A penitência é “um Sacramento da Nova Lei, instituída por Cristo, em que é outorgado o perdão dos pecados cometidos após o Batismo, através da absolvição concedida pelo sacerdote àqueles que com verdadeiro arrependimento confessam seus pecados e prometem oferecer a satisfação pelos mesmos. É chamado ‘Sacramento’ e não uma simples função ou cerimônia, pois é um sinal interno instituído por Cristo para transmitir graça à alma. Como sinal externo, compreende as ações do penitente ao se apresentar ao sacerdote e acusar os seus pecados, além das ações do sacerdote ao pronunciar a absolvição e impor a satisfação”[1].
É importante notar que “a confissão não é realizada no segredo do coração do penitente, nem tampouco [confessado] a uma pessoa comum, tal como um amigo ou confidente, nem mesmo a um representante da autoridade humana, mas sim a um sacerdote devidamente ordenado com a jurisdição requerida e com o poder das chaves, isto é, o poder de perdoar os pecados, que Cristo outorgou à Sua Igreja”[2].
As finalidades do presente estudo consistem em aprofundarmos na fundamentação bíblica e histórica deste Sacramento e analisarmos à luz desta evidência os erros introduzidos na raiz da Reforma Protestante, como também as distorções históricas efetuadas pelas denominações surgidas a partir de então, a ponto de se converter em uma “história alternativa” totalmente diferente da real.
O FUNDAMENTO BÍBLICO
A faculdade que a Igreja tem para conceder em nome de Deus o perdão dos pecados provém do próprio Cristo, que conferiu esta faculdade aos seus Apóstolos quando disse-lhes: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Após dizer isto, soprou sobre eles e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, estes serão perdoados. Aqueles a quem os retiverdes, estes serão retidos”[3]. Disse ainda a Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; e o que desligares na terra será desligado nos céus”[4]; e também aos Apóstolos: “Eu vos asseguro: tudo o que ligares na terra será ligado no céu; e tudo o que desligares na terra será desligado no céu”[5].
O significado de ligar e desligar não se limita à autoridade de definir o que é lícito e o que não é no tocante a doutrina, mas também a faculdade de conceder o perdão dos pecados, já que o poder outorgado aqui não é limitado: “TUDO o que ligares”, “TUDO o que desligares”. Esse poder, por sua vez, é confirmado explicitamente por Cristo ao permitir ou reter os pecados.
CONFISSÃO
Esta espécie de objeção comete o erro de confundir QUEM concede o perdão (Deus) com o MEIO que Deus utiliza para administrá-lo (o sacerdote). O texto bíblico acima citado não contradiz a confissão dos pecados perante o sacerdote ou a Igreja, mas o deixa implícito (parte de algo que já se sabia – que à Igreja foi outorgada a faculdade de perdoar os pecados – para nos dar a entender que Deus é fiel e justo para perdoar aquele que reconhece suas faltas). Isto se torna mais claro quando analisamos o contexto inteiro. O versículo anterior diz: “Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos”, que complementa o seguinte: “[porém] se reconhecemos os nossos pecados, fiel e justo é Ele para nos perdoar”. O texto é em si uma exortação ao reconhecimento das próprias faltas (ao invés de negá-las) e nunca uma desculpa ou aval para confessarmos os nossos pecados diretamente a Deus.
Também é incorreto afirmar que Cristo admitiu que apenas Deus perdoa o pecado. A Escritura assinala que Ele tem a faculdade para fazê-lo, sem entrar em polêmica sobre a sua divindade: “Pois para que saibais que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar os pecados”[8]. A seguir prova, através de um milagre físico (o sinal externo da cura do paralítico), o que é um verdadeiro milagre espiritual (a realidade interna do perdão do pecado). Por fim, na conclusão deste ensinamento, nos é declarado: “E ao ver isto, as pessoas temiam e glorificavam a Deus por ter dado tal poder aos homens”[9]. É óbvio que isto não se referia à saúde física, que era a prova tangível de um milagre muito mais portentoso, mas ao milagre em si da cura espiritual do enfermo mediante o perdão dos pecados. E mesmo que Cristo, nesse momento, quisesse reconhecer tal fato implicitamente (coisa que não admitimos), isto tampouco impediria que Cristo pudesse posteriormente transmitir esse poder aos seus Apóstolos, como está firmemente atestado na Escritura.
