Hoje comemoramos o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. E eu sou autista. Faz quase um ano que eu descobri, mas faz 26 anos que convivo com ele. Eu vim não só falar sobre o Autismo, mas vim contar um pouco da minha jornada de descoberta. O que mudou? Tudo, e ao mesmo tempo não mudou nada.
O diagnóstico do TEA
Muitas pessoas já conhecem sobre o Transtorno do Espectro Autista que a gente chama de TEA, porém para muitos pais, mães, irmãos, amigos, professores, profissionais o Autismo é uma realidade nova. Cada vez mais pessoas tem buscado se entender melhor e descobrem que são autistas na fase adulta, assim foi para mim. O TEA é considerada uma condição relacionada diretamente com dificuldades de comunicação, interação social e que também pode ser percebida por meio de comportamentos repetitivos, mas não só.
Outras características podem ser: rigidez de pensamento e dificuldades para entender as próprias emoções e emoções de outros; dificuldades na coordenação motora; comportamentos corporais repetitivos; necessidade de rotinas; dificuldade em entender as nuances das relações sociais (que as pessoas comuns aprendem de forma automática); autocobrança excessiva; sensibilidade sensorial a cheiros, sons, temperaturas e etc.
Eu cresci com todas essas características mas só fui entender há pouco tempo. Com isso veio a ansiedade e a depressão.
Conhece-te
O autoconhecimento é um processo que dura a vida toda e eu percebo que as minhas crises diminuíram bastante desde que recebi o diagnóstico de autismo. Como assim diminuíram? Eu vivia com a sensação de não saber viver, como se não tivessem me dado o manual de ser humano. Eu adoro essa expressão. Mas depois do diagnóstico sinto-me como um daltônico que ganhou um óculos especial para ver as cores do mundo. É exatamente assim que me sinto. Esse autoconhecimento é um caminho que deve nos guiar para a santidade, assim nós aprendemos. Eu vivo constantemente o que Santo agostinho nos ensinou. Conhece-te, aceita-te, supera-te. Esses três imperativos iluminam meu caminho como pessoa.
Conhecer meu autismo (Conhece-te) não significou o fim de uma vida ofertada, mas me deu muito mais a ofertar a Deus e aos irmãos. Tem sido uma longa jornada entre terapias, medicações, crises, consultas até chegar aqui.
Esse processo de auto aceitação (Aceita-te) é importante, porque é um reconhecer quem você é, e que isso tá tudo bem, não é ruim. Compreender que eu possuo um funcionamento distinto das pessoas típicas (a gente não usa o termo normal porque não é uma questão de normalidade) fez com que eu pudesse iniciar esse processo de aceitação de mim mesmo, pois eu buscava ser não só uma pessoa típica mas eu queria ser além, ser perfeita, sem erros, sem limitações, sem fraquezas, sem necessidades. Ou seja, queria ser uma máquina. Inclusive ter aquele botão de apertar pra reiniciar era meu sonho.
Aceitar-se não é se acomodar
Eu comparava muito o meu desempenho nas coisas com os outros, meu rendimento, minha qualidade de serviço e isso me deixava muito mal quando comecei a perceber que meu limite era menor. Eu me canso mais facilmente, porque a sensibilidade sensorial nos faz assim, precisamos de mais tempo de descanso entre atividades mais pesadas. Mas aí entra uma questão de que o aceitar-se não é se acomodar a esses limites.
Eu acho que esse termo: superar-se, sempre esteve como o primeiro na ordem para mim, antes mesmo do conhece-te, e vejam onde fui chegar né. Numa situação de esgotar minhas forças, esgotar a saúde para enfim aprender de verdade como se vive nesse mundo sendo uma pessoa atípica. Esse caminho do superar-se pra mim ainda vai acontecer, ainda estou no passo de número um.
Vocação Shalom
Antes do diagnóstico veio o chamado a vocação. A vocação Shalom, que é um chamado que Deus dirige a todo e qualquer membro batizado do povo de Deus, que fez uma experiência com o Ressuscitado que passou pela cruz, que foi batizado no Espírito (ECCSh 8). Assim eu também fiz minha experiência, e senti esse chamado a esta vocação específica. Reconheço hoje que é na minha diferença que Deus manifesta sua Glória, e não sou a única, há tantos irmãos e irmãs na vocação Shalom que são também autistas e que descobriram cedo ou tarde o diagnóstico e que também buscam a cada dia viver a santidade.
