Sabe-se que crianças e adolescentes sãocapazes de praticar pequenos e grandes atos de perversidade: debocham uns dosoutros, criam apelidos, reparam nas ‘imperfeições’ dos colegas, criamarmadilhas para atingir os colegas, discriminam, implicam, agridem verbalmenteou fisicamente, entre outros. Tais atitudes são mais comuns na escola do que seimagina. Essas atitudes não são novas. De alguma forma, elas sempre existiramno ambiente grupal.
Porém, pesquisadores, psicólogos eprofessores vêm encarando com outro olhar essas práticas. Há aproximadamente 15anos, essas provocações passaram a ser vistas como uma forma de violência eganharam nome: bullying.
O que ébullying e cyberbullying ?
Bullying é uma palavra que vem do inglês epode ser traduzida como “intimidar”, ou “amedrontar”. Sua característica maisimportante é que a agressão (moral ou física) é sempre intencional e ocorrerepetidamente, sem uma motivação específica, a não ser a de incomodar o outro.
Atualmente a tecnologia deu uma nova dimensãoao problema – emails ameaçadores, mensagens negativas em sites derelacionamento e torpedos com fotos e textos constrangedores para a vítima,dando um novo nome: cyberbullying.
Em nosso país, esses casos de violência vêmtomando dimensões maiores e com grande rapidez através da internet. Vamosperceber como o bullying na era virtual tem se tornado mais cruel.
-Perseguição permanente e ampliada
A era virtual, pela freqüência contínua deacessos, aumenta a perseguição paraalém do período da escola, tornando a informação acessível a um maior numero depessoas, já que a informação está disponibilizada online a qualquer momento. Antes, o constrangimento ficava restritoaos momentos de convívio dentro da escola. Agora é o tempo todo.
-Exposição maior dos jovens através das mensagens via internet e torpedos nocelular
Os adolescentes utilizam cada vez maisferramentas de internet e de troca de mensagem via celular – e muitas vezes seexpõem mais do que devem. Com a sensação de distância espacial, com um certopoder sobre o computador, e a possibilidade de ocultar sua identidade real, oadolescente, às vezes, se permite um pouco de exibicionismo, com fotos,exibindo seu corpo, com ou sem a revelação do rosto, e através de conversasonde revela aspectos da sua privacidade, expondo-se a perigos reais.
– Nãoidentificação dos agressores e aumento da violência virtual
Em muitos casos, a tecnologia favorece adificuldade de identificar os agressores, o que aumenta a sensação de impotênciada vítima e a repetição virtual dos atos violentos.
“Aadolescente R., 13 anos, conta que colegas de classe criaram uma comunidade noOrkut (rede social criada para compartilhar gostos, experiências com outraspessoas) em que comparam fotos suas com as de mulheres feias. Tudo por causa deseu corte de cabelo: “Eu me senti horrorosa e rezei para que meu cabelocrescesse depressa” (1).
A mensagem maldosa pode ser encaminhada pore-mail para várias pessoas ao mesmo tempo e uma foto publicada na internetacaba sendo vista por dezenas ou centenas de pessoas, algumas das quais nemconhecem a vítima. Dessa forma, o agressor ou o grupo de agressores passa a termuito mais poder com essa ampliação do público via internet.
Especialistas alertam para os três personagensdo buillying: o agressor (ou agressores), a vítima e a platéia – “um xinga, ooutro chora e o resto cai na risada”.
Avítima
Geralmente a vítima tem um perfil tímido oupouco sociável, e tem um padrão um pouco diferente do resto da turma (raça,altura, peso ou comportamento – de melhor desempenho, ou ainda pela religião. Écomum apresentar comportamento inseguro diante da agressão, retraindo-se esofrendo, o que vai torná-lo um alvo ainda mais fácil. AA maior parte dasvítimas tem entre 12 e 14 anos. O sofrimento contínuo da vítima pode lhe trazerconseqüências danosas, tais como – angústia, síndrome de pânico, depressão,anorexia e bulimia, além de fobia escolar e problemas de socialização, entreoutros, dependendo da estrutura psíquica da criança, do adolescente ou jovem.De acordo com especialistas, a situação pode inclusive levar ao suicídio.Adolescentes que foram agredidos podem se tornar adultos ansiosos, depressivosou violentos, reproduzindo em seus relacionamentos sociais aqueles comportamentosvividos na fase escolar.
Os mais tímidos e inseguros não conseguemreagir, tem medo de se manifestar e sofrem silenciosamente. Outros, alternamcomportamento reativo agressão ou de descaso, assumindo a condição sugerida naagressão: “Se sou gorda, porque vou dizer o contrário?”. Outros que conseguemreagir, apresentam momentos de ansiedade e agressividade. Caso a situação fiqueimpunhe, a vítima pode transformar-se em agressor de outros mais frágeis ainda.
