Confira na íntegra a pregação de Carmadélio Souza, missionário da Comunidade Aliança na Comunidade Católica Shalom, na sexta-feira Santa, em Fortaleza. Foi mantido o linguajar coloquial.
Feliz culpa que nos deu tão grande Redentor
Carmadélio Souza
Bom dia! Talvez dos dias do Tríduo Pascal, o dia mais difícil de pregar seja o de hoje, o tema do dia de hoje, porque, sendo um mistério, mistério não se explica, mas se contempla. É difícil explicar um mistério, por mais que queiramos, que falemos, ou seja, é uma graça que Deus precisa nos dar.
Por isso, eu queria começar cantando uma música, porque exatamente o mistério do dia de hoje evoca exatamente este encontro de dois abismos. O formato da cruz lembra este encontro, aquele lugar central onde Deus se encontra com o homem, onde a misericórdia de Deus se encontra com a miséria do homem. O ponto de encontro nosso hoje é na cruz. Dois abismos que se encontram. Cantemos essa música que fala exatamente sobre isso, pedindo que o Espírito Santo nos dê a graça de compreendermos aquilo que os ultrapassa:
Eu escuto a melodia que Tu cantas
Tua palavra de amor que me encanta
Seduzindo-me pra sempre
Inteiramente
Eterna canção de beleza e harmonia sem fim
Tu me encerras em Teu peito amor ferido
Em Teus golpes de amor tens me vencido
De amor me tens cativo
Rendido
Fizeste-me presa de Tua bondade sem fim
Sem fim
Tu mais íntimo de mim do que eu mesmo
Infinito no finito em quem me perco
Dois abismos que se abraçam
E se enlaçam
Num laço de amor eterno e alegria sem fim (2x)
Dois abismos que se abraçam
E se enlaçam
Num laço de amor eterno e alegria sem fim
E é assim Senhor que nós queremos nos colocar nesta manhã, humildemente, diante do Teu mistério. É algo que os ultrapassa Senhor, e embora não consigamos explicar com palavras, parece que no profundo do nosso ser entendemos o que de fato aconteceu neste dia, há dois mil anos, e o que acontece hoje em nós neste dia. Por isso pedimos que o Teu Espírito Santo nos conduza nesta manhã, neste dia, para aquilo que o nosso entendimento não é capaz de alcançar, a Tua graça nos faz compreender, e que seja uma compreensão que vá além do conceito Senhor. Que Seja uma compreensão que seja capaz de atingir a nossa alma de forma tão profunda que seja capaz de mudar a nossa vida. De forma tão profunda que seja capaz de nos converter de verdade a Ti, e aí a Tua redenção se tornará salvação e santificação na vida de cada um de nós. Humildemente eis nos aqui Senhor, para contemplar aquilo que só na Tua graça somos capazes de entender. Muito obrigado. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém.
Vocês pediram para fazer uma reflexão sobre a frase: “Feliz culpa que nos deu tão grande Redentor”. É uma frase muito conhecida de todos nós e de maneira especial nesse período a igreja traz a tona esta palavra. De maneira específica no Exultate, na Vigília Pascal, essa frase é dita no meio da oração. É uma frase de São Tomás de Aquino. Numa análise superficial, essa frase “feliz culpa que nos deu tão grande Redentor”, parece enaltecer a culpa como sendo algo bom. Sabemos que no senso comum a palavra culpa nunca traduz algo bom, porque a culpa traduz queda, erro, pecado, a culpa traduz aquilo que fica quando rompemos à aliança. Então no senso comum a palavra parece deslocada, especialmente quando ela vem junto com a palavra feliz. Parecem duas palavras antagônicas até, que não é possível de serem colocadas na mesma frase, como se tivéssemos de escolher: ou fico com a culpa ou com a felicidade. Não é possível ter as duas.
A palavra feliz evoca alegria, felicidade, satisfação, realização. A palavra culpa evoca erro, falta, crime, delito. Mas se repararmos bem na frase veremos que a frase “Feliz culpa que nos deu tão grande Salvador”, ela fala de uma culpa muito específica, evoca uma culpa muito específica. Ela não diz que todas as culpas são felizes, mas fala de uma culpa tão profunda e decisiva que a resposta precisaria ser ainda mais profunda e ainda mais decisiva. Aliás, o antônimo de culpa é a palavra inocência. Quando escutamos essa palavra no contexto do mistério onde estamos refletindo inocência, nos lembramos imediatamente de Jesus. Então o contrário da palavra culpa é a palavra inocência, inculpabilidade. Fui pesquisar o que significa inculpabilidade. Diz assim o dicionário: “Estado de uma pessoa que pela ausência de provas e/ou indícios incriminatórios não pode ser culpada de delito”.
Para entendermos o que esta culpa que a liturgia do mistério evoca nestes dias, precisamos entendê-la à luz da redenção. Para podermos entender bem a “feliz culpa”, temos de avançar na frase para a palavra “Redentor”. Só compreendemos o sentido da frase “feliz culpa”, se tivermos ancorados na palavra “Redentor”. Se tirássemos a palavra “Redentor” provavelmente esta culpa não seria feliz. Sem Redenção nenhuma culpa, algo em essência ruim, pode se tornar feliz. Sem a redenção a culpa tende a esmagar o homem. Sem a redenção a culpa tende a afastar o homem de Deus. Sem a redenção a culpa tende a criar a partir do homem um abismo de diferença e de distância de Deus, o Deus inocente, o Deus que não tem culpa com o contraste da minha culpa, com a minha realidade de pecador.
