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Momento deveneração
O biólogo americano Francis S. Collins é um doscientistas mais respeitados da atualidade. É diretor do Projeto Genoma Humano etrabalha no que há de mais moderno em torno do estudo do DNA, o código da vida.Até os seus 27 anos era um ateu convicto e foi cursando a faculdade de medicinae testemunhando o verdadeiro poder da religião nos pacientes que ele examinavanas enfermarias do hospital-escola que a sua visão começou a mudar.
São suas as seguintes palavras: “Não existe um antagonismo entre as visões científica e espiritual domundo? (…) Não para mim. Muito pelo contrário. Para mim a experiência demapear a seqüência do genoma humano e descobrir o mais notável de todos ostextos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela eum momento de veneração”.
Essas palavras coincidem no seu sentido religioso comas do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, pronunciadas na CasaBranca, transmitidas por via satélite a várias partes do mundo, quando noprimeiro semestre do novo milênio ele anunciava a conclusão do primeirorascunho do genoma humano.
“Sem dúvidatrata-se do mapa mais importante e mais extraordinário já produzido pelahumanidade. Hoje estamos aprendendo alinguagem com a qual Deus criou a vida. Ficamos mais admirados pelacomplexidade, pela beleza e pela maravilhada dádiva mais divina e mais sagrada de Deus”.
Um cientista, líder do Projeto Genoma Humano em todomundo, e um ex-presidente americano teriam sido guiados pela Igreja Católicapara usarem expressões tão significativas como veneração e dádiva divinapara referirem-se ao texto constitucional do ser humano que tem 3 bilhões deletras?
Seria absurdo alguém levantar esta hipótese paradesacreditá-los, mas o que se pode extrair das suas afirmações é que elesintuíram que está presente em cada célula do organismo humano, não só umamaravilha biológica – a enorme seqüência de letras contidas num espaço celulartão minúsculo – mas acreditaram na presença de alguém, que é digno de veneração, de respeito, de reconhecimento,intuíram a existência de um dom que não pertence absolutamente a ninguém, masque é uma dádiva de Deus.
As células humanas têm desde a sua matriz inicial – ozigoto ou ovo fecundado – um processo constitucional e organizativo. Sãoverdadeiras “fábricas” de substâncias nutritivas e energéticas, elas sediferenciam e se especializam, elas se dirigem espacial e funcionalmente paradiversas zonas do corpo humano, onde atingirão sua maturidade biológica efisiológica, e em todos os momentos desses processos quem está presente é umapessoa, é um você que se posicionadiante de um eu e de um nós.
Só sob umaperspectiva biológica
Ao estudar as células-tronco embrionárias só sob umaperspectiva biológica os resultados alcançados serão, sem dúvida nenhuma, úteise verdadeiros, mas só dentro desse ângulo considerado. É o que vai se divulgandocom o estilo próprio do jornalismo, ma mídia brasileira, uma série deinformações aos leitores que vão alimentando esperanças e vão acelerando osdebates sobre um tema tão atual.
A divulgação desses dados científicos sobrecélulas-tronco humanas, em particular, sobre as células-tronco embrionárias,tem se mostrado tão polêmico que se faz necessário um esclarecimento científicoe ético mais objetivo. Não é suficiente o “marketing” das pessoas a favor daspesquisas e da utilização terapêutica dessas células embrionárias.
É preciso saber que, em primeiro lugar, odesenvolvimento de um corpo humano inicia-se com a fecundação e segue adiantecom uma trajetória continua de diferenciação e crescimento; cada etapa desseitinerário biológico é reconhecida por uma morfologia e por funções distintasdo anterior-nível gestacional.
Sabe-se que a primeira divisão celular ocorre emtorno de 30 horas depois da fecundação, e que a formação dos blastócitos (deonde se retiram as células-tronco embrionárias) se dá no 5º dia aproximadamente,e que a implantação do embrião no útero ocorre em torno do 6º-7º dia, e que acirculação sangüínea útero-plancentária inicia-se perto do 13º dia, e que até opróprio fenômeno do nascimento (9º mês), e outros fenômenos biológicos própriosdessa idade gestacional, tudo se desenvolve ininterruptamente segundo o programa inscrito nesse textofundamental da vida, que é o genoma.
É preciso saber também em que momento dessatrajetória as células do embrião em desenvolvimento merecem ser chamadas de você, como costuma acontecer quando amãe e o pai vêem o seu filho através de uma ultra-sonografia?
Umrelacionamento entre pessoas humanas
Quando se emprega esse pronome de tratamento o quefica evidente é uma intimidade entreiguais, ou seja, um relacionamento entrepessoas humanas, idênticas entre si na dignidade e incomparáveis no valordas suas vidas. Ainda que esse pronomepessoal tenha adquirido conotações novas em tempos mais recentes e éutilizado pelos filhos, pelos netos, pelos sobrinhos, etc, ao se dirigirem aos seuspais, aos seus avós, aos seus tios, nem por isso a informalidade do tratamentofaz perder a consciência do respeito devido a essas pessoas mais velhas.
