Espírito3 na vida daquele que crê provoca positivamente aquele que não crê, ou quem padece na fé, se tornando assim o primeiro anúncio coerente do Evangelho. Paulo VI afirma a força do testemunho, qualificando-o como elemento de “importância primordial”, e diz:

«E esta Boa Nova há de ser proclamada, antes de mais, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, de um modo absolutamente simples e espontâneo a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que não se vê e que não se seria capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os vêem viver, perguntas indeclináveis: Por que eles são assim? Por que eles vivem daquela maneira? O que, ou quem, os inspira? Por que eles estão conosco?».4

Por esta razão e importância, o Concílio Vaticano II, na  Constituição  dogmática Lumen gentium, dedicou um capítulo à «vocação universal à santidade»5.

«Se os padres conciliares deram tanto relevo a esta temática, não foi para conferir um toque de espiritualidade à eclesiologia, mas para fazer sobressair a sua dinâmica intrínseca e qualificativa»6, principalmente em tempos de grande relativismo como o nosso. Por isso, o clamor por uma nova evangelização significa primeiramente o clamor por um «novo ardor de santidade»7. Porém, não podemos desvincular o “ardor de santidade” do ardor missionário, visto que o primeiro é causa imediata do segundo, e o segundo atesta e faz crescer o primeiro. Convém aqui as palavras de São João Paulo II:

«Pensemos (…) no ímpeto missionário das primitivas comunidades cristãs. Não obstante a escassez de meios de transporte e comunicação de então, o anúncio do Evangelho atingiu, em pouco tempo, os confins do mundo. E tratava-se da religião de um Homem morto na cruz, “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”

(1 Cor 1, 23)! Na base deste dinamismo missionário, estava a santidade dos primeiros cristãos e das primeiras comunidades»8.

Meditando as palavras de Cristo que diz aos seus discípulos: «sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5), somos impelidos à compreensão de que «é a oração que nos faz viver nesta verdade, recordando-nos constantemente o primado de Cristo e, consequentemente, o primado da vida interior e da santidade. Quando não se respeita este primado, não há que maravilhar-se se os projetos pastorais se destinam ao falimento e deixam na alma um deprimente sentido de frustração»9. Poderíamos continuar a reflexão sobre esta realidade dramática com as palavras de nosso fundador:

«Sem darmos a primazia à graça de Deus, sem Deus estar no âmago, no centro na motivação essencial (jamais secundária!), o fruto de toda nossa ação é ineficaz e pode até obstruir a ação divina. Aquele que insiste em fazer algo para Deus, mas sem Deus (como origem, centro, fonte, e motivação essencial) ou colocando-O em uma posição secundária, trabalha em vão. Não produz fruto. A consequência é esterilidade, ineficácia ou obstrução do que Deus quer fazer»10.

Sim, coerentes a nossa vida e ao chamado que nos foi feito, devemos retomar a estrada relacional com o Senhor, a primazia da graça e da santidade, para assim sermos autênticos difusores da verdade de Cristo. Sabemos que o nosso anúncio terá sempre de fronte a liberdade do outro que pode aceitá-lo ou rejeitá-lo. Serve-nos a este propósito as palavras de Paulo que chama os Coríntios de «perfume de Cristo»11. Em uma cultura e ambiente tão hostís ao Evangelho, qual era a cidade de Corinto, Paulo indica a vida cristã, a santidade, como um perfume que se difunde, sem barulho, sem agressão, mas eficazmente, atraindo os homens à Cristo, exalando o seu conhecimento (a santidade faz conhecer Cristo).

Que vivamos também nós a santidade em toda a sua exigência, para que sejamos «diante de Deus o bom perfume de Cristo»12 para a salvação dos homens.

Elton da Silva Alves13

 

1 BENTO XV, Carta Apostólica Maximum illud, 30 novembre 1919.
2 Ibid.
3 Cfr. Gal 5,22.
4 Paulo VI, Exortação Apostólica, Evangelii nuntiandi, n. 21.
5 Capitolo 5 da Lumen Gentium.
6 João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, n. 30.
7 João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Missio, n. 90.
8 Ibid.
9 João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte, n. 38.
10 Comunidade Católica Shalom, Documento da Assembleia Geral 2008, Hoje partis novamente em missão, Edições Shalom, Aquiraz 2009, 165.
11 II Cor 2, 15.
12 Ibid.
13 Membro da Comunidade de Vida da Comunidade Católica Shalom.

 


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