As irmãs Caridade Álvarez e Esther Paniagua são duas agostinianas missionárias que poderiam ser elevadas aos altares por terem sido assassinadas por ódio à fé durante as revoltas de 1994 na Argélia, tal como relataram duas das religiosas que foram testemunhas de sua fidelidade ao Evangelho à custa de suas vidas.
Irmã María Jesus Rodríguez Muñoz e Irmã María Paz Martín são duas agostinianas missionárias que viveram em primeira pessoa a morte das irmãs Caridade Álvarez e Esther Paniagua, duas missionárias assassinadas por ódio à fé durante as revoltas da Argélia em 1994 e que atualmente estão em processo de canonização.
Em meados dos anos 90, a Argélia se viu envolvida em uma onda de violência. As revoltas afetaram especialmente aos estrangeiros que viviam no país e de maneira muito particular aos religiosos missionários que realizavam seu trabalho lá, já que era uma comunidade minoritária.
A situação no país se tornou especialmente violenta durante o verão de 1994. Nesses meses, por causa do recrudescimento da violência, a embaixada da Espanha em Argel aconselhou os espanhóis a saírem o mais rápido possível do país. O mesmo fez o Arcebispo de Argel, Dom Henri Teissier, que pediu às comunidades religiosas estabelecidas em sua cidade que fizessem um discernimento para que cada um dos missionários escolhesse livremente sua estadia ou sua partida do país, já que a situação era extremamente perigosa.
Frente a esta situação, a irmã María Jesus Rodríguez, como superiora provincial das Agostinianas Missionárias, decidiu visitar as três comunidades que tinham em Argel e acompanha-las nesse discernimento que depois resultou decisivo para suas vidas.
“Nos dias 6 e 7 de outubro de 1994 fizemos esse discernimento. Foi um momento muito forte de experiência de fé. Acompanhou-nos o Arcebispo de Argel e rezamos em um ambiente sereno. Todas elas eram muito conscientes do perigo que corriam, mas todas livremente e a nível individual decidiram ficar na Argélia. Uma a uma foram dizendo as razões: por fidelidade ao Evangelho, por amor ao povo argelino que lhes tinha acolhido, porque elas estavam compartilhando fé e vida com esse povo e não queriam fugir, queriam correr a sua mesma sorte… Em nenhum momento queriam morrer, eram amantes da vida, mas também amantes de seu povo e decidiram permanecer lá”, explica a irmã em declarações ao Grupo ACI.
A então superiora permaneceu com as comunidades das Agostinianas Missionárias durante algumas semanas. Em 23 de outubro, dia dedicado na Igreja às missões, também conhecido como ‘Dia do DOMUND’, a Irmã Rodríguez se encontrava com as irmãs da comunidade de Argel.
“Precisamente no dia do Domund animei Cari a voltar para a Espanha porque estávamos muito preocupadas com elas, mas ela me disse: ‘É a minha fidelidade à missão. Disse-lhes em casa que se acontece alguma coisa comigo, quero que me enterrem na Argélia’. Disse-me isso uma hora e meia antes de morrer”, explica a Irmã María Jesus visivelmente emocionada.
A irmã Esther Paniagua trabalhava em um hospital na zona de Bab el Oued e morava na mesma comunidade que Caridade. Em 23 de outubro, Irmã Esther tinha recebido uma visita do embaixador da Espanha na Argélia no hospital onde trabalhava. O embaixador lhes pedia que deixassem o país.
“Contou-nos que o embaixador queria leva-la no carro blindado e ela disse que não, que voltaria para casa a pé, como sempre. Nesse dia Esther quando retornou a casa trazia um livro titulado ‘Tua entrega por amor'”, conta a religiosa.
Periodicamente as superioras da congregação que estavam em Madri (Espanha) telefonavam para as comunidades de Argel para lhes perguntar se tinham mudado de opinião depois do discernimento, ao que -conforme conta María Jesus- sempre respondiam da mesma maneira: “‘Não se preocupem. Estamos nas mãos de Deus’. ‘Mas, e se acontece alguma coisa com vocês?’, insistiam de Madri. ‘Pois se nos acontece algo, continuamos estando nas mãos de Deus’, respondiam”, lembra a ex-superiora provincial com lágrimas nos olhos.
“Em uma das comunidades de Argel moravam Caridade, Esther e Lourdes e elas costumavam ir a Missa juntas pela tarde, depois de voltar de seus respectivos trabalhos. Como eu ainda estava com elas nesta cidade depois do retiro de discernimento, nessa tarde da terça-feira 23 de outubro marcamos de ir a Missa juntas, na capela que as Irmãzinhas de Foucauld tinham a poucos metros de nossa casa”, conta María Jesus. E continua explicando: “Para ir à capela decidimos fazê-lo segundo as normas de segurança que a embaixada nos havia dito: ‘Sair sempre de dois em dois’. Por isso primeiro foram Caridade e Esther e cinco minutos depois saímos Lourdes e eu. Íamos a 100 metros de distância”, conta María Jesus.
“Caridade e Esther viraram a rua e as perdemos de vista. Nesse momento se escutaram dois disparos. Instantes depois as pessoas começaram a correr e uma senhora nos meteu em sua casa. Ouvimos um choro e soubemos que um cristão tinha morrido. Subimos ao telhado da casa, de onde se via a capela das Irmãs de Foucauld e vimos os corpos do Cari e Esther jogados no chão”, explica a irmã María Jesus com voz entrecortada e lágrimas nos olhos.
Ambas morreram. Irmã Caridade estava tocando a campainha da casa das Irmãs de Foucauld no momento do disparo, por isso seu corpo caiu sobre a porta. Ainda hoje se encontra o buraco da bala na entrada.
As irmãs Esther e Caridade são dois dos 19 missionários que perderam a vida entre 1994 e 1996 na Argélia, por isso sua causa de canonização está aberta conjuntamente. Em 1996 também foram assassinados o Bispo de Orán (Argélia), Dom Pierre Claverie e o seu motorista, devido à explosão de uma bomba que colocaram em sua casa.
Também morreram nessa onda de violência os monges trapenses, história em que se baseou o filme “De deuses e homens”.
Irmã María Paz Martín, que durante os anos 90 ocupava cargos de responsabilidade dentro das Agostinianas Missionárias, contou as suas lembranças do Jubileu das Testemunhas de Fé do século XX, em 7 de maio do ano 2000 que o Papa João Paulo II convocou. “Impactou-me a homilia que explicava por que era necessário falar dos mártires. E explicava que eles são os maiores expoentes do ecumenismo e que os jovens têm que saber quanto a fé custou aos que nos precederam, é preciso fazer memória deles e documentada, explicava o Papa”.
A irmã María Paz explica que o amor ao país e a seu povo que tiveram as religiosas Caridade e Esther e outros missionários que morreram em Argel “não se explica com a Sociologia ou a antropologia. Só é possível quando se faz um buraco no coração para o amor de Deus”.
Fonte: ACI digital