Acontece que a divulgação jornalística do tema células-tronco embrionárias, empregandosó termos biologicamente adequados, como por exemplo, fazer pesquisas com essascélulas para fins terapêuticos, prometer sucesso garantido para as doençascardíacas, metabólicas, degenerativas, para lesões musculares e nervosas, atéagora irreversíveis foi introduzindo na cultura dos jovens e dos adultos umacerta limitação intelectual: só se vê o lado da ciência e não o lado daconsciência, do certo e do errado, do bem e do mal.
Ainda que tal informação e todo debate feito só anível terapêutico amplie a inteligência humana com os conhecimentos científicosde última geração e introduza na linguagem cotidiana palavras especializadas – totipotentes, pluripotentes, multipotentes,medicina regenerativa, clonagem terapêutica, etc… – isto nãoestá contribuindo para um maior esclarecimento e um aprofundamento necessário afavor de quem se está falando, de quem está sendo pesquisado e usado comoremédio de última geração.
Falando sódo ponto de vista experimental-científico
Se os juristas, os médicos, os biólogos, ospolíticos, os jornalistas estiverem falando só do ponto de vistaexperimental-científico, então quem os ouve ou os lê interpretarão suaspalavras como reveladoras de uns conhecimentos limitados a uma perspectiva – ada ciência – que parte só do que é experimental e comprovado por instrumentaistécnicos. E o que é invisível, e o que é humano propriamente dito?
Agora se asmesmas pessoas estiverem falando de pessoas humanas nas diversas etapas do seudesenvolvimento físico-corporal, então estarão falando de seus iguais, e apalavra você merecerá um destaqueespecial, pois as células não são apêndices, mas sim são a própria pessoa que se faz visível e ocupa um espaço, emostra ao longo do tempo da sua existência uma morfologia específica, conformeo estágio do seu desenvolvimento, e tem uma excelência e uma dignidade nãomensuráveis em laboratórios farmacêuticos e em centros de pesquisa.
As células do corpo humano, sejam no momento inicial– zigoto –, sejam no momento final – morte – não só obedecem a um planoprescrito no genoma presente em cada uma delas, mas representam quem está sendo construído pelos seusgens e pelo entorno em que se desenvolve e quem está morrendo num leito de UTI,numa enfermaria ou na sua casa.
A pessoa humana é quem protagoniza os momentos vitaisdo seu desenvolvimento biológico; é um eu único e unitário, originale biográfico, corporal e espiritual, em todas os instantes e formatos da suaexistência.
Ela não émenos pessoa quando tem 1, 2, 4, 8,16, 32, 64, etc, células em comparação aos milhares, aos milhões de célulaspresentes no seu corpo adulto, mas é amesma pessoa, com o mesmo espírito corporalizado ou com o mesmo corpoespiritualizado, e, portanto, é merecedora de um tratamento pessoal, onde ospronomes eu, tu, nós, vós, podem ser utilizados, na linguagem mais coloquial,mas nem por isso, menos respeitosa, como vocêe eu ou vocês e nós.
Quem estuda e intervêm sobre as pessoas que estão naetapa embrionária – mesmo que se tenha finalidade terapêutica futura marcadapelo sucesso – pesquisando a totipotencialidade das suas células capazes deformar os 250 tipos celulares diferentes do organismo adulto, deve trabalharcom a consciência ética para venerar, assim, com o máximo respeito, à dignidadehumana, e para defender sempre o direito à inviolabilidade da vida dessasmesmas pessoas, conscientizando-se de que está vivendo relações interpessoaissingularíssimas: pesquisador e pesquisado, eu e você, médico e paciente.
A IgrejaCatólica
A Igreja Católica sempre defendeu que o fruto dageração humana, desde o primeiro momento da sua existência, é uma pessoa – é um você, um outroindivíduo – e a ela se deve o mesmo respeito incondicional que se tem diante deuma pessoa adulta, pois em qualquer estágio do seu desenvolvimento físico háuma totalidade pessoal e uma unidade corporal e espiritual.
A partir do seu momento constitucional – a fecundação– devem ser, portanto, reconhecidos os direitos primários de qualquer pessoahumana e de qualquer cidadão brasileiro, principalmente o direito inviolável detodo ser humano inocente à vida íntegra, à vida saudável e à vida em comunidadeonde se valorizem os laços familiares e sociais: “você é um filho”, “você é umparente”, “você é igual a todos nós”, e não um aglomerado de células produzidasou congeladas num laboratório”.
A Campanha da Fraternidade proposta pela CNBB para aQuaresma de 2008 continuará sendo vivida ao longo do tempo, não porque estaráagora na sua etapa de avaliação paroquiana, diocesana e regional mas,principalmente, porque se intensificarão as iniciativas e as atividadeseclesiais que irão destacar os reconhecimentos da pessoa humana em plenitude eo seu direito fundamental à vida desde a sua concepção até a sua morte natural.
Vocês, caros leitores, vocês, homens públicos, que jáviveram como pessoas humanas na fase embrionária, cantem sempre com consciênciae alegria aqueles versos do hino da Campanha da Fraternidade 2008: “Sê sensato: escolha a vida! Parte o pão,cura as feridas! Sê fraterno e viverás!”