Como bom cearense que sou o ritmo marcante, ouvido desde minha infância, foi o forró, seja nas quermesses, promovidas pelos meus pais, seja nos programas matinais, nos quais entre uma música e outra bimbalhava chocalhos, ouvidos de um antigo rádio Telefunken. Na programação local de TV o forró avultava-se sobremaneira aos demais hits emergentes: axé, lambada, pagode e outros modismos musicais que aparecessem.
Destas lembranças para cá passaram-se quinze anos, meu gosto musical não é o mesmo, mas não foi somente isso que mudou. O forró, ritmo por excelência nordestino, envolvente e descontraído logrou sucesso nacional; Sanfona, zabumba e triângulo, quando não divide, dá espaço a guitarras, baixo e até bateria.
Outra metamorfose significativa, pode-se, notar nas letras dos forrós. O que antes contava os ‘causos’ sertanejos, o romantismo inocente e as esperanças de um povo sofrido, porém feliz, foi trocado por letras agressivas, com duplo sentido, apologéticas à traição, alcoolismo e não poucas vezes à pornografia.
Palavras de baixo calão tornam-se refrões; gestos indecorosos são incorporados a coreografias de dezenas de bandas que multiplicam-se vertiginosamente à procura de público. Estas não se incomodam de serem conhecidas como a banda do momento —assim anunciam faixas irregulares — a fila é imensa para ocupar um momento que dura apenas alguns meses. Depois extinguem-se.
Beber, cair e levantar é um dos sucessos do momento. Repetida dezenas de vezes, estes três verbos ganham eco nos lábios de milhares de pessoas que os escutam à exaustão nos ônibus, topics, bares, restaurantes e congêneres.
Incomoda-me nisso tudo não o ritmo, mas o conteúdo imoral, agressivo e chulo disseminado, ao qual somos expostos diariamente. Passivamente nos acostumamos a cantar contra-valores que em nada dizem dos desejos mais profundos e sinceros aspirados pelo coração humano. Neste raciocínio como exaltar, por exemplo, alguém inveterado em beber, cair e levantar.
À calçada de minha casa encontro todos os dias homens enlaçados pelo vício do alcoolismo; só pensam em beber, literalmente caem e quando levantam-se, aviltes, querem novamente beber. Cumprem assim o ciclo suicida do beber, cair e levantar.
A muito custo conseguimos convencer um destes homens a recuperar-se deste vício. Poucos meses após ter iniciado o tratamento já se podia vislumbrar o semblante de um homem novo que aos poucos renascia das sarjetas e cruzava o portal de sua dignidade; comprovou deste modo que,se se mantivesse fiel a este ciclo, em breve espaço de tempo, quedaria para sempre.
Beber, cair e levantar é uma apologia ao alcoolismo, monstro insaciável alimentado de vidas humanas ceifadas no trânsito, em discussões banais e noutras ocasiões, em cujo momento a lucidez é entorpecida por exageradas doses de bebida alcoólica. Diante disso tudo manifesto o desejo de levantar uma sadia reflexão sobre os valores transmitidos através da cultura do forró.
Quem pode fazer o quê, para pelo menos minorar estes abusos? É bem certo, poder-se-ia alargar as fronteiras de tal debate para o funk, swingueira, axé, etc, pois não se trata de fenômeno restrito apenas ao forró.
Com tristeza constatamos um legado cultural empobrecido para toda uma geração. O forró como ritmo raiz de nossa terra tem alimentado mal a árvore da cultura de nossa gente ao incorporar em si valores que não edificam, deste modo, não poderemos esperar bons frutos desta árvore, alimentada tão mal.
Fonte:
Vanderlúcio Souza (Membro da Comunidade Católica Shalom) – vanderluciosz@yahoo.com.br