Muito se tem falado sobre a realidade da terceira idade emnossas famílias e sociedade, e se há uma especialização que tem campo vasto naárea da medicina, é a geriatria. Só no Brasil, segundo o IBGE, o percentual dapopulação idosa – considerada com idade superior a 60 anos – aumentará dosatuais 7,8% para 13% em 2021. Os avanços da medicina e a melhoria nas condiçõesgerais de vida da população contribuíram para elevar a expectativa de vida dosbrasileiros, que aumentou 17 anos entre 1940 e 1980 (de 45,5 para 62,6 anos,respectivamente). Em 2000, esse indicador chegou aos 70,4 anos’ . Ou seja,muito em breve o Brasil, que ainda é visto como um país de populaçãopredominantemente jovem, entrará no rol dos países de significativa populaçãode velhos. Melhor dizendo, cada vez nos vemos mais cercados de pessoas daterceira ou da ‘melhor idade’.
Sem dúvida, isso representa um concreto desafio não somentepara a Previdência Social, que terá de sustentar uma grande massa da populaçãoque poderá viver umas boas dezenas de anos após a aposentadoria, mas tambémpara as famílias e para a sociedade em geral. O que fazer com tanta gente ainda tãocapaz, com expectativa de vida tão alta, mesmo com as ‘macacoas’, como se diziana minha família, presentes no corpo, para que a riqueza de vida de cada um nãoseja desperdiçada? Como nos beneficiarmos de tantos homens e mulheres cujamente, intelecto, coração e experiência de vida ainda têm tanto a dar econtribuir na família, na igreja, nos trabalhos voluntários, nas empresas, nossindicatos, nos jornais, nas escolas, nas empresas? Como não deixar nossosparentes e amigos idosos à margem das decisões e da contribuição familiar esocial que eles podem dar, relegando-os a um ostracismo destrutivo e desumano?
Como tudo na vida, as respostas não são simples nem podemser dadas genericamente como receita de bolo. E mais, dependendo do papelsocial que cada pessoa exerça, ela poderá ter maior ou menor responsabilidadesocial para apontar respostas. Porém, seja eu presidente de uma rede desupermercados que resolva recontratar pessoas da terceira idade para o meuquadro de funcionários, seja eu participante de alguma atividade voluntária oupastoral, ministro da república, professora, mãe de família, funcionáriopúblico ou estudante, todos nós convivemos de perto com pessoas da terceiraidade.
Pensando nisso, outro dia, me deparei com um texto bíblicoque me pareceu o trecho do Novo Testamento que mais belamente revela aimportância e o papel que as pessoas mais idosas e experientes têm para Deus,em primeiro lugar, para a história da salvação e na vida de Jesus. Sendo oEvangelho palavra viva que, pelo Espírito Santo, continua mudando vidas e dandosentido a elas, creio que este texto poderá nos ajudar a dar o devido respeito,carinho e atenção para quem já passou dos 60 e, a estes, a segurança de que oSenhor não aposenta ninguém, nem tampouco os quer tímidos e deprimidos, cheiosde dores nas costas, amofinados dentro de casa, por horas e horas a fio dianteda televisão, angustiados, sem sentido no fim da vida, saudosistas, esperando amorte chegar. A Palavra de Deus nos mostra como o Senhor ainda os quer naativa.
Vamos ao texto para compreendermos melhor. Estamos falandode Lucas 2,22-40, que nos apresenta as atividades e a vida de dois adoráveisanciãos: o velho Simeão e a profetisa Ana (graças a Deus, o evangelista tem adelicadeza de não chamá-la de velha!). A maioria da vezes que li este texto,tive minha atenção voltada para a família de Nazaré, para a reação de São Josée da Virgem Maria diante do que lhes foi dito, da obediência deles à leimosaica, de como eram simples na oferta das simples pombinhas. Também observavao que era dito sobre o Menino Jesus. Mas, em determinado momento me vi levada apousar o olhar do coração sobre estes dois personagens, que são citados somenteuma vez em todo o Novo Testamento, mas que nem por isso são personagens menoresno relato neotestamentário, atenta ao que poderia aprender com Simeão e Ana.Não era mais o que era dito, mas quem dizia.
Oprimeiro ponto, é que ambos demonstram, com a vida e com a atitude, que Deuspode confiar em alguém com mais experiência de vida, dando-lhes uma missãoespecial e única. Pela autoridade vivencial e espiritual que Simeão e Anademonstram ter, eles são escolhidos pelo Senhor para profetizar para a famíliade Nazaré! Pensemos que essa missão não é pouca coisa! O jovem casal José eMaria ouve, acolhe e recebe o direcionamento do Altíssimo para o seu futuro e ofuturo de Jesus, o Filho de Deus, através de dois anciãos (e Ana tem explícitos84 anos!).
Se hoje em dia já é uma vitória uma pessoa viver mais de 70anos, imagine na Antiguidade, quando a vida se apresentava ainda maisdesafiadora, quando não se tinha água encanada, fogão a gás, ventilador para ocalor desértico de Israel, conforto, antibióticos ou analgésicos. Simeão e Anaeram privilegiados por serem anciãos numa época em que a média de idade nãochegava aos 40 anos, porém, acredito, carregavam em seus corpos todos oslimites e cansaços típicos e legítimos da terceira idade: vista cansada ecatarata, dores nas pernas e pés inchados pela má circulação, maior lentidãonos gestos, no andar, falhas na memória, dificuldade para suportar muitaconfusão, gente e barulho… Deus não lhes tirou os limites humanos, mas,revestidos e conscientes da vida vivida até então, Simeão e Ana permaneciam lá,no templo, a serviço, em oração, cheios do Espírito, confiantes e convencidosde que veriam com seus olhos e tocariam com suas mãos a salvação de Israel. Nãose comportavam, nem se viam internamente como decadentes, aposentáveis,deixados de escanteio, querendo voltar à juventude e aos bons tempos davitalidade.
O que aprendemos com Simeão e Ana? Que vale a pena viverquando se tem Deus como fonte de tudo e companhia constante, quando Ele épessoalmente presente em nós, Só dessa forma caminharemos para a velhice semtemê-la, pois “a velhice também é vida. [Ela] não significa apenas oesgotamento de uma fonte que nada mais produz, ou o adormecimento de uma formaanteriormente forte e intensa – na realidade, [a velhice] é vida em si mesma,de espécie e valores próprios” .