Formação

Como se forma a espiritualidade de uma vocação?

comshalom

Vinte e cinco anos! Tempo de Jubileu. Tempo de grandes graças. Tempo decontemplar o que Deus fez apesar de nossa fraqueza. Tempo de colher. Tempo depodar, de preparar novas mudas e replantar. Tempo de louvar, louvar, louvar.

Nesteespírito de Jubileu, a Shalom-maná abre este precioso espaço para que, olhandoos passos de Deus em nosso caminho, conheçamos melhor alguns aspectos daespiritualidade do Carisma Shalom. Comovocê sabe, a espiritualidade de um Carisma não é algo pronto. Não é algo que ofundador resolveu um dia escrever por achar bonito, por querer que todos vivamo que escreveu. Pelo contrário, é uma conjunção de elementos humanos,acontecimentos históricos, inspirações divinas que, pouco a pouco vãodelineando a forma de uma vocação relacionar-se com Deus e, a partir daí, cadapessoa consigo mesma, com os irmãos e com o criado. Tem início em umainspiração, mas só se concretiza ao longo da história de nossas vidas postas emcomum serviço.

Daí, a primeira pergunta talvez seja: Como se forma a espiritualidadede uma vocação? Ou, se você preferir: Como se revela a espiritualidade de umCarisma? É disso que trataremos brevemente.

A pessoa do fundador

Um primeiro e indispensável elemento é a pessoa do fundador: suahistória de vida, sua forma de relacionar-se com Deus, com a Igreja, com aPalavra, com o homem, com os irmãos, com os pobres, com as contingências de suavida, sua maneira própria de ver o mundo e de viver a fé, a esperança e acaridade.

Isso é feito ao longo de toda a sua vida. Antes mesmo de seu nascimentojá se pode e deve encontrar na história de sua família elementos do que sechama de “espírito do fundador”. Deus, que é o autor do Carisma, providenciasinais que poderão ser lidos depois pelos discípulos do fundador como elementosimportantes na formação da espiritualidade de sua vocação.

Na medida em que o fundador vai vivendo, o Carisma revela-se, comovimos, em sua história e visão de mundo. Isso, logicamente, de forma natural,espontânea, não programada. Ninguém nasce e cresce sabendo que vai fundar umacomunidade. Somente ao longo da vida – e, no nosso caso, depois que a Obra foifundada, com a lanchonete – a pessoa vai percebendo que Deus lhe deu doiscarismas essenciais para a fundação: o Carisma de Fundador (para fundar umacomunidade, instituto religioso, congregação, movimento, etc.) e o Carisma daFundação (ou seja, o Carisma que caracterizará o que fundou: CarismaFranciscano, Carisma Carmelita, Carisma Vicentino, Carisma Shalom). O primeiro,é exclusivo do fundador. Ninguém a não ser ele tem o Carisma de Fundador[1]. O segundo, o Carisma da Fundação, é o carismaque o fundador fará despertar, por identificação, em todos os seus discípulosou, se preferirmos uma linguagem mais técnica, o Carisma que o fundadortransmitirá aos seus discípulos. Estes, desde toda a eternidade, foram eleitospor Deus para viver este determinado Carisma e o trazem como parte de suaidentidade de filhos de Deus.

Ao longo da história de vida do fundador, vai-se delineando aespiritualidade de um Carisma a partir do que se chama de “espírito do fundador”que é, em resumo, a forma histórica como o fundador viveu e vive o Carisma daFundação. O Carisma da Fundação passa pela pessoa do fundador, necessariamente,mas independe dele. A Espiritualidade da Fundação também passa pela pessoa dofundador, necessariamente, e também independe dele. Já o Espírito do Fundador,não somente “passa” pela pessoa do fundador, mas o acompanha durante toda avida e depende essencialmente dele, pois é a forma como ele, e mais ninguém, o vive.