Tampouco é certo que nenhum Apóstolo ou outro discípulo tenha atuado de confessor, ou de que inexiste na Escritura a menção de confessar os pecados a algum homem. Existem referências bíblicas explícitas que jogam por terra essas afirmações, demonstrando que os pecadores arrependidos não se limitavam a uma confissão interior. O Evangelho de Marcos narra como aqueles que procuravam João Batista para ser batizados lhe confessavam os seus pecados: “Acudia a ele gente de toda a região da Judéia e de toda Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando seus pecados”[10]. O mesmo se afirma daqueles que, ao converterem-se, acudiam aoshttp://blog.cancaonova.com/padresilvioandrei Apóstolos: “Muitos dos que haviam crido vinham confessar e declarar suas práticas”[11]. Há evidência também de que o pecador não apenas devia confessar o seu pecado a Deus, mas também à Igreja: “Confessai, pois, mutuamente os vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados”[12].
Mesmo que não vejamos nestes textos uma confissão auricular tal como a conhecemos hoje, podemos constatar dois fatos chaves: Cristo concedeu aos Apóstolos a faculdade de perdoar pecados e o pecador não se limitava à confissão interior. Como poderiam os Apóstolos perdoar pecados secretos a menos que os fiéis os confessassem?
É incorreta também a objeção de que quando na Escritura se ordena confessar os pecados estaria se referindo a pedir perdão aos irmãos que ofendemos. Ainda que uma ofensa seja pecado, nem todos os pecados são ofensas ao próximo. Tal reducionismo seria distorcer o significado real e completo do texto.
Quando a Escritura fala de confissão dos pecados, não se refere a pedir perdão a algum irmão por tê-lo ofendido. Compare-se este entendimento com Marcos 1,5: “Acudia a ele gente de toda a região da Judéia e de toda Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando seus pecados”. Deveríamos interpretar que toda a gente da Judéia e Jerusalém teriam ofendido João Batista? Se o aplicarmos a Atos 19,18, “Muitos dos que haviam crido vinham confessar e declarar suas práticas”, deveríamos interpretar que todos os novos convertidos teriam ofendido os Apóstolos? Note que o texto aqui é particularmente claro, porque fala de confessar e declarar “suas práticas”, não suas ofensas. Recordemos também que o primeiro ofendido por nossos pecados é Deus, pois todo pecado é primeiramente uma violação da justiça divina.
EVIDÊNCIA DA RECONCILIAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
A realidade sacramental da Igreja é precedida na história por seu modelo profético: a Lei Mosaica. Nela vemos (Levítico, capítulos 4 e 5) que Deus exigia um sacrifício cerimonial pelos pecados ofendidos. O sacrifício se realizava no Tabernáculo (posteriormente no Templo) e diante dos sacerdotes, o que em si era uma admissão pública do pecado. O exercício destas cerimônias não apenas era público, como também ensinava ao povo a inevitável conseqüência do pecado: a morte. O animal que era sacrificado morria em lugar do pecador. O modo de execução desses sacrifícios era inevitavelmente um equivalente ao Sacramento da Reconciliação, em que tanto o sacerdote quanto o fiel tinham [e têm] uma participação claramente definida.