Talvez nos ajude a entender melhor se tirássemos a palavra culpa e a trocássemos por pecado. Aliás, é este o sentido da frase. Quando a palavra diz “feliz culpa”, teologicamente falando ela se refere exatamente a esta realidade do pecado que tornou o homem culpado diante de Deus, que nos torna, por causa do pecado, inacessíveis à graça de Deus, porque não é possível a compatibilidade da santidade de Deus com o nosso pecado. Seria impossível, não fora o sacrifício de Cristo, que nós pudéssemos ter contato com Deus, porque a essência santa de Deus não conseguiria conviver com a nossa essência humana ferida pelo pecado. De fato, seriam convivências incompatíveis, e aí o símbolo, o formato da cruz nos ajuda a entender bem este ponto de encontro de um Deus santo conosco, homens pecadores. Onde é que nós nos encontramos com Deus? Exatamente na cruz. O lugar onde nós nos encontramos com Deus é exatamente na cruz. E porque que é incompatível esta convivência nossa com Deus não fora a redenção de Cristo? Porque foi a redenção de Jesus que nos reaproximou de Deus. Foi a redenção de Jesus que resolveu a culpa que nós carregávamos. Ele trouxe sobre Si a culpa que pesava sobre nós, vai dizer o profeta Isaías mais tarde. A culpa que era nossa, Ele a atraiu para si.
Seria interessante revermos um pouco a questão da culpa original. Vamos abrir a bíblia em Gênesis 3,1ss, que fala exatamente da culpa, do pecado original. Vamos reler algo que já sabemos, mas é importante entendermos bem a dimensão da culpa para entendermos bem a dimensão da graça. Diz assim: “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos, que Iahweh Deus tinha feito. Ela disse à mulher:” Então Deus disse: Vós não podeis comer de todas as árvores do jardim?” A mulher respondeu à serpente: “Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Dele não comereis, nele não tocareis, sob pena de morte.”A serpente disse então à mulher: “Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal.”A mulher viu que a árvore era boa ao apetite e formosa à vista, e que essa árvore era desejável para adquirir discernimento. Tomou-lhe do fruto e comeu. Deu-o também a seu marido, que com ela estava e ele comeu. Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueira e se cingiram. Eles ouviram o passo de Iahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da presença de Iahweh Deus, entre as árvores do jardim. Iahweh Deus chamou o homem: “Onde estás?”, disse ele. “Ouvi teu passo no jardim,” respondeu o homem; “tive medo porque estou nu, e me escondi.” Ele retomou: “E quem te fez saber que estavas nu? Comeste, então, da árvore que te proibi de comer!” O homem respondeu: “A mulher que puseste junto de mim me deu da árvore, e eu comi!” Iahweh Deus disse à mulher: “Que fizeste?”E a mulher respondeu: “A serpente me seduziu e eu comi.””.
Se continuarmos lendo o capítulo vamos vendo as palavras que o Senhor Deus diz para a serpente, onde o Senhor joga uma maldição especificamente à serpente, no versículo 15, ainda no cap. 3: “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. A igreja entende esse versículo como já uma previsão da redenção, já o próprio evangelho. O evangelho já, mesmo na queda, mesmo na fraqueza, na fragilidade, o amor de Deus já previa a despeito das coisas consequências do pecado que viria um Salvador da descendência da mulher, e aí entendemos esta mulher como sendo Maria Santíssima, Aquela que esmagou a cabeça da serpente. Então é muito interessante percebermos que o pecado, segundo o livro do Gênesis, consiste exatamente na desobediência que levou à perda da inocência original e à perda da amizade do homem com Deus. Aquele homem que vivia de forma íntima com Deus, que não precisava se esconder de Deus porque Deus era o seu amigo, Aquele a quem ele confiava, este mesmo homem que confiava tanto em Deus após o pecado da desobediência, pelo fruto que ele comeu, agora se escondia de Deus.
Diz aqui o relato bíblico que ele ao ouvir os passos de Deus, e quando se fala de passos evoca-se intimidade. Ouvir os passos evoca alguém tão perto que não apenas eu reconheço que vem gente caminhando, mas eu sei pelo jeito de caminhar quem é, não é assim? Com uma pessoa que temos muita intimidade a percebemos pelo jeito de andar. Às vezes à distância não conseguimos ver as formas, mas dizemos: “Por aquele jeito de andar sei quem é. é Fulano!” O jeito de andar e a identificação de uma forma específica de andar evoca a intimidade de alguém que sabe quem é que está andando. É muito interessante quando o autor sagrado citando essa intimidade perdida evoca a reação de Adão se escondendo de Deus a partir do ter ouvido os passos de Deus, aqueles mesmos passos que antes do pecado diriam: “Eva lá vem o nosso Deus! Lá vem Aquele que o nosso coração ama!”. Depois do pecado, ele se escondeu, porque é assim que funciona o pecado. Quando o pecado atinge a nossa vida nós nos escondemos de Deus. Ouvimos os passos de Deus, mas nos escondemos Dele. Sabemos onde vamos encontrar os passos de Deus, mas evitamos ir aos locais onde vamos ouvi-los, porque temos medo de ouvir os Seus passos, porque envolvidos na realidade do mistério do pecado, temos medo Daquele que nos ama.
