A Carta aos Romanos representa a síntese mais elaborada da teologia paulina, mesmo faltando a eclesiologia. Sob o aspecto histórico, Romanos ocupa uma grande importância porque:
a) Santo Agostinho teve um último impulso à conversão lendo a Carta aos Romanos (Confissões 8,12,23);
b) Foi o ponto de partida da Reforma Protestante: Lutero escreveu seu “Comentário aos Romanos”, em 1515, e aí já se encontram sua idéias sobre a justificação;
c) Calvino, no seu livro Christianae religionis institutio fundamenta sua doutrina da predestinação na Carta aos Romanos (1539);
d) O Concílio de Trento, fundamenta em Romanos a doutrina Católica da justificação e do pecado original;
e) Em 1918, Karl Bart iniciou o novo movimento protestante tendo como ponto de partida o
“Comentário à Carta aos Romanos”;
f) A tradução Ecumênica da Bíblia começou pela Carta aos Romanos. Segundo o pastor M.
Boegner ‘o texto das nossas divisões’ devia tornar-se ‘o texto do nosso encontro’ (1965).
g) Em 31 de outubro de 1999, em Augsburgo, na Alemanha, foi firmada a Declaração
Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DCDJ), assinada entre a Federação Luterana Mundial e
a Igreja Católica Romana. Sabemos que grande parte de todo o problema historio em torno da
Justificação foi a interpretação na Carta aos Romanos.
A Igreja de Roma
É a primeira carta de Paulo à uma Igreja que não fundou. Pergunta-se, então, quem anunciou
o Evangelho na capital do império? Nessa época, Roma possuía aproximadamente um milhão de
habitantes, formado por grupos étnicos diferentes vindos de toda a parte do império. Entre eles
estava uma grande colônia judaica. O primeiro testemunho de judeus em Roma vem de 139 a.C. Na época do Novo Testamento eram aproximadamente 50 mil judeus; habitavam a região de Trastévere e possuíam mais de 10 sinagogas. Os judeus sofreram medidas restritivas por parte dos romanos e sua religião era chamada “superstitio bárbara” (uma superstição bárbara).
É no interior dessa comunidade judaica que vamos encontrar a origem da Igreja de Roma.
Provavelmente os primeiros a levar a Boa-Nova até Roma foram os peregrinos judeus, prosélitos
que presenciaram o acontecimento de Pentecostes em Jerusalém no ano 30 d.C. e se converteram com o sermão de Pedro (At 2,14.41). O certo é que não sabemos exatamente quem foram esses primeiros missionários.
Evidentemente, a presença de cristãos deu lugar a discussões e tumultos no gueto judeu de
Roma. Assim escreve Suetonio na “Vida de Cláudio”: ‘Judaeos assidue tumultuantes impulsore
Chresto Roma expulit’ (judeus assíduos criam tumultos por causa de Chresto e Roma os expulsa).
Sem dúvida esse “Chresto” era de fato Cristo que se tornara o pomo da discórdia nas
sinagogas de Roma, obrigando o imperador Cláudio a decretar a expulsão dos judeus de Roma. Isso ocorreu no ano 49. Priscila e Áquila que nessa ocasião tiveram que abandonar Roma, foram para Corinto onde encontraram-se com Paulo (At 18,1-3).
Assim a comunidade cristã que era formada por judeus-cristãos e gentios convertidos com a
expulsão dos primeiros, tornou-se uma comunidade de cristãos provenientes dos pagãos. A
proibição de reunir-se nas sinagogas obrigou-os a procurar as casas dos cristãos. Essa separação da sinagoga não foi somente local, mas deu origem a muitas comunidades domésticas compostas
somente de gentios-cristãos.
Mais tarde, quando Nero revogou o edito de Cláudio, muitos cristãos-judeus voltaram a
Roma. Mas encontraram uma comunidade cristã nova, emancipada dos laços com o judaísmo e
muito numerosa. A convivência entre os dois grupos nem sempre foi pacífica.
Quando Paulo escreveu essa carta, a comunidade na sua maioria era formada de pagãoscristãos
(Rm 1,5-6.13; 11,11-13; 15,16). Basta ver a relação dos nomes que aparece no final da
Carta. Muitos deles não são nomes judeus. Era uma comunidade marcada por divisões (Rm 14-15).
Alguns autores pensam que essa comunidade não possuía a estrutura de Igreja antes da chegada de Paulo, daí a omissão da expressão “Igreja” no endereço da carta.
Sem dúvida, o fortalecimento da fé cristã em Roma foi obra de Pedro e Paulo. É difícil
precisar o ano da chegada de Pedro em Roma. At 12,17 fala da fuga de Pedro de Jerusalém, mas não oferece nenhuma base para se dizer que ele tenha ido à Roma. É certo também que Pedro não estava em Roma quando Paulo ali esteve pela primeira vez (61-63 d.C.).
Mas os dois Apóstolos receberam o título de “fundadores da Igreja de Roma” talvez quase que substituindo os fundadores da cidade de Roma, Rômulo e Remo, cuja festa se celebrava aos 29
de junho, data depois cristianizada. Esse título se deve também ao fato que ambos foram martirizados em Roma: Pedro no ano de 64; Paulo no ano de 68.
Foi a comunidade que mais sofreu com a perseguição, principalmente a de Nero. Será considerada a comunidade ‘Mãe de todas’ por causa da morte de Pedro e de Paulo.
A CARTA
Objetivo da Carta aos Romanos
A Carta aos Romanos é um escrito de ocasião ou uma carta doutrinal?
Normalmente as cartas de Paulo são escritos ocasionais, isto é, procuram responder a
situações concretas dos destinatários ou do próprio Apóstolo (cf. 1 e 2Ts, 1 e 2Cor, Gl e Fl).
