Evandro Júnior
Consagrado na Comunidade de Vida Shalom
O Santo Padre, citando a Dei Verbum, Documento sobre a Revelação Divina, convida a todos os fiéis a nutrirem-se mais assiduamente da Palavra de Deus, buscando na mesma um crescimento de fé, de entendimento e de conhecimento. Vale ressaltar o valor que o Santo Padre quer explicitar da Palavra de Deus enquanto alimento e necessidade diária de todo cristão, pela busca de um crescimento no entendimento e do conhecimento da mesma.
Procuremos entender o que vem a ser isso. Qual o valor substancial relativo a cada um desses aspectos, na vida do cristão? Qual destes aspectos entra em maior conformidade com a iniciativa divina de revelar sua Palavra aos homens? Lembremos que a intenção não é de minorar um aspecto e supervalorizar outro, mas de focalizar o coração do homem na essência substancial da proximidade e do contato com a Palavra de Deus, para que se cumpra na vida de cada um o que nos diz a própria Palavra: “Sede cumpridores da Palavra e não apenas ouvintes; isto eqüivaleria a vos enganardes a vós mesmos” (Tg 1,22).
Enquanto crescimento “no entendimento” da Palavra de Deus, podemos definir os diversos métodos sob os quais é possível estudá-la dentro da especialização teológica que nos oferece a Igreja através do seu Magistério. “A própria Palavra é a alma de toda a Teologia” (1) e “base de toda instrução cristã” (2). O fundamento dessa busca de crescimento no entendimento se acha na própria Palavra como nos afirma São Paulo: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, convencer e corrigir” (2Tm 3,16). Podemos afirmar que toda a Palavra é útil à educação moral e catequética dos fiéis.
A partir da Igreja, depositária da verdade revelada, todos os que são batizados em Cristo devem se deixar formar “no entendimento” das Escrituras Sagradas. Isso sem afirmar a necessidade de um discorrer teológico, enquanto método e disciplina, que deva envolver todo aquele que entre em contato com a Palavra de Deus, mas da necessidade de um entendimento claro e que eduque o homem para a fé e para a moralidade dos seus atos conforme o coração de Deus que o chama a viver para Ele em comunhão com todos os homens.
Visto a importância do estudo da Palavra de Deus como fonte de formação cristã, vai retratar um aspecto vital e, por que não dizer, de maior conformidade com a intenção divina ao revelar sua Palavra, que é levar ao coração do homem um movimento de conversão e transformação interior. Falamos do aspecto da espiritualidade diante da Palavra de Deus que deve atingir a todos os fiéis que compõe o corpo de Cristo.
Hoje podemos encontrar um componente exegético e dogmático que nos transpõe ao mergulho na Palavra de Deus, mas que deva nos levar da eloqüência ou erudição da Palavra à purificação e nutrição da nossa alma. Se a Palavra diz que “a Palavra útil ao ensino e correção”, também afirma que ela é “viva e eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes; penetra até as fronteiras entre a alma e o espírito… e perscruta os sentimentos e pensamentos do coração” (Hb 4,12).
De nada valeria se chegássemos a determinados níveis de conhecimento pela Palavra (da história de Israel, da própria vida de Deus, dos tipos de doutrina moral e religiosa) e não alcançássemos à intenção que Deus nos quer atingir por ela: a conversão do coração, a sua Palavra como acontecimento salvífico.
Então, podemos resumir dizendo que a sagrada Escritura antes de ser de caráter explicitativo é, essencialmente, de caráter dinâmico e vital e por isso é uma ação. Portanto, o crescimento do conhecimento da Palavra de Deus em nós, remete-nos ao aspecto da espiritualidade diante dela. Aprofundemos um pouco estes dois aspectos: a linguagem bíblica da palavra “conhecer” e o aspecto dinâmico da Palavra de Deus.
Na Bíblia, a Palavra “conhecer” é empregada para o uso de uma relação mais íntima do homem e da mulher. Com isso, podemos definir o “conhecimento” da Palavra como uma experiência de relação recíproca de duas existências à comunhão.
Quanto ao aspecto dinâmico da Palavra, esta não se limita aos livros das Sagradas Escrituras, embora eles sejam o lugar e o momento em que se encontra a Palavra de Deus. A “Palavra” nos oferece o acontecimento salvífico, isto é, o próprio Deus, que quer se comprometer e entrar na nossa história, revelando-se, ou seja, “dando a conhecer de si mesmo ao homem e do mistério da sua vontade, falando-nos como amigo e nos conduzindo à comunhão consigo” (3).
Então, o crescimento do conhecimento da Palavra a que somos chamados é o conhecimento do próprio Deus que caminha na história de cada homem como acontecimento salvífico e transformador. Pelo conhecimento, e agora com valor experimental, Deus está a caminho com cada homem fazendo arder os nossos corações por sua Palavra que transforma e encoraja como fez aos discípulos de Emaús. A Palavra de Deus quer nos questionar e nos levar a fazer opções definitivas como fez ao jovem rico.
A Palavra que muitas vezes vai nos causar dor por ser como “uma espada de dois gumes” a purificar as nossas tendências carnais e retalhar o nosso coração de pedra. A Palavra de Deus que quer se autenticar em nós, não como um simples saber a respeito de Deus, mas sendo ela a Palavra, por nós e em nós, Deus vivenciado. Assim podemos afirmar que o aspecto da vivência espiritual diante da Palavra parte desse conhecimento que tem como conteúdo real o próprio Deus que se revela e, porque se revela, pode curar ressuscitar, libertar, renovar, tudo como expressão da dimensão salvífica que quer dar ao homem. Se a Palavra de Deus se achar privada dessa experiência no coração dos homens, e for feita simplesmente “prisioneira” de um saber teológico ou catequético, será para cada homem como o drama da semente lançada que não produz fruto.
A Sagrada Escritura será, para cada homem, uma nova luz quando cada coração humano se abrir ao conhecimento da Palavra e se unir a Cristo.
Fonte: Revista Shalom Maná