É interessante percebermos isso muitas vezes na evangelização. Quando estamos evangelizando pessoas muitos dizem: “Eu tenho medo de Deus, tenho medo do que Ele vai fazer na minha vida”. Há pessoas que têm medo de Deus. Você já teve medo de Deus? Não digo nem agora, porque provavelmente agora não mais, mas você já teve medo de Deus?
Temos falado que a cruz é o ponto de encontro entre o homem e Deus, e hoje Jesus será crucificado e pregado na cruz. E na cruz Jesus vai reconciliar a partir da Sua morte e do Seu sacrifício esta amizade original que o homem tinha com Deus e que foi perdida por causa do pecado. Muitas pessoas não entendem a realidade do pecado.
Há muitas pessoas que entendem o pecado apenas como a quebra de um padrão moral. Há pessoas que entendem o pecado apenas como o fato de fazer coisas erradas, e muitas vezes ao pregarmos sobre esse assunto há pessoas que dizem assim: “Eu não sou tão pecador assim não. Nunca matei ninguém ou fiz algo grave. Nunca me envolvi com drogas. Sou uma pessoa normal. Não faço nada demais. Sou como todo mundo. Sei que existem pessoas complicadas, envolvidas com prostituição, com pecados graves, mas eu não, eu sou uma pessoa normal. Tenho umas fraquezas que todo mundo tem, limitações que todos têm”. É muito comum ouvirmos isso. A pessoa entende o pecado apenas como a quebra de um padrão moral. Ora, se entendo o pecado apenas como quebra de padrões morais, se eu não consigo fazer projeção de nenhum padrão moral, eu me sinto justificado, porque se pecado é matar, roubar, mentir, e vejo que não fiz nada disso, então eu estou justificado, só que não é esta a visão cristã do pecado. O pecado não é apenas a quebra de um padrão moral. Jesus não veio restaurar em nós apenas uma questão moral. O pecado é a perda da amizade original com Deus. O pecado é eu perder a referência de Deus como o Senhor da minha vida, como Adão e Eva tinham no paraíso antes de serem tentados pela serpente. Deixar o pecado é quando eu deixo de ser o centro da minha vida para colocar Deus como o centro. É quando eu saio do trono para que Ele assuma o trono. É quando eu decido a minha vida não mais a partir dos meus critérios, das minhas ideias, das minhas opiniões, mas decido a partir dos critérios Dele, da lógica Dele, da opinião Dele, o que Deus quer, eu quero, o que Deus acha, eu acho. E aí, iluminado pela Sua palavra, por aquilo que a igreja nos ensina, isso vai nortear a minha vida toda, não somente em época de Semana Santa.
Eu posso não ter quebrado nenhum padrão moral e estar envolvido no que entendemos como estado de pecado, e o que é o estado de pecado? É o homem independente de Deus. É o homem que diz que não precisa de Deus. é o homem que quando precisa vai a Deus como se Ele fosse uma farmácia, que vamos quando precisamos comprar algum remédio. É do homem que apesar de falar o nome Dele no fundo leva a sua vida segundo seus próprios critérios humanos e feridos muitas vezes pelo pecado.
Então quando Jesus morria na cruz, Ele não estava resolvendo apenas uma questão moral, de fazer coisas erradas. Claro que como consequência dessa restauração da amizade original que o sacrifício de Jesus na cruz foi capaz de restaurar sem dúvida haverá uma repercussão moral na vida de todos nós, e qualquer um de nós somos capazes de associar a nossa experiência de salvação com o rompimento de pecados ou de uma vida longe de Deus. Muito provavelmente diríamos: “Quando eu me converti, há tantos anos, eu era assim, assim e assim, fazia isto e aquilo, mas agora eu não faço mais isso”, e podemos entender apenas como uma questão de comportamento. Na realidade, o pecado, à luz das Escrituras e da revelação, é essa independência de Deus, onde eu vivo a minha vida, e eu creio em Deus, mas à minha imagem e semelhança, levando a minha fé adaptada à minha própria vida, onde a fé perde o seu impacto de revolucionar a minha vida e a vida de quem está perto de mim. Eu vou criando uma fé adaptada a mim e até mesmo o mistério perde o seu impacto, perde a sua força. Muitas vezes eu não entendo o que está acontecendo nem na minha vida, não consigo ter visão espiritual para perceber a ação da graça agindo na minha vida. O sacrifício de Jesus foi exatamente isso. Ele restaurou uma amizade que se não fosse pelo sacrifício Dele, inocente como Ele é, nós não conseguiríamos ter acesso a Deus.
