Tremulou,de novo, a bandeira do terror. Aconteceu aqui, como acolá, mais umachacina. As chacinas, aqui e acolá, continuam a acontecer. Está setornando uma moda, trazendo contribuições lastimáveis para asdeprimentes estatísticas de outras mortes violentas e vergonhosas,alcançando pelos números altos, como incontestável pela constatação dosespecialistas, o patamar de estado de guerra.
Esta guerra, traduzidanas estatísticas de tantas mortes, precisa sacudir mais a sociedade,particularmente aqueles que nela têm responsabilidades de governo eexercícios de poder. Não se pode conviver com a configuraçãoprogressiva de ‘apartheids’ que entorpecem a consciência moral dasociedade e, particularmente, daqueles que estão residindo nas áreas desegurança e nos contextos em que o sangue derramado não respingamanchando roupas, rostos, escritórios e privilégios. A tremulantebandeira da chacina de jovens, aqui e acolá, hoje, amanhã e depois, põesombras macabras na vida da sociedade. Não se pode deixar de admitir esentir que uma chacina ocorrida é uma sociedade chacinada. Não se podefugir da comoção. Se esta não estiver atingindo e mobilizando o própriocoração, é urgente remeter o coração ao encontro da dor de famíliaspobres e excluídas, ao contato com a vidados que estão na miséria, ao desespero de pais e mães, ao medo que nãoacalma e não aquieta o coração dos que vivem na marginalização.
Podese elencar as muitas providências, projetos e encaminhamentos nestaluta insana contra a violência e contra a exclusão. No entanto, cadanova chacina como cada morte violenta, no trânsito, no tráfico, nasrelações interpessoais tensas, expõem chagas da exclusão nas feições dasociedade brasileira. Há de se considerar que neste cenário “já não setrata simplesmente do fenômeno da exclusão e opressão, mas de algonovo: a exclusão social. Com ela a pertença à sociedade na qual se vivefica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia ou sempoder, mas está fora.
Os excluídos não são somente ‘explorados’, mas‘supérfluos’ e ‘descartáveis’”, diz o Documento de Aparecida n.65.Estes supérfluos e descartáveis são muitos. “Entre eles, aponta oDocumento de Aparecida, estão as comunidades indígenas eafro-americanas que, em muitas ocasiões, nãos são tratadas comdignidade e igualdade de condições; muitas mulheres são excluídas, emrazão de seu sexo, raça ou situação sócio-econômica; jovens que recebemuma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir emseus estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver econstituir uma família; muitos pobres, desempregados, migrantes,deslocados, agricultores sem terra, aqueles que procuram viver naeconomia informal; meninos e meninas submetidos à prostituiçãoinfantil, ligada muitas vezes ao turismo sexual; também as criançasvítimas do aborto. Milhões de famílias vivem na miséria e inclusivepassam fome…”.
Este cenário, com tantas outras chagas da exclusão,comprova um processo crescente e permanente de dizimação da humanidade.Não se pode assistir de braços cruzados. Não se pode dizer apenas quemuitas coisas estão sendo feitas. É preciso fazer mais e com maiorrapidez. Particularmente, é preciso que todos fiquem, quotidianamente,assombrados com a dizimação dos jovens. Esta dizimação dos jovens temraízes e causas muito profundas. Não são poucos os jovens desencantadose desanimados com a política e, particularmente, com a democracia. Aspromessas de uma vida melhor e mais justa não se cumprem ou se cumprempela metade. Este desencanto de todos se explica “pelo recrudescimentoda corrupção na sociedade e no Estado, envolvendo os podereslegislativos e executivos em todos os níveis, alcançando também osistema judiciário que, muitas vezes, inclina seu juízo a favor dospoderosos e gera impunidade, o que coloca em sério risco acredibilidade das instituições públicas e aumenta a desconfiança dopovo, fenômeno que se une a um profundo desprezo pela legalidade”,sublinham os bispos no Documento de Aparecida n.77.
Éprioritária, urgente e inadiável novas providências e mais açõesconcretas para o enfrentamento do “problema da droga que é como umamancha de óleo que invade tudo. Não reconhece fronteiras, nemgeográficas, nem humanas. Ataca igualmente países ricos e pobres, acrianças, jovens, adultos e idosos, a homens e mulheres… não se podepermanecer indiferente diante desse flagelo que está destruindo ahumanidade, especialmente as novas gerações”, Aparecida n.422. Estadizimação da juventude requer urgente, permanente e mais volumosaintervenção do Estado, das empresas, das instituições religiosas e detodos os segmentos da sociedade para modificar as seqüelas da pobrezana vida dos jovens, garantindo o crescimento permanente pelatransmissão de valores por meio de formação integral.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte