“A Castidade perdeu o direito de cidadania na alma humana“. Esta foi uma constatação feita pelo então Cardeal Wojtyla, na década de 1960, quando o mundo vivia o que chamou à época de “revolução sexual”.
Sobre esse tema, convidamos Maria Célia dos Reis* para uma descontraída conversa conduzida por Igor Rocha*, para refletir sobre a integridade do amor e o amadurecimento humano como caminho para, mesmo em meio aos desafios da vida, construir uma sociedade pautada na caridade e valores cristãos.
Sobre as acusações à Castidade, de que faria mal, São João Paulo II dizia que não se conhece um só transtorno que corrobore tal hipótese, mas a falta dela é que está associada a muitos transtornos. Sua experiência clínica confirma isso?
Maria Célia dos Reis: Na clínica vemos os diversos prejuízos na vida das pessoas quando seus afetos estão desordenados. De um lado, aqueles que não desenvolvem o domínio de si; do outro, aqueles que consideram tudo relacionado ao corpo ruim, feio e sujo. Ambos os extremos adoecem. A Castidade é essa virtude que coloca em ordem nossos afetos e torna possível um amor integrado. No senso comum, a Castidade é olhada como uma repressão da sexualidade, mas trata-se de uma visão errada dessa grande virtude que humaniza nossos movimentos afetivos e sexuais.
Nos antigos manuais de Psiquiatria como o DSM III e IV, os transtornos de hipersexualidade foram descritos como “sequência de amantes onde se usa o outro como se fosse um objeto“. Particularmente, acredito que não devemos ficar “patologizando” comportamentos, mas podemos dizer que vivemos em uma sociedade doente?
Temos que ter sempre em mente a natureza humana como marcada pelo pecado original, nesse caráter da concupiscência, para que consigamos olhar a sociedade e a pessoa humana com clareza; portanto, a objetificação da pessoa humana não respeita o princípio que o Papa São João Paulo II sempre fala: “A pessoa é um ser para o qual a única dimensão adequada é o amor”! O homem não somente tem corpo, mas é corpo, e é por meio dele que se expressa integralmente no mundo, até mesmo em sua dimensão espiritual. Talvez o problema esteja nessa separação, como se fosse possível o que atinge o corpo não atingir a pessoa como um todo.
Quais os impactos da objetificação na vida de um casal?
Nossa geração tem diversas marcas desse fenômeno da objetificação do corpo, como o caso da pornografia, da mentalidade contraceptiva e até mesmo quando um casal que, para conseguir uma gestação, procura por inseminação artificial. E não é só na vida dos casais, mas até mesmo na vida social; um funcionário muitas vezes não é visto como pessoa, mas como uma ferramenta, uma coisa, um objeto.
Você tocou num ponto interessante sobre a Castidade que atinge bastante os solteiros: a pornografia e a masturbação seriam formas saudáveis de conhecer o próprio corpo e o significado da sexualidade como muitos afirmam?
Muito pelo contrário: a pornografia distorce principalmente a nossa visão de pessoa, de corpo e, sobretudo, da sexualidade real. A masturbação também é um sinal de imaturidade afetiva que devemos evitar, pois o amor é sair de si, enquanto essa realidade de voltar-se para si mesmo naturalmente se torna um vício que distancia a pessoa do amor de fato.
Como psicóloga, você percebe que a Castidade pode ajudar na qualidade de vida e saúde psíquica dos jovens?
A juventude é uma época de escolhas na nossa vida, de ampliar os horizontes; se de fato precisamos nos abrir para amar, também necessitamos saber reconhecer os falsos amores. A Castidade mantém a integridade das nossas forças vitais; pode reparar: um jovem dependente de pornografia não tem brilho nos olhos, não tem ânimo para nada, tem sua autoestima destruída. A castidade é força, virilidade, até mesmo para direcionar nossa força para os estudos e trabalho. A castidade é uma educação para o amor, existem duas alternativas: orientar nossos afetos e obter a paz ou ficamos à mercê de imensos sofrimentos no campo amoroso.
São João Paulo II fala muito sobre a importância da ternura na relação conjugal. A ternura também pode ser terapêutica?
Claro! No livro Amor e responsabilidade ele fala coisas belíssimas sobre a ternura. O que Wojtyla chama de “ternura desinteressada”, posta como um grande segredo da convivência entre o casal, principalmente na questão da realização sexual; nisso, ele vai no mesmo caminho que o criador da logoterapia, Viktor Frankl, que também constatou que o excesso de desejo de se realizar no sentido do prazer acaba sabotando tudo. Wojtyla vai a fundo naquela época, até mesmo considerando que o fato da curva sexual ser diferente na mulher e no homem é um desses caminhos pedagógicos da própria natureza do amor. Portanto, homem e mulher se realizam quanto mais estiverem interessados em ser um dom para o outro, e nem tanto na preocupação egoísta de buscar para si o prazer somente.
