A pedagogia do papa Francisco parte das perguntas e não de respostas imediatas
Em seu encontro com os superiores religiosos, em novembro do ano passado, cujas temáticas foram publicadas pela revista “La Civiltà Cattolica” neste 3 de janeiro, o papa Francisco falou do desafio educacional de dar acompanhamento às crianças pertencentes a famílias com pais separados ou casais homossexuais. Vários meios de comunicação destacaram uma suposta abertura do papa aos casais homossexuais, enquanto o próprio pe. Antonio Spadaro, diretor da revista, frisou que, na realidade, o que o papa afirmou foi a urgência de “anunciar Jesus Cristo a uma geração que está mudando”. É uma tarefa que cabe em especial àqueles que já têm a responsabilidade educativa, como confirma Domenico Simeone, professor de pedagogia na Universidade Católica do Sagrado Coração e presidente da Confederação Italiana de Consultórios de inspiração cristã.
O que é que está envolvido no desafio educacional que alguns contextos relacionais apresentam hoje?
Simeone: O papa Francisco leva muito a sério o mandamento evangélico de anunciar Jesus Cristo a toda criatura. Mas como fazer isso hoje, num mundo em que a linguagem e os relacionamentos mudam tanto? Esta é a pergunta para quem tem responsabilidade educacional. É uma tarefa que tem que ser reexaminada com categorias diferentes das do passado. Eu acho interessante o surgimento de uma pedagogia do papa Francisco, que, no encontro com os superiores religiosos, foi manifestada na afirmação de que a formação é mais parecida com uma obra de artesanato do que com uma ação policial: é mais baseada no diálogo e no debate do que no controle e na punição. O ser humano, diz o papa, é complexo, feito de graça e de pecado, e todas as pessoas, mesmo nas situações mais difíceis, têm que ser acolhidas com uma atitude de misericórdia. Isso nos leva ao tema constante de Francisco: olhar para a realidade das periferias. Não é de admirar que algumas das suas declarações sejam muitas vezes mal interpretadas, porque o ouvinte procura semelhanças com as suas próprias crenças em vez de se dispor a continuar trilhando o caminho.
Como é essa pedagogia na prática?
Simeone: Uma abordagem sábia é começar pelas perguntas e não pelas respostas. É o que foi feito no caso do sínodo sobre a família, com um questionário que foi enviado à comunidade cristã pedindo um exame das realidades existentes no tocante a casamento e família, com uma pergunta específica sobre as crianças que vivem com pais do mesmo sexo. É importante não ter a pretensão de dar respostas imediatas.
O papa também destacou que, na missão educativa, é preciso ter cuidado para não provocar rejeição à fé, cuidado para evitar uma “vacina contra a fé”. Quais são os aspectos concretos disso?
Simeone: Em primeiro lugar, nós temos que nos concentrar numa atitude de aceitação, que incentive o contato e o encontro. Sem isso, existe um risco real de “vacina contra a fé”. Por isso nós temos que exercitar o discernimento de quem não tem medo de ficar em situações complexas com um “coração acolhedor”, o que não significa justificar qualquer escolha, mas ir ao encontro das pessoas no lugar em que elas estão. Essa atitude será mais fácil se vivermos uma fé consolidada. É por isso que o papa nos convida a ser cristãos não de coração ácido ou do tipo funcionário administrativo, mas companheiros de viagem, mesmo com as contradições da existência.
Qual é a situação das relações de família que os consultórios familiares estão registrando?
Simeone: Estamos registrando uma grande dificuldade das pessoas para viver a dimensão afetiva e relacional, mas a vontade de viver relacionamentos duradouros não morreu. O difícil é descobrir como vivê-los. Para isso, a Igreja tem que oferecer condições para as pessoas revisarem a sua experiência de relacionamento, nos consultórios familiares de aconselhamento de inspiração cristã. Infelizmente, muita gente não procura ajuda a tempo, só quando a relação já acabou. A mensagem que nós queremos transmitir é que qualquer situação difícil pode ser resolvida se for encarada a tempo. Eu gosto de pensar nos consultórios familiares como lugares onde a Igreja fica ao lado da família nas dificuldades cotidianas de relacionamento; lugares, como disse o papa Francisco sobre os religiosos, onde “acariciar os conflitos”. Se forem enfrentados da maneira certa, os conflitos podem promover a mudança e um novo caminho.