Sabemos que na antiga aliança o homem fazia sacrifícios e mais sacrifícios como um sinal desta busca de reconciliação com Deus. Todos os sacrifícios do Antigo Testamento traduzem esta realidade do homem pecador buscando encontrar-se com Deus santo, e aí pegavam animais que eram sacrificados, para que a culpa que eu carregava recaísse sobre aqueles animais, e aí o sacerdote oferecia o sacrifício pelos pecadores. Sabemos que Jesus é nas Sagradas Escrituras evocado como o Cordeiro de Deus, aquele que foi capaz pelo único sacrifício na cruz resolver de forma definitiva essa questão do pecado. Isto está na Carta aos Hebreus. Por isso que quando vamos refletindo sobre a história da salvação toca-se muito sobre a história do animal, do cordeiro macho, que é ofertado, sem mancha. E se fala de animais exatamente por isso, porque na antiga aliança na falta de alguém inocente e santo a ser sacrificado, pegavam-se animais, mas era uma prefiguração do sacrifício último e púnico que seria feito por Jesus no dia de hoje na cruz.
Quando contemplamos a cruz de Jesus e contemplamos Jesus crucificado é como se passasse toda a história da salvação naquele momento. A cruz não é apenas o encontro do Deus santo com o homem pecador. É também o encontro da Antiga com a Nova Aliança. É o encontro da visão de um Deus El Shaday, da montanha do Deus que é amor, que é bondade e misericórdia. É esta síntese nova que a cruz foi capaz de trazer. E realmente o formato da cruz evoca isso, essa síntese nova que ela é capaz de resolver. Quando se fala que Jesus morreu por cada um de nós é nesse sentido. É no sentido de restaurar uma amizade. Vou dar um exemplo simples para podermos entender. Imaginemos que haja um torneio de natação onde os melhores nadadores da cidade vão ter de nadar até Fernando de Noronha. Todos começam a nadar, só que com o tempo, por causa da distância, porque é cansativo mesmo, alguns vão ficando. Têm os mais resistentes que continuam a nadar, mas têm os que vão ficando. Chega um ponto que fica só um na frente, o mais forte, resistente, que consegue nadar melhor, mas mesmo este não vê nem a distância que falta, porque é humanamente impossível para o homem alcançar Fernando de Noronha a nado, é muito distante. Dou este exemplo para entendermos um pouco do que Jesus Cristo fez na cruz.
Antes de Jesus se sacrificar na cruz, o que havia eram sacrifícios que eram manifestações pálidas do homem querendo se tornar justo aos olhos de Deus, e para isto ofertava sacrifícios. Mas por mais que este homem ofertasse sacrifícios, ele não conseguia resolver a questão que só seria resolvida pela vinda do Filho de Deus. Somente em Jesus seria resolvida essa questão. O homem que nada, nada, nada e não chega a Fernando de Noronha é tão derrotado quanto aquele que nos 100 primeiros metros desiste, porque o objetivo dos nadadores era chegar até lá. Quem nadou 2.000 m ou 100 m são todos iguais: não alcançaram o objetivo.
O que Jesus fez por nós? Imaginemos que Fernando de Noronha seja a salvação. Todos nós fomos enviados ao mar para nadar para lá e vamos com muita vontade, querendo chegar lá, até pessoas como eu que não sabem nadar estão lá tentando. Só que por mais que tentemos, ninguém vai conseguir alcançar. Todos nós fracassaríamos se fossemos chegar a Fernando de Noronha pelo nado, e aí acontece uma coisa muito linda! Jesus nesse momento chegaria para você que estava cansado de nadar e diria: “Vamos, Eu te levo! Coloca o teu braço ao redor do meu pescoço, segura firme que vou contigo até o fim”. E aí Jesus pega cada um de nós e Ele vai nadando e nos levando até Fernando de Noronha. É um exemplo simples, mas que nos ajuda a entender o que Ele fez. Nenhum de nós chegaria lá por melhores, por mais santos, por mais esforçados, fantásticos, dedicados, nenhum de nós chegaríamos. É maior do que nós! Ninguém chegaria, nem os do AT, nem os que nasceram, nem os que virão a nascer. Ninguém chega! E aí o que Deus fez? Deus mandou a ponte. Jesus é a ponte.
A cruz é o ponto de encontro entre Deus e o homem, e aí nós nos agarramos em Jesus, nos pregamos a Ele e dizemos: “Eu não consigo, mas com Jesus eu chego. Eu não consigo vencer esta fraqueza, mas com Jesus eu consigo. Eu não consigo perdoar, mas com Jesus eu perdoo. Eu não consigo partilhar, mas com Jesus eu partilho. Eu não consigo deixar esse pecado que me escraviza, mas com a graça Dele eu consigo”, e aí começamos a entender que Ele nos carrega. Começamos a entender que a salvação operada por Jesus é exatamente isto: Ele nos carrega no ombro, nos leva com Ele! Aquilo que nós não podemos Ele pode! Aquilo que nós não alcançamos Ele alcança! Aquilo que nós não entendemos Ele entende! Aquilo que não somos capazes de juntar peça com peça para ter uma lógica Ele entende e junta peça por peça, nos dando a lógica! Ele vai por nós, Ele faz por nós! A obra de salvação é exatamente esta. Jesus ocupou o nosso lugar. Ele morreu por nós. a culpa que deveria cair sobre nós recai sobre Ele, e Ele evoca essa culpa e diz: “Deixa que eu carrego”. Ele está levando a minha culpa, a sua culpa, a nossa culpa! E aí entendemos a frase a “feliz culpa”, porque exatamente através dessa realidade da culpa, do pecado, que foi Deus respondendo a esta culpa, a este pecado original, Deus respondeu de uma forma surpreendente! Quem poderia imaginar na história da humanidade que o Deus criador de todas as coisas iria se encarnar, iria viver a nossa realidade humana?
