Quem nunca se sentiu tocado por aquele pregador, professor, ou simples testemunhante, que ao começar a sua fala, diz com tom pesaroso, suavemente melancólico e aquela cara de nada, ou, não raras vezes, fechada, de poucos amigos (e muitos inimigos), que era uma “alegria estar ali naquele momento” para falar para a sua plateia?
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Tocado por uma vontade burlesca de rir, ou por um indiscreto pré-juízo de que, talvez, lá no fundo, aquela pessoa está qualquer outra coisa, menos feliz? Pois bem, esta sensação de incomodo vem do fato de que é impossível anunciar a posse de algum bem sem alegria. Sem alegria não há anúncio!
Alegria de anunciar
Santo Tomás de Aquino ensina que a alegria é a paixão que se dá na pessoa que alcança a posse de um bem anteriormente desejado, amado, isto é, “o prazer que acompanha a razão” (São Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 31, a. 3). De modo que o anúncio de qualquer bem possuído não pode ser feito de outra forma senão cheio de alegria e de fervor, pois quem possui o que ama é feliz. Ora, se isto é válido para qualquer “bem”, quanto mais não o seria para o anúncio de Cristo, nosso Bem Supremo?
O mandato missionário de Cristo conferido aos seus apóstolos e à Igreja “está ainda bem longe do seu pleno cumprimento” (São João Paulo II, Redemptor Missio, 1), apesar de sua realização constituir “o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira” (São João Paulo II, Redemptor Missio, 2). Por isso, para recordar-nos de sua importância, desde 1926, com a instituição do terceiro domingo de outubro como o Dia Mundial das Missões, a Igreja celebra de modo especial o mês de outubro como mês das missões. E ainda que já estejamos no final do mês missionário, vale a pena, parar um pouco para refletir sobre esta atividade essencial da vivência cristã que não pode ser feita de qualquer forma, especialmente, sem alegria.
De fato, toda experiência de Deus é envolvida pelo mistério da missão. Desde os primeiros discípulos que foram diretamente chamados por Cristo (cf. Mc 16, 15-18), até os atraídos por Ele através do anúncio de outros ( “Eis o Cordeiro de Deus” – cf. Jo 1, 36), todos que verdadeiramente se encontram com Ele são inseridos num estado de missão, porque é próprio de quem encontrou um bem, alegrar-se e desejar comunicá-lo aos demais.
Desejo de anunciar
“Quem ama, põe-se em movimento, sente-se impelido para fora de si mesmo” (Papa Francisco, Mensagem para o dia Mundial das missões de 2019). Foi desta experiência que nos chegou o brado de São Francisco : “O amor não é amado!”, que para nós, Shalom, ganha um tom especial neste tempo.
No retiro de Escuta do Conselho Geral da Comunidade neste, o Senhor deu a imagem da estigmatização de São Francisco no monte Alverno. Naquele momento, o amor de Jesus a Francisco era experimentado e correspondido pelo santo no mais alto grau.
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A compaixão de São Francisco pelo Cristo fora tão forte que o próprio Deus veio ao seu encontro, imprimindo-lhe a imagem do crucificado, agora já não mais “escupida em tábuas de pedra ou de madeira pela mão de um artífice, mas desenhada nos membros do corpo [do Santo] pelo dedo de Deus vivo” (São Boa Ventura, Legenda Maior, cap. XIII, nº 5).
Em Francisco, o desejo de consolar o Cristo sofredor se encarnou numa via dupla: no amor direto a Cristo na oração, e no amor a Cristo no homem ferido. É nesta via da compaixão que o Senhor que nos inseria neste tempo, neste estado de missionariedade.
Para vivermos isto o Senhor nos dava o Espírito Santo. É o Espírito Santo, amor do Pai e do Filho, que nos impele (cf. II Cor 5,14), e nos impele a uma oferta total. O Senhor, nesta mesma Escuta, convidava a Comunidade a uma oferta total. Recordo uma fala de nosso fundador que dizia que quando pedimos pouco ao jovem, ele não dá nada; quando pedimos muito, ele dá pouco, mas quando pedimos tudo, ele dá tudo, porque é próprio do jovem (e de todo homem) o desejo da totalidade.
É o Espírito Santo que nos conduz a esta compaixão pela humanidade, vinda do amor a Cristo, que nos leva a esta oferta total de amor. Deus sabe cancelar todas nossas resistências e reservas na doação.
Disponibilidade, alegria e gratidão
Este estado de missionariedade, para mim, de modo bem pessoal, é traduzido na disponibilidade, alegria e gratidão. Apesar das minhas muitas limitações e pecados, a bondade e a generosidade de Deus sempre me chamaram muita atenção, a ponto de desejar expressar, dentro do possível, um pouco destes bens que recebo de Deus. É como se ecoasse dentro de mim o dever de gratidão de me fazer “tudo para todos”, em resposta Àquele se deu inteiramente a mim.
Na casa de formação, certa vez, um formador contou da experiência de que quando chegava cansado, no final do dia, em casa, perguntava a Deus se não teria algo a mais que Ele desejaria que fizesse, e muitas vezes chegava-lhe um outro pedido, outra pendência, necessidade, e nestas pequenas coisas via a ação de Deus. Esta experiência me acompanhou desde então e muitas vezes me fez perguntar: Senhor, será que não posso ir além? Ao final, “um coração inflamado por este amor, tudo realiza e a tudo se dispõe”. Sou um pouco metódico, pragmático, mas o Espírito Santo vive quebrando os meus esquemas, dispondo-me a uma oferta que me supera. O resultado final é sempre positivo quando não lhe resisto.
Quando nos ofertamos por amor, desde dentro, comunicamos, sem perceber, o amor de Cristo que nos alcançou. Não é pesaroso. Não é cansaço vão. Não é morte que nos destrói.
Na verdade, é vida que nos recria, ainda que o corpo venha a definhar-se (cf. II Cor 4). O mês de missionário se encerra com a celebração imediata de todos os santos. O grande fruto da missão é a santidade! Possamos todos, com a graça do Espírito Santo, cheios de amor pelo Cristo, sermos novamente enviados em missão, rumo ao homem que sofre, sermos resposta de gratidão ao amor que recebemos de Deus, e como fruto desta oferta de amor, alcançar a santidade! São Francisco interceda por nós.
Que Nossa Senhora, Esposa do Espírito, Toda Pequena, nos acompanhe e abençoe!
Daniel Pereira da Silva Junior
Consagrado Comunidade de Vida
Seminarista, 2° ano de Filosofia
Assistência de Formação