XXVII Domingo do tempo comum [C]
Habacuc 1, 2-3; 2, 2-4; 2 Timóteo 1, 6-8.13-14; Lucas 17, 5-10
O Evangelho de hoje se abre com a petição dos apóstolos a Jesus: «Aumenta a nossa fé!». Ao invés de satisfazer seu desejo, Jesus parece querer aumentá-lo. Diz: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda…». A fé é, sem dúvida, o tema dominante deste domingo. Na primeira leitura se ouve a célebre afirmação de Habacuc, retomada por São Paulo na Carta aos Romanos: «O justo viverá por sua fé». Também a aclamação ao Evangelho está em sintonia com este tema: «O que conseguiu a vitória sobre o mundo é nossa fé» (1 João 5, 4).
A fé tem diferentes matizes de significado. Agora eu gostaria de refletir sobre a fé em sua acepção mais comum e elementar: crer ou não em Deus. Não a fé segundo a qual se decide se se é católico ou protestante, cristão ou muçulmano, mas a fé segundo a qual se decide se se é crente ou não-crente, crente ou ateu. Um texto da Escritura diz: «Quem se aproxima de Deus deve crer que Ele existe e que recompensa os que o buscam» (Hebreus 11, 6). Este é o primeiro degrau da fé, sem o qual não há outros.
Para falar da fé em um nível tão universal, não podemos basear-nos só na Bíblia, porque esta teria valor somente para nós, os cristãos, e, em parte, para os judeus, mas não para os demais. Por sorte, Deus escreveu dois «livros»: um é a Bíblia, o outro é a criação. Um está formado por letras e palavras, o outro por coisas. Nem todos conhecem, ou podem ler, o livro da Escritura, mas todos, desde qualquer latitude e cultura, podem ler o livro da criação. À noite talvez melhor, inclusive, que de dia. «Narram os céus a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos. (…) Por toda a terra se espalha o seu ruído, e até os confins do mundo a sua voz» (Salmo 19). Paulo afirma: «Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis à inteligência, por suas obras » (Romanos 1, 20).
É urgente dissipar o difundido equívoco segundo o qual a ciência já liquidou o problema e explicou exaustivamente o mundo, sem necessidade de recorrer à idéia de um ser fora dele chamado Deus. Em certo sentido, atualmente a ciência nos aproxima mais da fé em um criador que no passado. Tomemos a famosa teoria que explica a origem do universo com o «Big Bang» ou a grande explosão inicial. Em um milésimo de segundo, passa-se de uma situação na qual não existe ainda nada, nem espaço nem tempo, a uma situação na qual começou o tempo, existe o espaço e, em uma partícula infinitésima de matéria, existe já, em potência, todo o sucessivo universo de bilhões de galáxias, como o conhecemos hoje.
Alguns dizem: «Não tem sentido propor-se a questão do que havia antes daquele instante, porque não existe um ‘antes’ quando ainda não existe o tempo». Mas eu digo: como não se propor esse questionamento? «Remontar-se à história do cosmos – afirma-se também – é como folhear as páginas de um imenso livro, partindo do final. Chegando ao princípio, percebe-se que é como se faltasse a primeira página». Acho que precisamente sobre esta primeira página que falta, a revelação bíblica tem algo a dizer. Não se pode pedir à ciência que se pronuncie sobre este «antes» que está fora do tempo, mas ela não deveria tampouco fechar o círculo, dando a entender que tudo está resolvido.
Não se pretende «demonstrar» a existência de Deus, no sentido que damos comumente a esta palavra. Aqui embaixo vemos como em um espelho e em um enigma, diz São Paulo. Quando um raio de sol entra em um quarto, o que se vê não é a própria luz, mas a dança do pó que recebe e revela a luz. Assim é Deus: não o vemos diretamente, mas como em um reflexo, na dança das coisas. Isso explica por que Deus só pode ser alcançado com o «salto» da fé.
Fonte: Zenit