Porém, segundo alguns autores, a carta aos Romanos parece não se encaixar nessa lógica:
parece, à primeira vista, que Paulo fez uma exposição do seu sistema teológico. Alguns autores
chamaram a carta de “compêndio da religião cristã” (Melauchtou). Mas aí faltam aspectos como a escatologia, cristologia, Eucaristia…
Mas atualmente se procura fazer uma leitura histórica da carta. Porém o problema é: onde
encontrar a chave histórica interpretativa da carta?
a) Para alguns essa chave interpretativa deve ser buscada na comunidade cristã de Roma e
nos seus problemas eclesiais. Paulo teria escrito a carta com o objetivo de reconciliar e pacificar a Igreja Romana dividida entre gentios-cristãos e judeus-cristãos.
b) A situação histórica interpretativa não estaria na Igreja Romana, mas em Paulo e na
situação em que se encontrava. Isto é, ele já tinha evangelizado todo o Oriente e projetava
evangelizar a Espanha. Por isso escreve aos romanos: a carta seria uma espécie de bilhete de visita que ilustraria sua mensagem evangélica. Muitos autores acham que Roma não era apenas uma parada na viagem à Espanha, mas um lugar importante para a pregação do Evangelho.
c) O problema estaria entre Paulo e Jerusalém. O Apóstolo estava preocupado com um
possível confronto com os chefes da Igreja de Jerusalém onde deveria defender o Evangelho
anunciado nas Igrejas gentio-cristãs. Em particular, a carta aos Romanos estaria unida à crise da
Galácia e seus reflexos no judeu-cristianismo na Palestina. Paulo, portanto, exporia aos romanos o evangelho que pensava defender em Jerusalém. É muito difícil optar por uma das alternativas
somente. O certo é que a Carta aos Romanos não poder ser entendida como um escrito dogmático a histórico.
Na carta, Paulo se preocupa com problemas concretos da comunidade romana (12,1–15,13); mas na parte dogmática não faz referências a seus destinatários (cf. 1-11); e Paulo sabia que
indo à Jerusalém levar o resultado da coleta feita em Corinto como “sinal de comunhão” (15,26)
teria que vencer a aversão dos judaizantes e a desconfiança dos chefes da Igreja de Jerusalém.
d) Contrariamente a quanto se afirmou por muito tempo, não é um tratado teológico, mas é
sim um texto pastoral, como todas as Cartas de Paulo. Nasceu por sua paixão pela evangelização
entre os pagãos. Paulo afirma ser “ministro de Jesus Cristo” (15,16). Além disso é a Carta de Paulo que mais cita nomes de pessoas (11 mulheres e 18 homens). Portanto, Paulo devia não somente saber o nome das pessoas, mas suas alegrias e suas tristezas; suas riquezas e seus problemas.
Local e data da Carta
A carta não faz menção do lugar onde foi escrita. Mas, com muita probabilidade, foi escrita
em Corinto. Paulo, esteve em Corinto pela primeira vez durante sua segunda viagem missionária
quando evangelizou a cidade. Permaneceu ali por um ano e meio (At 18,11). Retornou a Corinto
durante a terceira viagem missionária vindo de Éfeso e da Macedônia. Esteve na cidade por três
meses (At 20,2-3) durante o inverno de 55/56. Nesse período, Paulo fez a coleta para a Igreja de Jerusalém (Rm 15,25-29). Foi também, com grande probabilidade, que escreveu a carta aos Romanos.
Alguns indícios da carta nos permitem essa afirmação:
a) 16,1: Paulo recomenda aos romanos, a diaconisa da Igreja de Cencréia, Febe. Alguns
autores pensam que Febe seria a portadora da carta.
b) 16,23: Paulo envia saudações da parte de Gaio “que hospeda a mim e a toda a Igreja”. É
natural identificar esse personagem com o Gaio que o Apóstolo batizou em Corinto (1Cor 1,14).
c) 16,23: Também “Erastro, administrador da cidade” envia saudações aos romanos. Sem
dúvida é o mesmo Erastro que permaneceu em Corinto conforme 2Tm 4,20.
Divisão da carta
Em alguns aspectos é uma carta difícil de ser dividida. Existem inúmeras propostas de
divisão: Sugerimos esta:
SAUDAÇÃO E AÇÃO DE GRAÇAS (1,1-15)
I – O EVANGELHO É A FORÇA DE DEUS QUE SALVA (1,16–8,39)
Tema geral (1,16-17)
a) A ira de Deus (1,18–3,20)
b) A salvação vem pela fé (3,21–4,25)
c) Viver de modo novo (5,1–8,39)
II – DEUS E ISRAEL (9,1–11,36)
III – A VIDA CRISTÃ (12,1–15,13)
CONCLUSÃO (15,14–16,27)
Ministério de Paulo, projetos, saudações, recomendação e louvor
Chave de leitura da Carta
Apresentamos abaixo uma possível chave de leitura da Carta aos Romanos; é uma hipótese
sugerida pela Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB): um esquema que leva a uma leitura trinitária
da Carta, a partir do confronto entre o estado de miséria e o estado de salvação da humanidade.
1,18–3,20 descrição dos pagãos e judeus no domínio do pecado
3,21–4,25 descrição da humanidade salva pela Graça de Cristo
5,1-14 a humanidade solidária a Adão
5,15–6,23 a humanidade tem a chance de ser solidária a Cristo
7,1-25 a humanidade escrava da Lei
8,1-39 a humanidade liberta pelo Espírito
9,1–10,21 Rejeição de Israel a Jesus Cristo
11,1-36 Israel tem acesso a salvação em Cristo
Que riqueza esse texto! São Paulo, grande pregador da palavra de Deus!