Outro dia eu estava lendo um livro de um muçulmano. O autor dizia que entendia o cristianismo, mas que o cristianismo tinha falhado e que Maomé era o último profeta que iria restaurar todas as coisas. E nas entrelinhas do livro ele dizia: “É para nós, muçulmanos, incompreensível que Deus tenha se rebaixado ao ponto de se tornar homem”. O grande X da questão é a Encarnação do Verbo. Deus feito homem, este é o X da questão, porque de fato é surpreendente. Pensa aí! Deus se fez homem! O criador de tudo o que existe se fez como um de nós, esteve aqui conosco e quis morrer por nós na cruz. Você não havia nem nascido, mas Ele já pensava em você. Isso é surpreendente. Isso não cabe na lógica humana, é um mistério. Como é que Deus foi capaz de pensar em você dois mil anos antes de você nascer! Ultrapassa todos os mistérios. Então a “feliz culpa” foi capaz de atrair uma resposta surpreendente que é a resposta de Deus que se encarnou, esteve e está entre nós, e que culminou a Sua oferta de amor na cruz.
A cruz é o ponto de encontro do Deus santo com o homem pecador. É o ponto de encontro de um Deus inocente com o homem culpado, e Nele, o pior de todos os homens tem acesso ao céu. Nele, o maior pecador que você imaginar, tem salvação. Por isso que é um mistério. E por isso que ninguém pode se orgulhar de se achar melhor do que ninguém. Ninguém é melhor do que ninguém aqui. Os que têm 30 anos de caminhada não são melhores do que os que têm 5 anos ou 3 meses de caminhada, porque ninguém vai alcançar Fernando de Noronha! Vai ter 50 anos de caminhada e você não chegará até Fernando de Noronha. Você tem 6 meses de caminhada, com o entusiasmo próprio de quem está começando, e você também sem Jesus não chegará a Fernando de Noronha. Somos todos iguais aqui. Não há ninguém melhor do que ninguém porque o mistério de Deus atingiu a todos nós. Não há gente mais santa do que outras aqui, mais dignas do que outras aqui. Somos todos iguais. Nós não alcançaríamos Fernando de Noronha. Por isso não há o que se orgulhar. Nós não temos nada a nos orgulharmos. Eu vou me orgulhar de quê? O que eu tenho para me orgulhar? Que tenho tantos anos de caminhada? O que significa isso? Orgulhar-me de que faço parte de uma comunidade? Orgulhar-me de que sou uma pessoa que rezo 4hs/dia? Orgulhar-me porque já li a Bíblia de ponta a ponta? Ótimo, coisas muito boas, mas não dá para se orgulhar, porque tudo é graça e diante do mistério ficamos todos iguais.
Vemos que nas orações desse tempo litúrgico a igreja fala muito: “Nós pecadores”. Todos nós somos iguais diante desse mistério do pecado, e por isso, entendendo bem o mistério do pecado, somos capazes de entendermos bem o mistério da Redenção. Sem a tristeza, a dor e a culpa da Sexta-feira da Paixão eu não consigo enfrentar e me deparar com a alegria, o júbilo e a exultação do Domingo da Ressurreição. A alegria da Ressurreição no domingo é proporcional à compreensão interior que tenho da minha própria culpa! E aqui culpa não é aquela culpa mórbida que me aponta o dedo “você não presta”. Não falo disto. Estou falando daquela sensação serena, da compreensão serena que todos devemos ter de que somos pecadores e de que somos capazes de fazermos qualquer coisa; de que sou capaz de sair de um retiro como esse e fazer besteira lá fora; de matar pessoas no meu coração; de ser capaz de ter vivido a Quaresma de forma muito intensa e pecar gravemente na Sexta-feira da Paixão;de ter lutado contra coisas maiores e não conseguir jejuar no dia de hoje. Somos todos iguais. E onde é que nós nos encontramos? Na cruz. Onde é que o povo de Deus se encontra no dia de hoje, Sexta-feira da Paixão? Na cruz. Brancos e pretos. Altos e baixos. Santos e pecadores. Consagrados e não consagrados. Leigos ou sacerdotes. Homem ou mulher. Criança ou adolescente. Pagão ou cristão. Nós nos encontramos na cruz. É o nosso ponto de encontro.
Quando somos capazes de contemplarmos isso percebemos que talvez estejamos em lugares diferentes na cruz. Alguns estão mais à direita da cruz. Muitos estão mais perto do coração, outros da mão. Outros estão perto do dedo mindinho de Jesus Crucificado na cruz, mas atenção! Estamos todos no mesmo lugar: na cruz. Onde é que você acha que está na cruz? Em que lugar você acha que está?
