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Ateísmo e o problema teologal do homem

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foto_-2O vocábulo ateu significa uma privação ou uma negação da ideia de Deus. Em si, portanto, este conceito expressa um desconhecimento ou uma postura de não aceitação de um Primeiro Princípio de tudo. Quem assevera que Deus não existe, pode simplesmente assumir esta atitude e dela haurir suas consequências, ou partir daí para lutar contra um Criador do universo.

Assim, o ateu é aquele que ignora, nega ou combate a Deus. Aí estão três facetas do ateísmo. O ateu perfeito, em toda a acepção da palavra, não acredita que haja um ser que transcende a ordem empírica. A Igreja, ao contrário, sustenta que o reconhecimento de Deus por parte do homem em nada fere sua dignidade, e que tal dignidade se fundamenta e aperfeiçoa no próprio Deus (cf. GS 21).

O problema teologal do homem

“A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do homem para a comunhão com Deus”. Assim inicia-se o parágrafo 19 da Constituição Gaudium et Spes.  Se o homem possui entre todos os seres uma dignidade singular, esta está diretamente ou essencialmente ligada a seu Criador.

Como dizia o grande expoente da Nouvelle Théologie, Maurice Blondel, o homem tem uma abertura essencial para Deus, comparável às cúpulas das igrejas; se fechar essa abertura estrutural, o edifício da vida humana desmorona.

Partindo da filosofia materialista realista aberta, Xavier Zubiri parece seguir as pegadas de Blondel. O esquema zubiriano estrutura-se em três partes: o fato da religação, a sua necessária plasmação em religião com sua diversidade de formas (história das religiões) e o Cristianismo como o testemunho presencial, santificante, perene e expectante da verdade.

No primeiro volume, Zubiri não pretende oferecer um tratado teológico acerca de Deus, mas somente chegar a Deus enquanto Deus, percorrer um itinerário teológico destacando a originalidade residente no que ele qualifica de “problema teologal do homem”, tese na qual nos queremos deter um pouco, antes mesmo de explorar a doutrina contida na Gaudium et Spes.

Entre os seres vivos, o homem sempre esteve numa condição de destaque, pois, sendo dotado de inteligência e vontade, pode colocar diante de si certas questões existenciais: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Isso não seria possível sem uma alma espiritual, ou com uma razão estreita. Sendo, portanto, um ser racional, o homem é o único animal em condições de fazer um discurso crítico sobre Deus.

Essa possibilidade é essencialmente atingível a todo homem, e a Igreja confirma essa premissa no Catecismo quando diz: “O homem é capaz de Deus.” Importa saber que nenhum homem é desprovido da prerrogativa de poder elaborar um discurso crítico sobre Deus, que lhe favoreça assumir uma determinada postura no mundo. Segundo Zubiri, todo homem traz dentro de si a “vontade de Verdade”, a qual faz com que o homem, se quiser ser consequente, não fique indiferente diante das questões fundamentais de existência. Com a categoria de “poder do real” o teólogo define aquela força interpeladora que surge do encontro do homem com o fundamento último da realidade que ele não pode negar.

Para ilustrar as intuições de Zubiri, pensemos que numa sala fechada há duas pessoas trabalhando. De repente ouve-se um estrondo, o estrondo foi forte, elas não podem negar que ouviram, a não ser que uma seja surda, mas isso seria uma questão patológica. As duas ouviram perfeitamente o barulho. O som entra pelo ouvido, chega ao entendimento, o barulho vai ser inteligido.

O resultado será uma pergunta: “O que é isso?” Quando o homem faz esse questionamento, ele está manifestando sua vontade de Verdade, quer saber qual o fundamento último daquilo que o atropelou. Imaginemos então que entre os dois homens em questão um seja ateu e o outro teísta.

O teísta, depois de trilhar o caminho que Zubiri chama de “marcha intelectiva”, vai dizer: “É Deus.” O Ateu talvez diga: “Não é Deus”, mas, se quiser ser honesto, precisa dizer o que é. A postura de indiferença nesse caso seria ridícula.

A questão que Zubiri tem diante de si é: “Deus é um problema para o homem de hoje, seja ele ateu ou teista?”. O ateus dizem que Deus não é um problema para eles, mas para o homem de fé. Do mesmo modo, o homem de fé alega que Deus não é um problema para ele, mas para o ateu, que não tem fé. Um delega ao outro a responsabilidade por justificar sua opinião.

Para Zubiri o ateu não é menos crente que o homem de fé. Os dois são, ou deveriam ser, pessoas de convicções. Nesse sentido, estão igualmente obrigados a justificar seu ponto de vista. Do ponto de vista filosófico, não é possível provar racionalmente a existência de Deus, nem sua não existência. Entretanto, ter fé é razoável, pois a condição para se ter fé é ser dotado de razão; se não fosse assim, qualquer outro ser vivo poderia ter fé. Nessa perspectiva, poderíamos afirmar que a fé é mais razoável que a não fé.

*Rodrigo Santos e Vicente Junior

Bibliografia

NIETZSCHE, Friedriche. A Gaia Ciência (tradução de Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das Letras

CONCÍLIO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000

ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo: Paulinas, 1991.

http://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo pontifice_20050418_po.html

http://www.zubiri.org/general/xzreview/2007/pdf/cescon_07.pdf

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