“Se for alguém do povo quem pecou involuntariamente, cometendo uma ação proibida por um mandamento do Senhor, tornando-se assim culpado, trará para sua oferta uma cabra sem defeito, pela falta cometida, logo que tiver tomado consciência de seu pecado. Porá a mão sobre a cabeça da vítima oferecida pelo pecado e a imolará no lugar onde se imolam os holocaustos. Em seguida, o sacerdote, com o dedo, tomará o sangue da vítima, e pô-lo-á sobre os cornos do altar dos holocaustos, derramando o resto ao pé do altar. Tirará toda a gordura, como se fez no sacrifício pacífico, e a queimará no altar, como agradável odor ao Senhor. É assim que o sacerdote fará a expiação por esse homem, e ele será perdoado. Se for um cordeiro que oferecer em sacrifício pelo pecado, oferecerá uma fêmea sem defeito. Porá a mão sobre a cabeça da vítima oferecida pelo pecado e a imolará em sacrifício de expiação no lugar onde se imolam os holocaustos. Em seguida, com o dedo, tomará o sacerdote o sangue da vítima oferecida pelo pecado, e o porá sobre os cornos do altar dos holocaustos, derramando o resto do sangue ao pé do altar. Tirará toda a gordura como se tirou a do cordeiro do sacrifício pacífico, e a queimará no altar, entre os sacrifícios feitos pelo fogo ao Senhor. É assim que o sacerdote fará a expiação pelo pecado cometido por esse homem, e ele será perdoado” (Levítico 4,27-35).
EVIDÊNCIA HISTÓRICA
Existe uma grande variedade de distorções históricas acerca do Sacramento da Penitência entre as denominações protestantes. Algumas vêem a confissão auricular (componente importante do Sacramento) como uma invenção do segundo milênio. Um exemplo deste tipo de distorção encontramos no “Manual Prático para a Obra do Evangelismo Pessoal”, acima citado, que a este respeito afirma:
“A confissão auricular aos sacerdotes foi oficialmente estabelecida na Igreja Romana no ano de 1215. Mais tarde, no Concílio de Trento, em 1557, foram pronunciadas maldições para aqueles que leram a Bíblia o suficiente para deixar de lado a confissão auricular”[13].
É importante esclarecer que as definições dogmáticas dos Concílios não podem ser interpretadas como se estivessem de alguma maneira introduzindo uma nova doutrina [na Igreja]. Estas são expedidas quando alguma verdade fundamental é questionada ou necessita ser definida claramente para o bem dos fiéis.
É importante esclarecer ainda que a confissão auricular, com o passar do tempo, se desenvolveu em sua forma exterior até atingir a forma como a conhecemos hoje. Mas veremos que sua essência encontra-se no fato reconhecido da reconciliação do pecador se dar por intermédio da autoridade da Igreja. E esse fato faz parte do legado da Igreja, existindo desde o momento em que Cristo outorgou referido poder aos Apóstolos. Comprovaremos que a disciplina penitencial, inclusive a confissão dos pecados diante do sacerdote e da Igreja, existe deste a Era Apostólica.
Examinemos a Didaqué (redigida entre 60 e 160 d.C.), considerada um dos mais antigos escritos cristãos não-canônicos e que pode anteceder boa parte dos escritos do Novo Testamento, já que estudos recentes apontaram que a data possível de sua composição é anterior ao ano 160 d.C. Trata-se de um excelente testemunho do pensamento da Igreja primitiva. Referido documento é insistente em exigir a confissão dos pecados antes do recebimento da Eucaristia:
“Na reunião dos fiéis, confessarás os teus pecados e não te aproximarás da oração com má consciência”[14].
Na Didaqué temos, então, um antiquíssimo testemunho histórico que se opõe à posição protestante de confessar os pecados diretamente a Deus.
Notas:
[1] Enciclopedia Católica.
[2] Enciclopedia Católica.
[3] João 20,21-23.
[4] Mateus 16,19.
[5] Mateus 18,18.
[6] Manual Prático para a Obra do Evangelismo Pessoal. Igreja de Deus (Israelita).
[7] A Confissão Auricular, Daniel Sapia, www.conocereislaverdad.org.
[8] Mateus 9,6.
[9] Mateus 9,8.
[10] Mateus 3,6.
[11] Atos 19,18.
[12] Tiago 5,16.
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Fonte: Por José Miguel Arráiz / Veritatis Splendor