Da cruz Jesus vai atrás do filho que se machucou. Amanhã veremos que Ele descerá à Mansão dos Mortos a procura desse homem amado e ferido, nosso primeiro pai, Adão. Quer visitar todos os que se ausentaram, se assentaram nas trevas e à sombra da morte. Vai libertar das suas dores aqueles dos quais é filho e para os quais é Deus: Adão acorrentado e Eva com ele, cativa. Da cruz Deus visita Adão e Eva. Um homem e uma mulher. Iguais. Diferentes e iguais. Não importa. É mulher? É pecadora. É homem? É pecador. E aí Jesus da cruz vai visitar esse Adão e essa Eva. Aqui temos Adãos e Evas feridos pela realidade do pecado.
Vemos os evangelhos falando de forma muito clara sobre isso. Em Mateus 1, 21: “Ele salvará o seu povo dos seus pecados”; Mateus 20, 28: “Ele veio dar a sua vida em resgate de muitos”; em João 10, 15: “Ele dá a vida dele pelas ovelhas”; Lucas 19, 10: “Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido”. Como ninguém consegue atingir Fernando de Noronha, está todo mundo perdido. Os que estão no ginásio estão, e os que estão fora também. Talvez os de fora não saibam, mas nós sabemos aqui. Sabemos aqui que sem Deus nós estamos perdidos. E o sacrifício de cruz veio fazer exatamente isso: salvar-nos. De quê? Do demônio, autor do mal, da serpente; do pecado, nos restaurando a amizade original que foi perdida pela desobediência do nosso primeiro pai Adão, e nos atraindo para uma relação de intimidade onde não precisamos mais ter medo de ouvir os passos Dele. Eu não preciso mais ter medo de ouvir os passos de Deus porque Ele me ama, porque Ele é misericordioso comigo! Por pior que eu seja, por pior que tenha sido o meu pecado, eu escuto os Seus passos e não me escondo, porque sei que Nele encontrarei Redenção e salvação, e aí eu não tenho mais medo de Deus, e aí entendemos que o medo original de Adão era o medo do pecado. Quem ama a Deus não tem medo de Deus. Eu tenho temor, respeito, mas não tenho medo Dele, Ele é meu Pai!
Vemos o coroamento disso em João 3, 16, quando o autor diz: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho único para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. O que é a vida eterna? É a amizade restaurada de forma eterna, uma amizade que foi restaurada já aqui. Por isso nós estamos aqui na Sexta-feira da Paixão. O Senhor, pelo Seu sacrifício na cruz, nos restaurou a amizade, nós podemos chamá-lo de amigo, nós O reconhecemos no partir do pão, nós O temos próximo de nós! Frequentamos comunidades, paróquias, grupos de oração, participamos da igreja porque temos essa amizade restaurada, mas nós não queremos apenas essa amizade aqui! Nós queremos também na eternidade continuar amigos Dele! E o evangelista diz: “Dará também a vida eterna”. É um amor tão grande que Ele não quer ficar apenas conosco essa vida. Esta vida é curta e passageira. Nós estamos de passagem nesta vida. São Paulo diz: “Infeliz de nós se esperássemos por Cristo apenas nesta vida”. O grande São Paulo fala isto.
Ao se questionar sobre como é feliz uma culpa, São Leão Magno diz o seguinte: “A graça inefável de Cristo deu-nos bens melhores do que aqueles que a inveja do demônio nos havia subtraído”. Deus deu uma rasteira no demônio que pensava que pelo pecado original, pela tentação dos nossos primeiros pais, ele iria de forma definitiva afastar a obra prima de Deus que é o homem do criador. A intenção do demônio era clara. Ele queria criar inimizade entre o homem e Deus. E aí a promessa do próprio evangelho de que a mulher esmagará a cabeça da serpente já falava da Encarnação do Verbo.
Deus usou o erro de adão para derramar maior amor e maior bondade misericordiosa sobre o mundo. No Novo Testamento essa palavra vem de outro termo: “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Jesus não veio com a Sua morte na cruz apenas restabelecer o homem ao estado original antes do pecado, mas elevá-lo a um destino ainda mais sublime. Jesus não veio apenas restaurar o homem ferido pelo pecado, mas elevá-lo para um estado ainda melhor do que ele estava. Jesus com o Seu sacrifício na cruz nos libertou das trevas do pecado que nos fazia cegos ao Seu grande amor misericordioso. E aí pegamos emprestado a frase completa do Exultate, quando ele diz: “Ó necessário pecado de Adão que foi destruído pela morte de Cristo. Ó ditosa culpa que nos mereceu tão grande Redentor”. É belíssima essa frase!
Santo Agostinho, refletindo sobre essa questão, diz algo belíssimo: “O Deus Todo Poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer o bem do próprio mal”. Deus tira do mal um bem. Até do mal Deus é vitorioso. Quantas e quantas vezes em nossa vida somos atingidos por situações difíceis, problemas, dificuldades, onde parece que Deus não está presente, que está ausente, onde parece que daí não vai sair nada de bom, é muita dor, muito sofrimento, e alguns entram até em crise de fé, porque “como é que pode? Eu peço tanto e parece que Deus não me ouve?”. Muitos têm essa sensação. E às vezes Deus até permite que passemos por situações como essas em nossas vidas, e aí Santo Agostinho clareia. É a mesma lógica.
