Uma das características do estilo literário chamado “Crônica” deveria ser a temporalidade. Isso porque as crônicas começaram a nascer quando a imprensa moderna surgiu, para ocupar o espaço próximo aos rodapés dos jornais, já que os editores desejavam atrair não somente leitores interessados em notícias sobre economia e política, mas também em fatos do cotidiano contados de uma forma atrativa, por meio da literatura.
Quando digo “deveria ser a temporalidade”, significa que, em seu início, as crônicas, por serem publicadas em um veículo de comunicação cuja vida útil não durava mais que um dia, geralmente se perdiam com a mesma efemeridade dos jornais, que um dia estavam nas mãos dos leitores e, no outro, somente serviam para limpar vidraças ou embalar produtos de mercearia.
Porém, o que se destinava a durar um instante, por vezes, tanto pelo talento dos cronistas, quanto pela curiosa forma circular com que alguns assuntos rodeiam a vida humana, indo e voltando de tempos em tempos, muitas crônicas acabaram sendo reunidas e transformadas em livros que realmente são atemporais.
É o caso da dica de leitura de hoje, que se trata de uma coletânea que reúne crônicas de G.K. Chesterton, escritas nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, que foram transformadas em um livro intitulado Considerando todas as coisas, publicado em 1908 na Inglaterra e traduzido para o português em 2013, pela editora Ecclesiae.
Durante a leitura, o que mais impressiona é a precisão com a qual tantas questões do início do século XX continuam sendo totalmente pertinentes nos dias hodiernos. Como exemplo, temos a crônica intitulada “A falácia do sucesso”, que trata sobre uma onda de escritores que, já na época de Chesterton, começaram a investir em obras que prometiam ensinar seus leitores a como alcançar o sucesso em seus empreendimentos. Deu para perceber alguma semelhança com certo tipo de literatura moderna que você conhece? Certamente sim.
Aliás, a respeito do sucesso, como é próprio do estilo paradoxal e cômico do autor, deixamos abaixo um trecho da referida crônica, como uma amostra do que o leitor poderá encontrar nas páginas dessa ótima coletânea que pode ser chamada de tudo, menos de temporal ou antiquada:
“Surgiu em nossos dias uma classe particular de livros e artigos que sincera e solenemente, penso que possa ser chamada a mais idiota que os homens já conheceram. São livros mais desvairados que os romances mais desvairados de cavalaria e mais enfadonhos do que o mais enfadonho tratado religioso.
Ademais, os romances de cavalaria eram pelo menos sobre cavalaria; os tratados religiosos sobre religião. Mas esses livros são sobre nada; são sobre o que é chamado de Sucesso. Em qualquer livraria, em qualquer revista, você encontrará obras dizendo às pessoas como ter sucesso. São livros que demonstram aos homens como obter sucesso em tudo; porém, são escritos por homens que não conseguem obter sucesso nem mesmo em escrever livros.
Para começar, não há certamente tal coisa chamada sucesso. Ou, se você desejar, não há nada que não seja bem-sucedido. Dizer que uma coisa seja bem-sucedida apenas significa que ela é; um milionário é bem-sucedido em ser milionário e um burro é bem sucedido em ser um burro. Qualquer homem vivo é bem-sucedido em viver; qualquer falecido pode ter sido bem-sucedido no suicídio.
Mas, ignorando a má lógica e a má filosofia da frase, podemos considerar o sucesso, como os escritores fazem, no sentido ordinário de obter dinheiro ou uma posição mundana. Esses escritores prometem que podem ensinar o homem comum a obter sucesso em seu negócio ou especulação – como, se é um construtor, ele pode obter sucesso como construtor; como, se ele é um corretor da bolsa, ele pode ser bem sucedido como corretor. Eles afirmam que podem ensiná-lo como, se ele é um merceeiro, ele pode ser um dono de iate; como, se ele é um jornalista de décima categoria, ele pode se tornar um nobre; e como, se ele é um judeu-alemão, ele pode se tornar um anglo-saxão.
Esta é uma proposta do tipo comercial, e penso realmente que as pessoas que compram esses livros (se alguém os comprar realmente) têm um direito moral, se não legal, de exigir seu dinheiro de volta. Ninguém ousaria publicar um livro sobre eletricidade que não dissesse literalmente nada sobre eletricidade; ninguém ousaria publicar um artigo sobre botânica que demonstrasse que o autor não sabe qual extremidade de uma planta cresce debaixo da terra. Todavia, nosso mundo moderno está cheio de livros sobre Sucesso e pessoas bem-sucedidas que não contêm literalmente nenhuma ideia e dificilmente algum sentido verbal.
É perfeitamente óbvio que em qualquer ocupação decente (tal como assentar tijolos e escrever livros) há somente dois modos (em qualquer sentido especial) de obter sucesso. Um deles é fazer um trabalho muito bom, o outro é trapacear. Ambos são muito simples e não exigem nenhuma explicação literária.
Se você desejar dar um grande salto, ou você pula mais alto que qualquer um ou consegue, de alguma forma, fingir que você o fez. Se você quer ganhar no whist, ou você é um bom jogador de whist ou tem de jogar com cartas marcadas. Você pode desejar um livro sobre saltos; você pode desejar um livro sobre whist; você pode desejar um livro sobre como roubar no whist. Mas você não pode querer um livro sobre Sucesso. Você não pode querer especialmente um livro sobre o Sucesso como estes que você pode agora encontrar espalhados aos magotes nas livrarias. Você pode querer saltar ou jogar cartas; mas você não quer ler afirmações errantes que dizem que saltar é saltar e que os jogos são vencidos pelos vencedores (…)”.
Boa leitura!