Enquanto vivo, viverá a Espiritualidade do Carisma de sua formaprópria, isto é, revelando o Espírito do Fundador. Uma vez falecido o fundadore o co-fundador[2], aEspiritualidade do Carisma, ou da Fundação, estará, já estabelecida. Da mesmaforma, o Espírito do Fundador. Este permanece na história, tradição eespiritualidade da fundação e deverá ser imitado e seguido por seus discípulos,mas, evidentemente, confinado ao tempo histórico do fundador. Caberá aos discípulos “cavar”, pesquisar,rezar, explicitar e vivenciar o Espírito do Fundador e a Espiritualidade daFundação e conservá-los vivos através de uma adesão vivencial. No entanto,estes não serão mais modificados, sob pena de se mutilar o próprio Carisma,revelado enquanto o fundador e co-fundador estiverem em vida.

Os discípulos

A existência de discípulos é o “atestado de Deus” de que um Carisma éautêntico. Pela identificação com o fundador e o espírito do fundador, elescomeçam a aproximar-se dele e se unirem a ele em sua missão e vocação. Estesdiscípulos, ao longo da história de um Carisma, serão formados de acordo com aEspiritualidade do Carisma (ou da Fundação) e com o Espírito do Fundador,levando-os adiante, através da vivência, mesmo após o falecimento deste. Daí a necessidade absoluta de, no tempo certo, sem queimar etapas, deixar-se bem clara a identidade de um Carisma, sua espiritualidade e o espírito do fundadore de se formar os discípulos segundo esta identidade e espiritualidade. Aprópria vivência dos discípulos, ao longo da história de vida do fundador, vaiconfirmando e modulando esta espiritualidade sem, entretanto, em nenhumahipótese, modificá-la.

As expressões

As expressões de uma espiritualidade são partes essenciais da mesma.Embora adaptável aos tempos e costumes em aspectos superficiais, hácaracterísticas de expressões da espiritualidade (no nosso caso, o louvor enossa forma de louvar, para dar só um exemplo) que não poderão ser modificadassem atingir profundamente a própria espiritualidade.

A Dimensão Cristológica e Evangélica

Ao longo da história do fundador, oEspírito o introduz no mistério de Cristo cumprindo uma ação iluminativa econformativa ao mesmo tempo. A partir da compreensão de um determinado mistérioe em torno a esse, articula-se, em uma síntese harmônica e completa, a visão detodo o mistério de Cristo e do seu Evangelho. Também em torno deste mistério,se harmonizam os elementos estruturais da vocação, o que dá a ela suacaracterística e identidade única.

A dimensão cristológica que o Espírito nos apresentoufoi a de Jesus Cristo como nossa Paz, o Ressuscitado que passou pela Cruz e noscomunica a Sua Paz, em Jo 20,19ss. Tal mistério cristológico, embora vivido portodos os cristãos, é entendido e vivenciado pelos que possuem o Carisma Shalomde forma única, a partir da estrada nova percorrida pelo fundador.

Ter clareza quanto ao mistério cristológico de umavocação é essencial para a identificação vocacional e adesão pessoalincondicional ao Carisma com a conseqüente e coerente vivência do mesmo.

 

A partir do próximo número, estaremos apresentando, ainda quebrevissimamente, alguns aspectos da Espiritualidade Shalom. Estamos conscientesde que ela não está ainda totalmente definida, uma vez que, graças a Deus,nosso fundador está vivo. No entanto, em vistas do jubileu e do rápidocrescimento e expansão da Comunidade e com o objetivo de partilhar nossa vivência com todos que odesejarem, nos aventuramos, conscientes de nossa imperfeição, a oferecer vislumbresdo que até hoje nos tem dado o Senhor neste aspecto.

 

MariaEmmir Nogueira

Paraaprofundar o assunto:

I Fondatori Uomini Dello Spirito,

Fabio Ciardi, ed. Città Nuova Editrice, 1982,

Roma, pp 387-391


[1] Éum engano pensar que toda vocação precisa ter um co-fundador; engano,igualmente, pensar que este tem “uma porcentagem” do Carisma de Fundador. OCarisma de Fundador e Co-fundador são dois carismas complementares, porémdiversos.

 

[2]Referimo-nos aqui ao co-fundador com relação ao carisma e não ao co-fundadorhistórico, como se denominam os irmãos que iniciaram com o fundador, mas nãotêm necessariamente o carisma de co-fundação.

 


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