Formação

As relações familiares e os seus desafios no seu dia-a-dia

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Ana Carla Bessa
Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom

Criada à imagem da Santíssima Trindade e chamada a seguir os passos da Sagrada Família, a família cristã encontra no seu dia-a-dia um grande desafio: o aperfeiçoamento das relações entre os seus membros, para que estes não se tornem um obstáculo no seu caminho “de” e “para” a felicidade. A partir deste artigo, começamos uma série de outros que tratarão não somente das relações entre os membros da família, mas da própria família com o mundo que a cerca. Para isto, esperamos nos relacionar também com você, caro leitor, e por isso pedimos que envie rapidamente um e-mail ou carta endereçada às Edições Shalom e dirigida à seção “Só Família”. Na sua carta, você poderá dar seu testemunho familiar sobre o assunto, fazer alguma pergunta ou sugerir algum tema de seu interesse acerca das relações entre os membros da família ou desta com os que a cercam.
Hoje vamos introduzir o tema das relações familiares falando um pouco sobre alguns “mitos” que cercam os membros da família acerca de suas relações. Primeiramente é importante compreendermos em que sentido o termo “mito” é aqui empregado. “Mitos Familiares” aqui significam alguns ideais que os membros da família podem alimentar a respeito de suas relações e, ao invés de serem motivadores de um bom relacionamento familiar, arriscam a se tornar verdadeiros “pesos” que não os unem, mas, ao contrário, geram separações.
O “casal perfeito”
Um dos mitos familiares mais comuns é o mito do “casal perfeito”. A busca da perfeição, para o cristão, consiste primeiramente na busca da união com Deus, que é o cerne da santidade cristã. E o matrimônio entra como instrumento de santificação pessoal de cada cônjuge, dos filhos e de todos aqueles que entram em contato com a família que se forma. Um matrimônio feliz é também fruto da santificação dos membros da família, o que pode acabar não acontecendo quando o único e maior desejo dos cônjuges é realizar o ideal humano do casal perfeito.
Quando a busca dos cônjuges consiste primeira e unicamente em ser este casal ideal para si mesmos e não para Deus e conforme Deus, pode acontecer a ilusão humana do “casal que se completa” ou do casal que é “igual em tudo”. Nenhum ser humano pode completar inteiramente o outro nas suas diferenças, como também não existe em lugar nenhum do mundo um casal que tenha conseguido se tornar “igual” naquilo que são e fazem. O que pode existir entre ambos, e consiste num bom ajustamento conjugal, é a soma de simetrias e complementaridades que não os fecham em si mesmos, mas abrem-nos para dar e receber os que os cercam.
O casal que vive a ilusão dos “iguais” ou do casal que “se completa”, é fechado em si mesmo e às vezes chega a não dar espaço sequer para a relação com os filhos, quanto mais para a relação com Deus e com o próximo. Além disso, para manter esta ilusão, fatalmente acontece a dissimulação da personalidade de um com risco de explodir a qualquer momento numa verdadeira guerra conjugal, como retrata um conhecido filme que foi sucesso nos anos 80. Esta película mostrava um casal que manteve durante vinte anos um jogo implícito de interesses mútuos que se escondiam sob sua aparência de casal perfeito: ela se tornara a sombra do marido e ele se desdobrava para pagar os gastos exagerados dos gostos luxuosos dela. Mas um dia a troca do poder pelo dinheiro, que parecia completar a ambos, se desfez e eles enveredaram por uma verdadeira guerra de agressões mútuas que culminou com a morte dos dois.
Os “pais perfeitos”
Outro mito familiar muito comum é o mito dos “pais perfeitos”. Alguns pais acreditam que manterão a paz nas relações familiares se fizerem “tudo” pelos filhos e derem “tudo” a eles. Então entram numa grande “correria” para atender a tudo o que os filhos pedem para fazer ou para dar tudo o que eles acham que precisam, sem antes discernir realmente suas necessidades. Algumas vezes acontecem “grandes sacrifícios” que mais tarde só gerarão ressentimentos e cobranças porque foram feitos indiscriminada e desnecessariamente.