Oagressor
O agressor atinge o colega com repetidosconstrangimentos e depreciações, humilhando-o diante dos outros. Sua atitudehoje é mais favorecida pelo anonimato que o cyberbullyingproporciona. Usa o computador sem ser submetido à censura do grupo ou dosadultos, por não estar exposto.
Sua atitude de agressor é muitas vezesmotivada pelo desejo de se sentir poderoso e obter uma boa imagem de si mesmo.É alguém que não soube transformar sua raiva em diálogo e se sente satisfeitocom a reação do agredido, supondo quão dolorosa está sendo aquela situação paraa vítima. Normalmente necessita se auto-afirmar e permanece agindo assim porlongos períodos, e muitas vezes, quando adulto, continua depreciando outrospara chamar atenção. Tanto o agressor, como a vítima, têm dificuldade de sairdo seu papel e escolher novos valores.
Aplatéia
Nem sempre a platéia é considerada quando setrata de corrigir a situação. Mas ela tem papel essencial para a continuidadedo conflito. A platéia a que nos referimos com um papel fundamental é aquelaque assiste a cena e é testemunha dos fatos, não saindo em defesa da vítima enem se colocando expressamente ao lado do agressor. Também não denuncia o fato,às vezes, por ter medo de se tornar também uma vítima ou por falta deiniciativa para tomar partido. Ele pode apresentar um fraco sentido de justiça,mas não de indignação suficiente para assumir uma posição clara.
Existe também aquele tipo de platéia que secoloca como uma torcida, reforçando a agressão, rindo ou dizendo palavras de incentivoao agressor. Eles se tornam coniventes ou co-autores, reproduzindo fofocas ouimagens a outros.
Oferecer às crianças e adolescentes um lazermais saudável e atraente pode ajudar a eliminar o foco da violência como formade diversão. Porém, além disso, é fundamental educar para os valores éticos,morais e espirituais.
Na próxima edição, refletiremos sobre asestratégias de solução para a questão do bullying a partir da família e daescola.
Soluçõespara o bullying. Que caminhos trilhar?
Na edição anterior, abordamos a problemáticado bullying e suas repercussões na vida do indivíduo que sofre e daquele queagride, bem como a necessidade de se desarticular esta “cadeia” de violência.Neste artigo, vamos apresentar algumas pistas para se trabalhar o problema anível da família e da escola.
Podemos trabalhar a realidade do bullying comações preventivas e curativas, envolvendo escola, família, grupos devizinhança, entre outros.
É preciso que todos tomem consciência de queessa realidade pode acontecer facilmente e que é possível evitá-la ousolucioná-la.
-Estabelecer relacionamentos saudáveis,dentro da família e nos diversos ambientes freqüentados pelos filhos.
Isto exige acompanhamento dos filhos,diálogo, presença dos pais na escola e nos ambientes de freqüência dos filhos,observando sua forma de relacionar-se com todos. Normalmente, uma criança quecresce num ambiente de respeito e amor, saberá ser solidário e respeitar seuscolegas e os adultos.
Na escola, é de suma importância realizarações que melhorem os relacionamentos entre estudantes na sala de aula, nosrecreios e nos eventos estudantis. Oportunizar o diálogo, o compartilhar, asolidariedade entre eles e com os mais necessitados, sensibilizando-os para asrealidades humanas importantes na vida das pessoas; e enfatizando valoresuniversais como o perdão, a partilha, a ajuda mútua, a empatia, o respeito, ajustiça, entre outros.
– Saberouvir e favorecer o diálogo
O professor, num ambiente de salaequilibrado, deve construir vínculo afetivo importante com os alunos, a fim deque possam expressar aquilo que não está agradando, reconhecendo quando hásofrimento de alguns e não se omitir diante de realidades de desrespeito entrecolegas.
Da mesma forma os pais, precisam favoreceressa abertura dos filhos para expressarem o que estão vivendo na escola, apoiaros mais tímidos, ajudando-os a reagirem e conversar com a coordenação para quetomem medidas positivas a fim de resolver as situações enfrentadas pelas“vítimas”. Também, diante dos filhos que estão desenvolvendo comportamento deagressão aos colegas, é necessário dialogar, buscando as motivações que estãofavorecendo tal comportamento e agir com amor e firmeza, dando limites esolucionando as raízes causadoras dessas atitudes.
Fazê-los retratarem suas atitudes erradasdiante da vítima e do grupo é importante para desestimular tais condutasagressivas. Caso não estejam conseguindo solucionar, é importante procurarajuda especializada.
É necessário que pais e educadores sequestionem sobre como estão resolvendo suas raivas. Às vezes, alimentamosatitudes de sarcasmo, de ironia diante dos defeitos e fracassos dos outros,numa postura de auto-afirmação. Também devemos rever a relação com as criançase com os adolescentes para que não caiamos em atitudes de subestima, sarcasmos,ir e descredibilidade para com eles, evitandoque eles o façam também com os colegas.
