Dois amores fundaram duas cidades: o amor-próprio, até o desprezo de Deus ㅡ a terrena; e o amor a Deus até o desprezo de si mesmo ㅡ a celestial. A primeira cidade gloria-se em si mesma; a segunda, em Deus”.
Com essa citação de Santo Agostinho começa e termina a dica de leitura de hoje, um livreto de oitenta e oito páginas, que vale muito a pena ser lido e relido a qualquer tempo, principalmente durante essa Quaresma. Trata-se do livro “Egoísmo e Amor”, escrito por Dom Rafael Llano Cifuentes e publicado pela Editora Quadrante.
Primeiro, o autor apresenta o amor como uma necessidade humana vital, contudo, apresenta duas formas possíveis de amar: a primeira, centralizada em Deus; a segunda, em si mesmo.
Embora compreendendo que há em todo homem um desejo intrínseco pelas realidades do Alto, que é o próprio desejo por Deus, o autor recorda que também existem as consequências do pecado, que arrastam o mesmo homem à supervalorização de si mesmo e acabam por prendê-lo tanto ao que gira em torno do seu benefício próprio, que passa a ter somente a si mesmo e suas necessidades como critério absoluto para suas decisões.
Esse amor-próprio desordenado seria a raiz do egoísmo, que tem consequências catastróficas na vida humana e em seus relacionamentos com Deus, consigo mesmo e com os outros, tais como: o engano próprio, a insinceridade, a hipersensibilidade, a vaidade, a inveja, a ironia, o egocentrismo, a egolatria e a autossuficiência religiosa, levando, por vezes, “a filtrar os ensinamentos de Jesus Cristo para aproveitarem somente aquilo que lhes agrada”, construindo, assim, “com ideias esfarrapadas, (…) um boneco na forma de Deus”, mas que não passa de uma idolatria diabólica de seu próprio orgulho.
Portanto, o autor nos apresenta o progresso interior como a superação desse amor-próprio desordenado, citando uma frase de Benedikt Baur: “Toda a perfeição, toda a santidade, todo o progresso espiritual se fundam na destruição do amor-próprio. Só sobre suas ruínas se pode erguer de novo um edifício em que Cristo viva e reine”.
A partir de então, o autor passa a falar do amor, partindo da afirmação bíblica sobre sua única e verdadeira essência: “Deus é amor” (I Jo 4,16), e como a lei suprema do cristianismo, fazendo o necessário esclarecimento quanto ao significado final do verbo amar: “não um simples impulso, um mero sentimento”, mas repetir as palavras de Cristo na Cruz: “Tudo está consumado” (Jo 19,30), dizendo: “Tudo o que poderia ter dado, eu o dei até a última gota do meu sangue, então terás esgotado o significado do verbo amar”.
Esse amor verdadeiro gera inúmeras ações que levam sempre a privilegiar a Deus e aos outros: saber olhar, respeitar, compreender, perdoar, corrigir, esperar, carregar, servir, sorrir, dar, dar-se, sacrificar-se e, por fim, compreender que só o amor verdadeiro, que é a oferta total de si, realiza: “O perder-se e o salvar-se mantêm entre si uma relação inversa e paradoxal: a procura de si mesmo traz a perda; e a perda de si próprio traz o encontro com o mais essencial de nós mesmos: a salvação pelo amor”.
Por fim, Dom Rafael finaliza do modo como começou: “Dois amores fundaram duas cidades… o amor-próprio e o amor de Deus. São dois pólos de atração, duas formas de viver. Cada um de nós ㅡ em cada passo da sua caminhada, em cada instante da sua existência ㅡ tem que resolver o pequeno ou grandioso conflito que esta opção nos apresenta continuamente. E é em assumir essa responsabilidade e em solucioná-la com a dignidade de um filho de Deus ㅡ em nada mais e nada menos ㅡ que consiste a nobreza do nosso viver humano”.
Quem estiver disposto a trilhar esse caminho da infeliz centralização em si mesmo para a verdadeira vida, centrada em Deus e a serviço do outro, pode dar o primeiro passo através desse precioso livro que Dom Rafael Cifuentes nos deixou.
Autor: Rafael Llano Cifuentes
Número de Páginas: 88
Editora: Quadrante
Edição: 3
Ano: 2016
Boa leitura!