Deus me chamava a ir em missão desde o postulantado, mas retia em mim trilhar esse caminho. Foi durante a pandemia, que Deus novamente tocou o meu coração a viver esse caminho, no início me sentia confuso, pois achava que existia um chamado a Comunidade de Vida. Então fui abrindo meu coração dentro desse novo, mesmo estando numa crise vocacional e ali Ele foi fazendo a obra.
Durante o processo, Deus me falava sobre deixar essas terras, sair da casa dos meus pais para alçar o livre vôo, cortar o cordão umbilical, pois aqui era difícil que meus pais me lançassem em algo como ir em missão pelo apego comigo, e estando aqui não poderia viver tal graça de maturidade, que Deus me chamava a viver, era necessário sair do ninho e da redoma em que eu me encontrava para me encontrar fora, e fui vivendo tudo isso até de fato partir para esse novo.
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Divisor de águas
Sobre Chaves, eu início dizendo que é um grande divisor de águas para o missionário em todos os sentidos, seja qual for a realidade ou o lugar de onde vem, não se sai de lá, sem que seja deixado uma marca ou vivido uma forte experiência. Assim aconteceu comigo, em meio a tantas indecisões, realidades pessoais vividas na história, feridas e caminho de maturidade. Essa terra foi me mostrando a realidade de uma humanidade ferida pelo pecado, e sobretudo o cuidado de Deus com aquele povo, que sempre está presente ali, mesmo que aquele povo não o conheça ou não tenha vivido uma experiência com o seu amor.
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Logo que cheguei, senti como se eu não tivesse nada e tudo que eu conhecia parecia não estar mais ali comigo. Foi um caminho de abandono, onde Deus me fez conhecer o sentido real da pobreza que é um verdadeiro abandono nas mãos de Deus, e partir dali Deus foi construindo um novo homem em mim. Diante de disso, foi um caminho doloroso de autoconhecimento, cura interior, maturidade humana e espiritual, mas o que me surpreendeu foi o cuidado de Deus em todos os detalhes e principalmente na descoberta de novos dons.
Não posso deixar de falar sobre a vida comunitária que tanto me salvou durante a missão, a vida dos irmãos, a oferta pelo outro e a saída de si mesmo. É um caminho belo de amor que de fato trás a verdadeira alegria e a autenticidade do evangelho que diz: “Há mais alegria em dar do que receber“. Então fui percebendo o quanto tudo isso nos faz livres, autênticos e com uma visão totalmente diferente do que o mundo nos apresenta, das pequenas coisas vividas em cada detalhe.
“Tio, ele não sabe ler”
O mais especial são as crianças do espaço, pude tocar em suas vidas através das aulas de violão, que era a minha oficina dentro do Espaço de Paz, esse lugar que transforma vida, um oásis de misericórdia. Ali eu acompanhei a etapa da construção de cada pedaço, a construção de um sonho que mudaria a longo prazo a realidade de muitos ali dentro, mudando tanto o nosso coração de forma concreto, quanto daquele povo.
Das experiências que eu vivi, vou falar de duas que mais me marcaram. A primeira foi logo na pré-inauguração, onde dentro de sala de aula, eu aplicava uma prova para as crianças, mas uma delas não sabia ler, e começava a chorar em cima da prova. Eu sem saber e entender o que estaria acontecendo, a irmã da criança me dizia: “Tio, ele não sabe ler“. Todas as crianças saíram da sala terminando a prova, e só ele tinha ficado, decidi dar mais uma chance, tentando ajuda-lo na sua dificuldade. Sentei do seu lado, tentando ajuda-lo. Foi uma experiência forte, pois me fez lembrar do meu pai que sempre me ajudava quando criança quando tinha dificuldade de ler alguma coisa. Me emocionei junto com a criança.
Mistério de amor
A segunda experiência foi com uma família de “ovelhas” (membros do grupo de oração Shalom), onde ao visita-las na sua casa, tive a experiência forte com a providência e a simplicidade de uma casa e de uma família cuidada por Deus. Me deparei com a mãe grávida do segundo filho, e o filho mais velho brincando com brinquedos simples que despertavam o seu raciocínio e inteligência, enquanto o pai estava fora no trabalho. Foi a experiência com a sagrada família, onde percebia que no pouco que Deus nos dá e na simplicidade das coisas Dele, onde somente com o necessário e com o pouco, é possível realizar grandes coisas, porque Ele sempre cuida de tudo.
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De tudo isso, o meu coração só sabe falar de gratidão por essa missão ao escrever esse testemunho e lembrar de todas as maravilhas que Deus realiza em nós e por nós. Por tocar em realidades realmente cotidianas, que muitas vezes desprezamos, deixamos de lado ou que mesmo o egoísmo humano se aproveita, mas ali ter um olhar humano, de compaixão e cuidado com o outro. O mais interessante é olhar pra tudo isso e dizer pra você mesmo: “Eu ainda preciso crescer muito no amor, porque eu não sei amar o tanto que Jesus amou a humanidade“, e isso era uma das promessas de Deus na minha vida antes de chegar em missão, que de fato eu pude amar sendo eu mesmo e me deixar ser amado por aquele povo, que Deus cuida e zela com tanto amor.
Por fim, não há mistério que possa ser entendido, mas apenas vivido com fé e manter as portas do coração aberto para as próximas aventuras dessa loucura de Deus.
Gabriel Cardoso Vieira – Consagrado da Comunidade de Aliança da Missão de Macapá (AP)