Contemplar a Jesus Cristo teve um lugar central na vida de São Francisco. Dessa contemplação realizada diariamente aconteceu a transformação da sua mente, da sua alma e do seu coração. Toda a sua pessoa foi centrada em Deus. Contemplar é olhar para Deus com amor e deixar-se olhar por Deus que envolve a sua criatura com seu amor. Contemplar é amar o Senhor e ser amado por ele. Dessa contemplação fluía o amor divino em cascata para o mais profundo do seu coração. O Espírito Santo de Deus inflamava o coração do Irmão de Assis de um ardente amor a Deus. Sofria muito ao perceber que Deus não era amado pelas criaturas, que os homens eram indiferentes a Jesus na cruz. Este era seu brado: “O Amor não é amado! ”.
Numa sexta-feira, passeando em um bosque a contemplar e sentir a Paixão do Senhor começou a chorar soluçando e gemendo desconsoladamente ao ponto de um camponês perguntar-lhe: ‘O que aconteceu, irmão? Por que choras assim desconsoladamente? E São Francisco respondeu: ‘Meu irmão, o meu Senhor está na Cruz e me perguntas por que choro? E começou a dizer para aquele homem rústico que queria ser o maior oceano da terra, para ser todo ele em lágrimas, queria que se abrissem ao mesmo tempo todas as águas da face da terra, rios, mares, cataratas, comportas e dilúvios para que emprestassem a ele mais lágrimas. E ainda assim, não haveria lágrimas suficientes para chorar a dor e o amor do seu Senhor Crucificado. E continuou dizendo que queria ter as asas invencíveis de uma águia para atravessar as cordilheiras e gritar sobre as cidades, como que a acordar os corações adormecidos e inflamar os corações indiferentes: “o Amor não é amado! O Amor não é amado! Como é que os homens podem amar uns aos outros se não amam o Amor? E o homem do campo não aguentou e se pôs a chorar.
São Francisco amava a Deus no Cristo Crucificado, fora dos muros de Jerusalém e os irmãos, representados pelos leprosos execrados, fora das muralhas de Assis, os homens das dores da Idade Média. Sua identidade, que se tornou a identidade franciscana, era de serviço e companhia, misericordiosa e universal, alegre e de paz. É vertical e horizontal, como uma cruz que é devida e de morte. Vertical, porque sua vida era centrada em Deus e horizontal porque o amor a Deus o fazia debruçar-se sobre o irmão.
São Francisco tinha os olhos no céu, para olhar a humanidade com misericórdia. Para ele todos eram irmãos, porque todos tinham um Deus que é igualmente Pai de todos. Considerava-se menor, pecador e criatura indigna do Deus Altíssimo, diante dos pobres, doentes, pecadores. Sentia inveja de irmãos que pudessem ser mais pobres do que ele. Não alimentava sentimentos de inferioridade diante de reis e príncipes.
Para ele a grande honra era o de ser irmão dentro e fora dos conventos. Seu lema é: seremos franciscanos, quando irmãos em espírito e em verdade. Formar um frade é formá-lo para ser irmão. Trabalhar como frade é servir como irmão. Viver como franciscano é viver, teimosamente, como irmão. Santos seremos e nos santificaremos junto com os outros na cruz da convivência fraterna. O nosso maior pecado, o pecado mortal de nossas vidas, por isso será a falta de amor aos irmãos. Para nós, quem não for irmão será um estranho no ninho. O maior elogio que podemos dar a uma pessoa é o de chamá-la de irmão.
A possibilidade concreta de amar a todos como irmãos tem sua fonte inegavelmente no amor a Deus. Por isso para ele a humanidade corria grande risco em não conhecer e amar a Deus. E ele expressava isso quando dizia ao camponês: “Como é que os homens podem amar uns aos outros se não amam o Amor?”. Como é possível o estabelecimento da paz no mundo se os homens não conhecem e amam a Deus? É impossível amar aos homens se não amamos a Deus. E São João, afirma isso com essas palavras: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, e odeia seu irmão, é um mentiroso. Com efeito, quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus, também ame seu irmão” (1Jo 4,20-21).
