Não há nada mais surpreendente na escrita do que transformar o trivial em fantástico. É admirável quando um escritor diz o cotidiano de um modo tão inusitado e novo, que faz com que os nossos olhos se abram para enxergar prodígios em meio à insignificância, maravilhas no nada aparente e o extraordinário no ordinário. Afinal, não foi isso que o Criador caridosamente fez em nós? Insuflar vida eterna no pó?
E, a meu ver, não há outro gênero literário que realize essa proeza tanto quanto a crônica, afinal, é uma narrativa, curta, leve e que tem como matéria prima as miudezas do cotidiano, revelando a grandiosidade escondida em sutilezas como no farfalhar das árvores fustigadas pelo vento da tarde ou nos gritinhos agudos de crianças brincando no jardim em frente ao prédio onde moram.
Antônio Cândido, professor e crítico literário, diz que “a crônica está sempre ajudando a estabelecer ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor”.
A dica dessa semana, portanto, é um livro de crônicas que, em seu próprio título, já diz a que veio: o excelente Tremendas trivialidades, escrito por G.K. Chesterton.
O livro reúne 39 crônicas originalmente publicadas no periódico inglês Daily News, no início do século passado, nas quais Chesterton consegue, de fato, como disse Antônio Cândido, restabelecer as dimensões das trivialidades do cotidiano de sua época, tornando-as tremendas e fazendo tais narrativas ressoarem até hoje, um século depois, o que pode ser considerado uma façanha, já que uma das características da crônica é a sua efemeridade.
Ademais, os textos são recheados de bom humor, sagacidade, ironia e inteligência, escritos em um timing perfeito e sempre finalizados sem deixar pontas soltas. Resumindo, o livro é uma preciosidade que vale a pena ser descoberta pelos apreciadores da boa literatura.
Por fim, resta terminar este Bendita Leitura com uma citação do próprio autor. Trata-se do último parágrafo da crônica que empresta seu nome ao título do livro: “Vou sentar-me e deixar que as maravilhas e aventuras pousem em mim como moscas. Há muitas delas, garanto. O mundo nunca sofrerá com a falta de maravilhas, mas apenas com a falta de capacidade de se maravilhar”.
Boa leitura!