E uma lembrança muito especial foi o dia de São Francisco. Foi nesse dia que foi fechado meu diagnóstico. Presente de São Francisco. Mas não só isso. A alegria e o louvor. Sim! Isso que é essencial, e que o bom Francisco me ensinou. Sim, eu me entristeci em alguns momentos, não queria aceitar a verdade de toda uma vida, mas que não iria desaparecer pela não aceitação. Melhor é abraçar com ternura, como fez Francisco ao leproso.
Abraçar a irmã pobreza, abraçar a irmã neurodiversidade. Abraçar com ternura o irmão autismo, beijar o rosto da irmã ansiedade. Que absurdo! você deve pensar; mas foi assim com Francisco. Eu também pensava assim. Quero ser como Francisco, quero ser cada dia mais Shalom, quero amar meu irmão TEA, quero abraçar com todas as circunstâncias, cada um dos desafios, E amar. Porque os Autistas também amam e também podem ser santos.
Leohanna Gomes Araújo
Discípula Comunidade de Aliança
Missão Fortaleza
Integrante da Evangelização de Surdos Shalom
Leia também| O autismo me fez uma mãe mais amorosa e perseverante
Coisa linda. 🥰 Me identifiquei com algumas coisas.
Depois do diagnóstico da minha minha filha de 16 anos, fui aceitando muitas coisas que eu percebia em mim, mas minha mãe nunca percebeu e eu nunca soube me expressar, pq tbm não entendia o que acontecia comigo. Era uma luta na busca da perfeição, comparação… uma opressão. Tenho me sentido mais livre para expressar minhas necessidades sem me acomodar nelas, claro.
Muito obrigada pela partilha edificante, cada um de nós tem uma história e assim somos todos diferentes e nos complementamos com nossas vidas e experiências. Shalom!
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!
Essa frase foi o que primeiro me veio a mente.
Grande abraço minha irmã Leohanna.
FANTÁSTICO! Obrigado por nos lembrar que não somos repetidores de espécies, e sim seres humanos únicos e singulares.
Eu não consegui. Tenho hipersensibilidade sensorial altíssima. No Postulantado tive síndrome do pânico por causa dos estímulos sensoriais e saí da comunidade. Queria ter ficado na Obra, mas também não dava. Há algumas semanas fui no Shalom depois de anos (porque na última vez tive uma crise por sobrecarga sensorial) e novamente tive crise.
Oi Ramona, desculpa a demora. Não poderia deixar de responder.
Sim, eu tenho um sensibilidade sensorial bastante significativa. Sempre chego esgotada da célula, no tempo do grupo de oração sempre foi desafiante. Eu só não sabia explicar o que sentia. Só sentia muitas dores de cabeça, muita tontura. Mas sempre vivi em espírito de sacrifício muito grande. Entendo que a falta de diagnóstico cedo na minha vida fez com que eu ignorasse muito do que sentia e até o meu D2 eu não tinha conhecimento da minha condição. Não sei quando sua jornada. Quando você teve seu diagnóstico.
Ter crises sempre vai fazer parte da minha vida, ainda sou uma pessoa que aprende a lidar com cada uma. Já teve tempo que nem pisei mais no centro de evangelização. O período de retorno pós pandemia tem sido bem desafiante. Mas sobretudo a graça é maior. Me dedico a terapia, a intervenção sensorial, as medicações tudo isso como suporte. Porque como sabe o autismo não é uma doença a se curar mas a gente aprende a entender como funciona tudo em nós.
Queria continuar essa partilha diretamente como você. Conte comigo.
Oi! Só hoje vi que você tinha me respondido. Obrigada pela partilha. Gostaria muito de poder falar mais sobre isso tudo com você. Nem sei se vai chegar a ver minha mensagem mas, se vir, pode me enviar um e-mail?
Gostaria de saber se vc tem hipersensibilidade sensorial. Se sim, quais, em que intensidade e como lida com isso diante dos estímulos sensoriais na vida fraterna. E se isso te causa crise.