Ressuscitou! Na alegria deste tempo, quero partilhar com vocês como neste ano, de uma forma particular, vivi este Tríduo Pascal com uma figura presente no Evangelho da qual eu nunca havia parado para refletir a importância no mistério da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Refiro-me ao soldado romano, aquele que lhe atravessou o peito com uma lança, que de perto, foi a primeira testemunha da fonte da divina misericórdia.
No Evangelho de São João, no capítulo 18, versículos 34 e 35 o evangelista narra:
“Mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu, dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que fala a verdade, para que vós também acrediteis.”
Pesquisando sobre este centurião romano, descobri que se trata de São Longino ou Longuinho, cujo nome deriva do termo grego “longinus” que significa “uma lança”. Sim, o mesmo São Longuinho a quem muitos pedem para encontrar um objeto perdido. O que refleti durante este tempo é o que os olhos daquele soldado viram. Seus globos oculares receberam um jorro de sangue e de água do próprio Deus encarnado — e aquilo foi ocasião para a sua conversão.
As lanças de cada dia
Quantas vezes faço da minha língua uma lança afiada para ferir o meu irmão? Seja através de calúnias, ou de críticas sem necessidade, sem querer o bem dele, ou sem interceder pela sua vida? Quantas vezes a minha vida tem sido uma lança que fere ainda mais o lado aberto de Jesus? Quantas vezes, com meu contratestemunho, acabo ferindo o amado de minha alma, minha vocação e meu corpo comunitário, com uma incoerência que não condiz com o chamado de vida missionária que eu, espontaneamente, me dispus a viver?
Segundo alguns relatos históricos, o soldado que feriu o Cristo possuía uma séria doença na visão — e quando o sangue do crucificado lhe tocou os olhos, a sua saúde foi restituída. E embora o Evangelho não mencione isso, podemos ver que, de alguma forma, ele foi tocado verdadeiramente a ponto de ser “aquele que viu, que dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro”.
Testemunha da ressurreição
Nestes dias de Tríduo Pascal, me senti da mesma forma, tendo meus olhos doentes, feridos pelo mundanismo, pelas ideologias e pelos meus pecados de estimação sendo lavados pelo sangue e pela água de Cristo. Senti que meus olhos eram testemunhas do sacrifício perfeito, do amor que, consumado na árvore Da Cruz, gerou o fruto da minha ressurreição. Meu modo de ver e de viver a vocação ao qual sou chamada, foi renovada pela divina misericórdia, que também lavara meus globos oculares para uma nova vida, em vista de um novo Céu.
Com novas íris posso olhar minha missão com clareza, posso voltar o meu olhar para os meus irmãos que esperam o meu abraço em sua direção. Com novas córneas eu posso enxergar o Cristo ensanguentado na humanidade que sofre, que geme esperando de mim a resposta como filho de Deus, como aquele que viu a fonte da misericórdia ser derramada em seus olhos, em sua vida, em todo seu ser.
Recordando mais uma vez o soldado que encontrou em Jesus aquilo que ele buscava, uma nova visão, uma nova vida, seus olhos se voltaram para aquilo que não passa, para dar testemunho do amor único e verdadeiro que se sente ao ter essa experiência pessoal com o crucificado, aquele que não se mantem preso no próprio sofrimento, não se congela na cruz, vence nossas doenças, desce em nossas feridas e expurga as nossas mortes.
Por isso ele ressurge, ressuscita-nos e nos devolve a dignidade que perdemos quando nos voltamos para nós mesmos. Hoje com convicção quero anunciar que sou testemunha deste amor, do amor do Ressuscitado que passou pela Cruz, aquele que vence minhas mortes diariamente e com seu sangue e água me lava e purifica com sua misericórdia. Eis-me aqui misericordiado pelo teu sangue imaculado para ser um verdadeiro discípulo teu, ressuscitado em teu amor. Deus abençoe. Shalom!
Miguel Soares Rocha Neto, discípulo da Comunidade de Aliança