Como Shalom, somos chamados ao amor esponsal, um amor incondicional a Jesus Cristo. Somos chamados a entregar e consumir nossas vidas neste amor. Como diz o Escrito do Amor Esponsal, somos chamados ao “amor que busca cada vez mais o esquecimento de si, de sua própria vontade, de seus próprios interesses, de sua própria vida e que, cada vez mais inflamado de amor pelo Amado buscar somente a Ele, a vontade Dele, a vida Dele, a obra Dele”. Somos chamados a sermos almas esposas de Jesus, para isso ele nos fez os menores, os mais fracos, os mais pecadores, miseráveis, até.
Como São Francisco, com um coração inflamado de amor seremos capazes de tudo realizar, de tudo nos dispormos, de tudo nos despojar, a amar irmão de uma maneira concreta e gratuita. Desta forma amaremos a Deus em espírito e verdade, com toda a nossa mente, com toda a nossa alma e com todo nosso coração. A maior prova do nosso amor a Deus, ao nosso Amado é “amando aquele a quem tanto Ele ama e por quem Ele deu a sua própria vida. Como não dar a vida por aqueles por quem o Amado a deu? É vontade do Senhor que transbordemos este amor sobre aqueles que Ele ama. O Senhor quer de nós para com eles o perdão, mansidão, paciência, generosidade, bondade, alegria, dedicação, amor, serviço” (AE 24).
Quanto mais nos envolvemos no mistério de Cristo pela oração, mais nos ofertamos, em totalidade, a Deus e aos outros. É tocando no mistério do Ressuscitado que passou pela Cruz, que quebrantaremos o coração endurecido do homem do nosso tempo.
Seguindo o exemplo do Irmão de Assis, nosso baluarte, devemos nos questionar também: “Como é que os homens vão se amar, se não amam a Deus? Como é que os jovens vão viver a castidade, o espírito de sacrifício, o serviço, a renúncia, se não amam a Deus? Como queremos que os filhos amem seus pais e irmãos, se não amam a Deus? Como queremos que os pais amem, se dediquem aos filhos, se não amam a Deus? Como queremos que a guerra tenha fim, se os homens não amam a Deus? Como queremos que o mundo não tenha injustiça, corrupção, mentiras, violência, traição… se os homens não amam a Deus? Como queremos que as mães não matem seus filhos no seu ventre, se elas não amam a Deus? Como queremos que os filhos cuidem de seus pais já idosos, sem lançarem mão da eutanásia, se eles não amam a Deus? Como queremos que os homens e mulheres sejam abertos à vida, se eles não amam a Deus?
Precisamos ter um “sadio sofrimento” ao olhar o mundo de hoje, que vive no desconhecimento de Deus e responder “com a alegria daqueles que encontraram a pérola preciosa e não se contêm enquanto não proclamarem para todos a sua grande descoberta” (Carta a Comunidade, 156). Deus é amor. Deus nos ama primeiro. Deus deseja a nossa felicidade. Deus está vivo e atuante e deseja entrar na nossa vida para que ela dê um “salto de qualidade”. Deus é nosso amigo. Deus está a nosso favor. Deus não é um obstáculo. Essa pérola preciosa que transformou a nossa vida não pode ser retida, é preciso levá-la para toda a humanidade. Precisamos levá-la “aos jovens, aos homens e mulheres a quem o amor de Cristo nos impulsiona encontrar. Precisamos ter a urgência em ir ao encontro dos rostos e dos corações dos jovens, dos homens e das mulheres do nosso tempo, sedentos da paz que só Jesus Cristo pode dar” (Carta a Comunidade, 163).
Germana Perdigão
Formação 2008