Para mantermos o título de “pais perfeitos” é que superprotegemos os filhos ou somos excessivamente indulgentes para com eles, e relegamos as nossas necessidades a um plano secundário para viver em função deles. Deus não nos pede para vivermos em função dos nossos filhos, mas em função do seu Filho Jesus, e nele e por Ele amarmos e servirmos nossos filhos.
Vale aqui reconhecer que em muitas de nossas concessões podemos não estar servindo sequer aos nossos filhos, mas a nós mesmos, dando a eles aquilo que um dia quisemos ter ou fazer e não pudemos. Quando Deus nos confiou filhos cujas almas são eternas, certamente depositou em nós a confiança de que não os superprotegeríamos, mas os amaríamos e sobretudo os ensinaríamos a amá-lo sobre todas as coisas e ao próximo como a Ele mesmo. E quando nos deu o seu Filho Jesus, contou com a Sagrada Família até para repreendê-lo, para acostumar sua humanidade à obediência amorosa, para que um dia entregasse sua vida na Cruz por amor a todos nós. Estes são os filhos perfeitos que Deus quer que formemos para Ele: filhos que, experimentando o amor maduro dos pais, aprendam a amar, e com amor maduro cheguem a ofertar inteiramente a sua vida por amor, conforme o seu plano único para eles.
Os “filhos perfeitos”
Sobre este aspecto, podemos lembrar também o mito familiar dos “filhos perfeitos”. Dentro do mito dos “filhos perfeitos” está o dos filhos realizadores dos projetos dos pais.
Mesmo que os filhos tenham características e até aptidões semelhantes às nossas, nunca podemos esquecer que cada um deles é um ser humano único, criado por Deus e para Ele, com direito a ter uma história pessoal singular, que nem sempre coincidirá com aquilo que sonhamos para eles. Eles não são uma cópia nossa, nem são obrigados a cumprir aquilo que não conseguimos realizar em nossa vida, como uma “edição melhorada” nossa, e portanto precisam ser formados por nós não para cumprir nossas expectativas a seu respeito, mas para dizer “sim” à vontade singular de Deus para eles. E o melhor que podemos fazer por eles é cuidá-los como a Sagrada Família cuidou e alimentou Jesus para que quando fosse adulto pudesse responder, com toda a liberdade e generosidade do seu ser, à vontade de Deus para Ele. Isto sim fará de nós os pais que precisamos ser e deles os filhos que precisam ser: santos instrumentos de Deus na transformação deste mundo!
Os “irmãos perfeitos”
Dentro do mito familiar dos “filhos perfeitos” está também o dos “irmãos perfeitos”. Estes suportam continuamente a exigência dos pais para que sejam iguais em tudo e jamais discordem entre si. Para manter esta falsa paz, as diferenças são abafadas e os pais estão sempre agindo como juízes entre os filhos, só conseguindo dividi-los ainda mais. É claro que é preciso evitar as agressões e fomentar continuamente o amor entre os irmãos, mas nunca podemos esquecer que a família verdadeiramente feliz não é aquela que nunca diverge, mas aquela cujos membros são abertos ao perdão e estão continuamente vivendo a reconciliação. Se a humanidade jamais tivesse dito “não” a Deus, todos saberíamos viver a unidade na diversidade, mas como pecadores que somos, cabe-nos ajustar nossas diferenças com a tolerância e o perdão que só a caridade divina pode nos dar.
Devemos, pois, estar continuamente aos pés de Jesus, na oração e nos Sacramentos, para dele receber o Espírito Santo, o dom do amor, que supera toda divisão e nos une a todos como família em torno daquele que é, como disse o próprio Jesus ao Jovem Rico, o único bom, o único perfeito. Nossa perfeição consiste em amá-lo, e nele nos abrirmos ao dom do amor dentro e fora de casa.


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