As convicções construídas com anos de reflexão, frutos de uma história de referenciais morais, e a luta para ser fiel ao que se acredita, de repente, desmorona diante dos apelos da carne… e que apelos! Colocando de outra forma, isso evidencia, por outro lado, que a carne é bem forte. Tem força suficiente para nos demover de nossas decisões. É forte, tanto que é muito fácil encontrar os que a ela se entregaram inteiramente. Entregaram-se aos seus prazeres, à sua sede de poder, ao seu desejo de tudo possuir.
A bem da verdade, todos nós, em um momento ou outro, sucumbimos à carne forte. Passamos a vida tensionados pelos seus apelos. Algumas vezes, somos tomados de assalto, e em um arroubamento cedemos, outras, somos paulatinamente assolados, até não nos reste mais nenhuma resistência.
Mas, por justiça à verdade, não somos só carne. Somos também alma espiritual, capaz de relacionar-se com Deus, de elevar-se ao Bem, capaz de, através da ação do Espírito, submeter a carne à inteligência, às decisões mais elevadas. Pela ação da graça, a carne se torna fraca em um sentido positivo, porque submissa ao centro profundo de nós mesmos, onde habita a Verdade.
A carne é fraca, e por si mesma pode apenas desejar o bem, aspirá-lo, mas não tem força para realizá-lo, se não lhe vem um auxílio do Alto. A carne é forte, pois um homem de espírito fraco e autossuficiente tem a carne como mestra, levando-o à corrupção das grandezas que aspira interiormente. Carne forte, cujo sangue banha as traições, as corrupções, os atentados à vida, os jogos perversos dos vícios. Forte, mas não soberana.
Carne fraca. E precisa que a alma lhe dê substância, lastro, que a conduza, para que se torne instrumento para fins mais elevados, e não fim em si mesma.
Nessa quaresma, somos chamados ao jejum, à penitência, às mortificações, que são movimentos decididos na parte mais elevada de nós mesmos, e que são capazes de submeter o ser inteiro, espírito e carne, tornando-a não o elo fraco, mas o instrumento forte de concretização das virtudes, da verdade, do bem, do belo, da vontade de Deus para o mundo – a Paz.