Se Deus permitiu algo na sua vida que você hoje não entende, porque às vezes só entendemos depois! Raramente entendemos estes fatos quando eles acontecem. Os entendemos depois que passam. Depois que passam conseguimos colocar um olhar de fé que nos permite entender exatamente o que Deus fez. Durante o processo ficamos cegos e desorientados. Quantas e quantas vezes no meio de um processo doloroso procuramos alguém que nos ajude a entender o que está acontecendo? Um formador, um sacerdote. Muitas e muitas vezes temos essa experiência. São realidades que não entendemos. Deus é capaz de extrair até do mal um bem.
Por isso, a cruz é o nosso lugar de encontro. A cruz é o lugar de encontro do pecador. Todos nós somos pecadores. Essa consciência é importante, porque ela gera em nós a humildade de nos aproximarmos do mistério da cruz sem arrogância, sem pretensão, sem trazer e evocar todo o nosso passado de dedicação a Deus como se isso fosse a nossa entrada, “olha o que tenho para te apresentar Senhor, os anos de serviço que tenho para te dar”. São Paulo diz que as nossas horas são como trapos de imundície. É forte. Não quer dizer que não tenham validade. É claro que tem, Deus as valoriza, mas atenção! Não como ponto de honra diante Dele, mas como consequência de alguém que teve a amizade restaurada com Ele e como expressão do amor a Ele o serve dando a vida por Ele na igreja. As minhas obras são consequências do meu amor a Deus, consequências do amor que tenho por Ele. Eu O sirvo com alegria. Eu não O sirvo para pagar, para comprar, porque por mais que eu faça não consigo pagar a passagem para Fernando de Noronha. É muito longe. Somente o sangue de um Deus é capaz de pagar essa distância. Somente um sacrifício de um inocente como Jesus é capaz de nos aproximar e restaurar esta amizade.
Hoje é o grande dia da restauração. Quando contemplamos a Jesus na cruz, contemplamos a morte de Deus feito homem que quer nos trazer de volta a amizade perdida e atenção! Ele não quer que sejamos apenas conhecidos Dele não. Ele quer que sejamos próximos, que sejamos íntimos. Ele quer que O amemos de todo o nosso coração e Ele quer se dar a nós de todo o coração. Ele quer se revelar a nós de todo o coração de uma maneira tal que a vida na terra que é passageira se encherá de um sentido novo; de uma maneira tal que até mesmo o sofrimento que é tão complicado para administrarmos quando o enfrentamos em nossa própria carne será iluminado por esta luz da Redenção, porque depois do sacrifício de Jesus nunca mais a palavra sofrimento teve a palavra final na vida do homem. Depois do sacrifício de Jesus nunca mais a palavra dor, sofrimento, foi o ponto final na vida de um homem, porque em Jesus a dor e o sofrimento, e todos nós temos dores e sofrimentos! Somos capazes de sermos atingidos por esta graça e darmos um sentido novo a esta graça.
Quero terminar lendo uma reflexão de um homem de Deus. Ele faz uma pergunta: “O que faz Deus numa cruz? Segundo o relato evangélico, os que passavam diante de Jesus Crucificado sobre a colina do Gólgota escarneciam dele e rindo se de Sua impotência diziam-lhe: se és o Filho de Deus desce da cruz. Jesus não responde à provocação. Sua resposta é um silêncio carregado de mistério. Precisamente porque é Filho de Deus permanecerá na cruz até a Sua morte. As perguntas são inevitáveis: como é possível acreditar num Deus crucificado pelos homens? Que faz Deus numa cruz? Como pode subsistir uma religião fundada numa concepção tão absurda de Deus? O Deus crucificado constitui uma revolução e um escândalo que nos obriga a questionar todas as ideias que nós fazemos a um Deus a quem supostamente conhecemos. O Crucificado não tem o rosto e nem os traços que as religiões atribuem ao ser supremo. O Deus Crucificado não é um ser onipotente e majestoso, imutável e feliz, alheio ao sofrimento dos humanos, mas um Deus “impotente e humilhado”, que sofre conosco a dor, a angústia e até mesmo a morte”.
O autor fala do escândalo de ver Deus Crucificado: como é que pode? Porque que Ele não evitou? Quando eu era criança, eu dizia: “Ele podia ter saído voando. Ele não é Deus? Porque Ele se deixou prender?”. Nós não entendemos e o autor vai nessa lógica: “Com a cruz, ou termina nossa fé em Deus ou nos abrimos a uma compreensão nova e surpreendente de um Deus que encarnado no nosso sofrimento nos ama de maneira tão incrível. Ante o Crucificado começamos a intuir que Deus no Seu último mistério é alguém que sofre conosco. A nossa miséria lhe afeta, o nosso sofrimento lhe salpica. Não existe um Deus cuja vida transcorre por assim dizer à margem das nossas penas, lágrimas e desgraças. Ele está em todos os calvários do nosso mundo. Este Deus Crucificado não permite uma fé frívola e egoísta num Deus onipotente a serviço dos nossos caprichos e pretensões. Este Deus coloca-nos o olhar para o sofrimento, o abandono e o desamparo de tantas vitimas das injustiças e das desgraças. Com este deus encontramo-nos quando nos aproximamos do sofrimento de qualquer crucificado. Os cristãos continuam a tomar todo o gênero de desvios para não dar com o Deus Crucificado. Temos aprendido inclusive a levantar o nosso olhar para a cruz do Senhor, desviando-nos dos crucificados que estão ante aos nossos olhos. No entanto, a forma mais autêntica de celebrar a Paixão do Senhor é reavivar a nossa compaixão. Sem essa compaixão dilui-se a nossa fé no Deus Crucificado e abre-se a porta a todo tipo de manipulação. Que o nosso beijo ao Crucificado nos coloque sempre a olhar para quem próximo ou afastado de nós vive a sofrer”.