Em localidades que carregam alguma herançamais fortemente colonialista, os pais e educadores que se engajam na políticapartidária podem, sem perceber, agir com discriminação em relação às pessoas deoutros partidos. Conseqüentemente, isto refletirá também na escola, nasrelações entre os estudantes, especialmente com alunos filhos de militantespolíticos. A imparcialidade no tratamento respeitoso para com todos, é sinal dematuridade humana e de educação.
– Dar oexemplo
Educadores que sabem respeitar e temsensibilidade para perceber situações que necessitam a sua intervenção,certamente conseguirão eliminar comportamentos agressivos nos ambientes de suaatuação.
Os pais que sabem respeitar os outros, e queagem com maturidade diante de situações de frustração, e canalizam aagressividade de forma construtiva, são referenciais essenciais na construçãosaudável da personalidade dos filhos.
-Estabelecer limites claros
Estabelecer normas e justificar por que devemser seguidas são fundamentais para inibir impulsos agressivos na infância e naadolescência. Nem sempre as crianças e os adolescentes agem refletidamente eescolhem o bem comum. Por isso, é necessário estabelecer regras, enfatizandosua importância para um convívio social feliz.
Na escola, é necessária a presença discretado adulto nos recreios, nas rodinhas de alunos, observando e intervindoadequadamente, quando necessário.
-Orientar sobre os riscos da tecnologia
As crianças e os adolescentes devem estarcientes da necessidade de resguardar a divulgação de dados pessoais nos sitesde relacionamento, das implicações negativas do excesso de uso da internet, bemcomo aprender a selecionar os conteúdos a acessar e conhecer os sitesconfiáveis. Quanto menos exposição pessoal e menor o número de relaçõesvirtuais, mais seguros eles estarão.
Estratégiaspara soluções de casos
– Estaratento aos sinais: mudanças de comportamento dos filhos: excesso no uso deinternet, melancolia, falta de vontade de ir à escola, comportamentoanti-social, desmotivação para a vida, queda no rendimento escolar, desatençãona aula.
Construir diagnóstico sobre relacionamentoentre os alunos e com os dados coletados, desenvolver estratégias de ação queenvolvam os alunos de forma positiva na busca da qualidade nos relações sociaisdentro da escola. Proporcionar também a participação das famílias nesseprocesso, a fim de que fortaleçam em casa os valores essenciais à boaconvivência.
– A escoladeve identificar os envolvidos nas situações de bullying e agir adequadamente
Ao identificar os envolvidos, a escola deveconversar com cada um, vítima e agressor individualmente e em particular,levando o agressor a uma retratação adequada, tanto nos meios virtuais, comodiante da “platéia”, com uma nova atitude em relação à vítima. Quanto à vítima,é importante fortalecê-la, dando-lhe a segurança necessária para que reajaadequadamente diante de outras investidas agressoras.
O quefazer em situações extremas?
Os casos extremos de cyberbullying podem ser levados a delegacias especializadas emcrimes digitais. Para que os e-mails com ameaças possam ser tomados como prova,eles devem ser impressos, mas é essencial também que sejam guardados no computadorpara que a origem das mensagens seja rastreada.
Quanto aos sites de relacionamento, existeuma opção de denúncia de conteúdos impróprios em suas páginas e, em certoscasos, o conteúdo agressivo é tirado do ar.
A revista Nova Escola relata duas situaçõesde bullying ocorridas na escola:
“Umadolescente de 12 anos, A., foi vítima de agressões pelo celular. Há doismeses, ele recebe mensagens de meninas, como “ou você fica comigo ou eu espalhoque você gosta de homem”. Os amigos o pressionam para ceder ao assédio. Então,ele sofre duplamente, pois alem de ter que lidar com o assédio, precisa sejustificar perante os colegas.”
Umoutro jovem de 19 anos P., teve sua foto publicada sem autorização na internetdurante três anos (a imagem era uma montagem com seu rosto, uma boca enorme euma gozação com um movimento que fazia com a língua). Ele nunca conseguiudescobrir quem eram os agressores: “Eu não confiava mais em nenhum dos meuscolegas”. Seu desempenho escolar caiu e ele foi reprovado. Pediu transferência,mas, mesmo longe dos agressores, ainda sente os efeitos da situação. Tomamedicamentos e é acompanhado por psicólogo. Tudo indica que os que operturbavam na sala de aula estavam por trás do perfil falso construído edivulgado na internet.”
Quando se instala situações de bullying emdeterminados ambientes escolares ou em outros, como condomínios e vizinhanças,fica claro que neles, as relações estão adoecidas e precisam ser trabalhadastanto na escola, como na família.
Em casos patológicos que incluem transtornospsíquicos, é necessário buscar ajuda profissional para estabelecer estratégiasde repressão e de intervenção terapêutica.