No livro “Teoria e Terapia das Neuroses”, Viktor Frankl conta o caso clínico de um homem que se preocupava em dar muitos orgasmos à sua mulher e acabou desenvolvendo disfunção erétil e ejaculação precoce. O terapeuta o aconselhou a se entregar a ela, o que seria melhor que muitos orgasmos. Resultado: ele foi curado e ela passou a ter orgasmos. Teria João Paulo II acertado ao falar tanto do “dom de si” que se expressa no Amor Esponsal?
Eu direi que os dois teóricos tiveram grande intercâmbio intelectual; Frankl conceituou a “intenção paradoxal”, termo que ele usa para designar o tratamento dessa neurose – eu cito ele no meu livro quando ele diz: “Quanto mais alguém persegue o prazer, tanto mais ele se desvanece”; ele até faz referência ao dito popular que é bastante conhecido, “o temor realiza o que se teme”, e usa essa expressão também para o prazer: “o desejo intenso impossibilita o que se deseja”. Esse é um tema vasto, mas muito fácil de ser constatado na vida cotidiana e na clínica.
Partindo da Teologia do Corpo, como você acredita que um homem pode melhorar sua relação com sua esposa/namorada? E as mulheres com seu marido/namorado?
Levar em consideração que somos pessoas parece óbvio, mas não é. Tudo que engloba ser pessoa, contemplar esse mistério de Deus presente no outro, nos coloca em outro nível diante do outro. Respeitando a natureza, o temperamento, a singularidade, as circunstâncias de cada um, podemos crescer e amadurecer no amor, mas sem isso ficamos nos debatendo, como dizia meu pai “dando murro em ponta de faca”. Sendo assim, seremos mais generosos no amor, no perdão e na capacidade de acolher a graça de Deus que nos ajuda a amar de forma autêntica.
Outro tema caro à Teologia do Corpo é a contracepção, que você tocou na nossa conversa. Os casais prometem no altar um amor total e fecundo, mas na prática muitos ferem esses votos. Sabemos que espiritual e biologicamente os anticoncepcionais são como espécie de veneno. Quais são os impactos desse medo de engravidar na saúde psíquica e sexual do casal?
Este é de fato é um terreno complexo, pois muitas vezes esses medos vem de questões familiares na origem, muitas vezes mais do que compreender o mal é preciso curar o coração ferido, inseguro, temeroso. Nossa! Esse tema é muito relevante, mas eu penso que os impactos são distintos dependendo de cada pessoa; alguns se curam e ressignificam essas experiências em um filho que chega. Na vida sexual então, acaba se tornando um bloqueio grande!
No livro Amor e Responsabilidade, Wojtyla tece uma crítica ao “pansexualismo” do qual Sigmund Freud era adepto. De que forma você acredita que pensadores dessa corrente influenciaram a cultura que vivemos?
Penso que essa influência é mais ampla que se possa imaginar, dado que até mesmo nosso vocabulário moderno está impregnado de termos psicanalíticos. Nossa cultura está impregnada, como no caso de pensar o ser humano a partir de seu aspecto instintivo, mas até mesmo o instinto no ser humano é muito diferente dos animais; até mesmo o nome é outro – impulso – pois diferente da ideia psicanalítica, somos bem mais que os animais. Muitos dizem que Freud talvez seja o Darwin da psicologia! Risos!
Partindo de tudo isso, como é possível construir uma Civilização do Amor? Por onde começar?
Precisamos retirar o “cheiro de mofo” que foi colocado sob as virtudes, em especial a castidade, e devolver seu lugar de destaque na educação para o amor. Pois só homens e mulheres integrados podem amar com maturidade e construir famílias que sejam realizadas, mesmo em meios aos sofrimentos e desafios inerente do amor cristão. É em meios às batalhas da vida que somos forjados na virtude, não tenhamos medo dessa batalha que é amar!
*Maria Célia dos Reis é psicóloga clínica, filósofa e especialista em Fenomenologia e Existencialismo, com mestrado, cuja dissertação é baseada na obra ‘Amor e Responsabilidade’ de Karol Wojtyla. Autora dos livros “Teologia do Corpo: um tesouro escondido” e “Psicoterapia da sexualidade e da moral em Karol Wojtyla“.
*Igor Rocha, consagrado da Comunidade de Aliança Shalom, é graduando em Biomedicina e estudante de Neurociências e Sexualidade humana.
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