O autor faz essa referência mostrando que esse “Deus que não consegue reagir”, aparentemente derrotado na cruz, que choca a todos, é nesse mistério desse Deus na cruz que nós nos encontramos para ver o nosso irmão nas suas dores, nas suas mazelas, e sermos capazes também de como cristãos visitar os Gólgotas do mundo, porque a nossa sociedade está cheia de Gólgotas. Ao voltarmos para nossas casas passaremos por Gólgotas. Encontraremos nas ruas Gólgotas, locais onde há sofridos, pessoas que precisam do nosso apoio, de nossa ajuda, e principalmente da nossa evangelização, que será capaz de dar para eles uma vida nova e um sentido novo de vida.
Ó feliz culpa que nos deu tão grande Redentor! Se não fosse por ela nós não estaríamos aqui. A nossa fraqueza, o nosso pecado atraiu a misericórdia de Deus. Sabe por que estamos aqui? Porque somos pecadores, mas não só pecadores. Nós somos pecadores amados. Por isso estamos aqui. Não é por nenhum mérito nosso. Nós não temos nada a ofertar ao Senhor a não ser o nosso próprio pecado. Estamos aqui por misericórdia Dele. Não somos melhores do que aqueles que estão aí fora. Tivemos uma graça misericordiosa de Deus de termos sido alcançados pela Sua bondade, mas nós não somos melhores do que ninguém aí fora não. O que nos diferencia é apenas uma coisa: somos pecadores conscientes de que sem a graça de Deus nós nada somos e nada podemos fazer. E aí olhamos para o outro nos seus pecados, nas suas fraquezas, nos seus limites como alguém também que como eu está crucificado, e que por misericórdia talvez eu saiba ou entenda um pouco mais do que ele sobre a Redenção, a obra de salvação. Talvez ele não saiba nem rezar um Pai-Nosso como eu sei, ou não saiba mais o Credo, porque esqueceu, mas não importa. Se a cruz é o lugar de encontro entre Deus e o homem, entre a misericórdia e o miserável, é também na cruz que encontramos o nosso irmão. É o encontro do homem pecador que sou eu com o meu irmão que também é pecador, e aonde eu vou conduzi-lo comigo para a cruz, de onde vem a nossa salvação.
Que o Senhor nos ajude a entender isto para que nunca mais eu olhe para ninguém que não conhece a Deus com um olhar de condenação, para que nunca mais eu ache que sou melhor do que qualquer pessoa aí fora porque tive a graça de conhecer Jesus Cristo. Não, tudo é graça, tudo é misericórdia. E diante disso o nosso olhar, a nossa posição é de joelhos dizer: “Obrigado Senhor, obrigado. Eu só tenho a agradecer”.
Oração:
Jesus eis-nos aqui diante do Teu mistério. Entendemos pouco Senhor, mas eis-nos aqui com o abismo da nossa miséria para nos encontrarmos com o abismo da Tua misericórdia, porque nós queremos ser salvos, queremos renovar a nossa entrega a Ti Jesus como fomos e fizemos no início. Nós queremos retornar às nossas origens, de joelhos e humildemente dizer: me salva Senhor, porque sou pecador! E contemplando o Teu mistério na cruz eu me coloco desarmado, não tenho nada a Te apresentar Senhor, nada a justificar Senhor.
Agradeça a Jesus porque Ele morreu por você. Agradeça pelo Seu sacrifício na cruz por você. Peça perdão pela sua ingratidão, porque tão facilmente nos esquecemos do preço que foi pago por nós. Tão facilmente nos esquecemos do preço que foi pago por cada um de nós. Tão facilmente nos esquecemos de onde nós estaríamos se o preço não tivesse sido pago por cada um de nós. Onde estaríamos se não houvesse sido pago o preço? O nosso coração é grato a Deus. Não temos como pagar tão alto preço. Não temos como pagar e por isso a nossa gratidão!
Eu escuto a melodia que Tu cantas
Tua palavra de amor que me encanta
Seduzindo-me pra sempre
Inteiramente
Eterna canção de beleza e harmonia sem fim
Tu me encerras em Teu peito amor ferido
Em Teus golpes de amor tens me vencido
De amor me tens cativo
Rendido
Fizeste-me presa de Tua bondade sem fim
Sem fim
Tu mais íntimo de mim do que eu mesmo
Infinito no finito em quem me perco
Dois abismos que se abraçam
E se enlaçam
Num laço de amor eterno e alegria sem fim (2x)
Dois abismos que se abraçam
E se enlaçam
Num laço de amor eterno e alegria sem fim
Transcrição: Irlanda Aguiar