Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap.
Meu sangue é verdadeira bebida
XX Domingo do tempo comum
Provérbios 9, 1-6; Efésios 5, 15-20; João 6, 51-59
«Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele.»
A passagem evangélica continua a leitura do capítulo VI de João. O elemento novo é que ao discurso sobre o pão, Jesus acrescenta o do vinho; à imagem do alimento, a da bebida; ao dom de sua carne, o de seu sangue. O simbolismo eucarístico alcança seu cume e sua totalidade.
Dissemos na semana passa da que para entender a Eucaristia é essencial partir dos sinais escolhidos por Jesus. O pão é sinal de alimento, de comunhão entre aqueles que o comem juntos; através dele, chega ao altar e é santificado todo o trabalho humano. Propomo-nos a mesma pergunta para o sangue. O que significa e o que evoca para nós a palavra sangue? Evoca em primeiro lugar todo o sofrimento que existe no mundo. Se, portanto, no sinal do pão chega ao altar o trabalho do homem, no sinal do vinho chega aí também toda a dor humana; chega para ser santificada e receber um sentido e uma esperança de resgate graças ao sangue do Cordeiro imaculado, ao que está unido como as gotas de água misturadas com o vinho no cálice.
Mas por que, para santificar seu sangue, Jesus escolheu precisamente o vinho? Só pela afinidade da cor? O que representa o vinho para os homens? Representa a alegria, a festa; não representa tanto a utilidade (como o pão), quanto o deleite. Não está feito só para beber, mas também para brindar. Jesus multiplica os pães pela necessidade das pessoas, mas em Caná multiplica para a alegria dos comensais. A Escritura diz que «o vinho recria o coração do homem e o pão sustenta seu vigor» (Salmo 104, 15).
Se Jesus tivesse escolhido para a Eucaristia pão e água, teria indicado só a santificação do sofrimento («pão e água» são de fato sinônimos de jejum, de austeridade e de penitência). Ao escolher pão e vinho quis indicar também a santificação da alegria. Que belo seria se aprendêssemos a viver também os gozos da vida eucaristicamente, isto é, em ação de graças a Deus. A presença e o olhar de Deus não ofuscam nossas alegrias honestas; ao contrário, as dilatam.
Mas o vinho, além de alegria, evoca também um problema grave. Na segunda leitura escutamos esta advertência do Apóstolo: «não vos embriagueis com vinho, que é causa de libertinagem; enchei-vos mais do Espírito». Sugere combater a embriaguez do vinho com «a sóbria embriaguez do Espírito», uma embriaguez com outra.
Atualmente existem muitas iniciativas de recuperação entre as pessoas com problemas de alcoolismo. Procuram empregar todos os meios sugeridos pela ciência e pela psicologia. Não se pode senão alentá-las e sustentá-las. Mas quem crê não deverá descuidar também os meios espirituais, que são a oração, os sacramentos e a palavra de Deus. Na obra O peregrino russo, se lê uma história certa. Um soldado escravo de álcool e ameaçado de ser licenciado foi até um santo monge para perguntar-lhe o que devia fazer para vencer seu vício. Este lhe ordenou que lesse cada noite, antes de deitar, um capítulo do Evangelho. Ele conseguiu um Evangelho e começou a fazê-lo com diligência. Mas pouco depois voltou desolado ao monge para dizer-lhe: «Padre, sou ignorante demais e não entendo nada do que leio! Dê-me outra coisa pra fazer». O monge lhe respondeu: «Continue somente lendo. Você não entende, mas os demônios entendem e tremem». Assim o fez, e foi libertado de seu vício. Por que não tentar?