Formação

Celibato e Pedofilia

comshalom

Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

É de grande utilidade, ler nos primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos a descrição do alvorecer da Igreja de Cristo. Essas páginas são marcadas pela presença da perseguição, que acompanha o crescimento da tenra planta oriunda da Paixão, Morte, Ressurreição de Jesus e a Vinda do Espírito Santo. Essa leitura é atualmente, de modo particular, importante, quando recrudescem os ataques à Igreja, conforme a mídia nos informa. Lemos nos Atos: “Naqueles dias desencadeou-se uma grande perseguição contra a Igreja que estava em Jerusalém. Todos, com exceção dos Apóstolos, dispersaram-se pelas regiões da Judéia e da Samaria(…). Quanto a Saulo, devastava a Igreja” (At 8,1-3). O que aos olhos dos homens parecia um desastre mortal, foi o início da difusão da obra de Cristo. Logo a seguir, os Atos dos Apóstolos relatam fecundas missões e os seus resultados pastorais. Os cristãos iam de lugar em lugar anunciando Jesus.

Assim começou a Igreja. Assim viveu em mais de dois milênios. Sempre, desde Judas, ao lado do brilho dos santos, está presente a sombra do pecado. Sem arrefecimento, permaneceu a luta pela superação das manchas que enodoaram o lado humano da instituição que, sempre seguindo as diretrizes do Fundador, buscou a santidade. Em nossos dias, multiplicam-se as notícias dolorosas, inclusive referentes a sacerdotes, que, com maior razão, deveriam lutar pela pureza da vida cristã.

Sem negar a presença do mal, pareceu-me dever recordar todo o imenso bem e o esforço contínuo da Hierarquia, no sentido de manter pura a face humana da Igreja de Jesus. Desejo oferecer algumas considerações para que sejam vistos os fatos dentro de um contexto objetivo e não como, às vezes, são apresentados ao público.

Começo por lembrar uma ocorrência registrada anos atrás e hoje no esquecimento. Conheci pessoalmente, e com ele convivi em diversas oportunidades, o então Cardeal Bernardin Joseph Louis, de Chicago. Foi acusado de haver praticado uma relação homossexual. Apesar da firme negativa, a notícia teve grande repercussão em todo o mundo. Amargurado, veio a falecer de câncer. Pouco antes de sua morte, levado pelo arrependimento, o caluniador anula cabalmente a acusação. No entanto, a dolorosa “via crucis” destruiu a reputação de um homem de bem. A pedofilia e outros graves delitos sexuais, praticados real ou supostamente por alguns poucos elementos do clero, são amplamente divulgados pela mídia. Por vezes, chega-se a acusar sacerdotes já falecidos, manchando-lhe a memória, sem que tenham a possibilidade de se defenderem. Não nego a veracidade de fatos dessa natureza, pois a Igreja é composta de homens que vivem em uma sociedade altamente erotizada. Aliás, nunca foi surpresa a existência do pecado entre os ministros de Deus, embora em número bem menor que em outros ambientes da sociedade. O que causa espécie é a maneira de fazer a divulgação. Basta aparecerem suspeitas e as acusações são apresentadas ao público. E surgem gratuitas ilações que atribuem ao celibato a causa desses crimes. Recordo-me de um respeitável médico, em uma capital brasileira, cidade de porte médio. Ele caridosamente atendia às prostitutas. Um dia, em um encontro casual, dizia-me: “Ontem fui chamado a um prostíbulo. E todos os presentes eram casados”. Para uma vida casta que deve levar o Ministro de Deus, faz-se mister uma adequada preparação espiritual e psicológica. No entanto, a solução aventada pelos inimigos é a eliminação do celibato sacerdotal.

Periodicamente surgem fantasiosas informações sobre a possível supressão desse dom de Deus à sua Igreja. Jamais se fará tal modificação pelo fato de uma minoria desobedecer a Deus. O que há de errado deve ser corrigido por uma maior e melhor seleção dos candidatos ao sacramento da Ordem. E o recurso à graça não deve faltar aos que buscam viver de acordo com as normas que lhes são propostas no decorrer de sua existência. O problema está relacionado com outras causas. Anos atrás, na Grécia, pessoalmente procurei informar-me sobre o assunto. Os sacerdotes ortodoxos são casados. No entanto, havia mais de mil paróquias vagas. E eles são remunerados pelo governo, que, em alguns casos, paga dois salários, quando professores em lugares mais distantes.

Entre os padres que abandonam o exercício do sacerdócio para terem uma esposa, não poucos justificam sua atitude acusando de intransigência a Igreja! Outros, entretanto, manifestam-se gratos pelo que receberam nos Seminários. Tiveram uma educação universitária, sem ônus, e podem usufruir de um nível de vida superior à média da população. São honestos ao reconhecerem suas dificuldades e não retribuem com ataques o que receberam. Conservam a Fé, trabalham como leigos, embora não poucos, saudosos da vida sacerdotal. Esses não aparecem nos jornais; não são entrevistados, mas possuem a virtude da gratidão. Merecem respeito e ajuda.

Pouco se fala do juramento livremente feito a Deus, por escrito, ainda como candidato ao sacerdócio. Compromisso solene, que é violado.

Evidentemente, os crimes de pedofilia e congêneres, uma vez provados, devem ser punidos. A justiça precisa ser feita, sem tornar o Bispo simplesmente juiz, pois ele também é pai espiritual da vítima e do autor do crime. A confiança na misericórdia de Deus não exclui a devida correção dos que erram. Inclui o perdão, mas supõe o cumprimento de pena e, acima de tudo, a segurança de que jamais tais crimes voltarão a ser cometidos.

Os Atos dos Apóstolos descrevem a primeira perseguição à Igreja e os frutos daí resultantes. Em nossos dias continua a ofensiva à obra de Cristo. Ela é causada pelos inimigos de fora e, no interior, pelo pecado desses filhos da Igreja. O que ocorre, em nossos dias, nos deve levar a corrigir os erros e a punir os faltosos, desmascarar os caluniadores e a viver com intensidade o Evangelho de Jesus.

Fonte: Presbitério Virtual


Comentários

Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião da Comunidade Shalom. É proibido inserir comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem os direitos dos outros. Os editores podem retirar sem aviso prévio os comentários que não cumprirem os critérios estabelecidos neste aviso ou que estejam fora do tema.

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *.

O seu endereço de e-mail não será publicado.