Caminhando à beira da praia, sentindo as águas geladas do Pacífico molhando seus pés e as frias pedrinhas entre seus dedos, os braços cruzados para se proteger do vento com os olhos fixos no horizonte onde o sol dava seu espetáculo lançando sobre a terra seus últimos raios dourados, enquanto mergulhava no oceano. Não havia quase ninguém na praia naquela hora, uns poucos banhistas, uma ou outra criança correndo para lá e para cá observadas por seus pais.
Carmem sentiu um súbito frio, uma sensação de que sua vida não estava totalmente em suas mãos, sentiu um vazio profundo como se tudo não tivesse muito sentido, como se suas escolhas fossem automáticas sem tanta reflexão. Sentou ali mesmo onde estava sem se importar em se molhar. Tudo caiu de golpe sobre ela, foi algo tão repentino, talvez motivado por aquele breve momento de reflexão observando o pôr do sol, ou aquele frio que a invadiu, mas tudo foi tomando forma dentro dela, seu trabalho, sua família, seus amigos, sua vida financeira estável, nada daquilo a preenchia de verdade, era como se fosse um autômato, apenas reproduzindo movimentos e comportamentos para agradar a outros talvez.
Ao lembrar de sua família, percebeu que fazia muito tempo que não visitava seus pais ou seus irmãos, nem mesmo conhecia seu sobrinho que havia nascido faz alguns meses, que ela nem recordava ao certo quando exatamente. Seus amigos, que ela até via com mais frequência, se reduziam a meia dúzia de pessoas que foram seus colegas de universidade. No seu trabalho, era muito competente e eficiente, mas não tinha uma relação profunda com seus colegas, nem mesmo conhecia os que eram mais “próximos”. Morava sozinha e não tinha outra preocupação além do próprio sustento. Tudo era para ela, vivia para satisfazer a si mesma em todos os seus caprichos.
Aquela experiência de encontro com a própria verdade a fez entender a profunda solidão em que vivia e, ao se deparar com o próprio vazio, se assustou.
Com o olhar voltado para o céu, foi invadida por uma presença que ela não soube explicar, algo como uma marca do eterno, uma certeza vívida de que não estava sozinha, de que, mesmo diante de tudo que experimentava naquele momento, ali não era o fim, que ela podia recomeçar, tomar o caminho de volta ao outro, reencontrar-se com aqueles que ela havia perdido pelo caminho. Se tinha chegado naquele ponto, podia refazer o caminho.
Assim como o sol se despedia daquele dia, ela se levantou se despedindo daquela mulher que havia sentado na beira do mar, invadida por uma nova esperança em um novo amanhecer.
Que reflexão maravilhosa sobre a experiência de vida e missionariedade aqui nessa Terra. Somos de fato transeuntes que não se basta a si mesmo, que não se preenche com coisas que passam, pois Deus nos constituiu Comunidade pois somos seres inacabados, conforme o educador Paulo Freire e precisamos uns dos outros para sermos plenos e chegarmos a viver o Paraíso.
Olhar para dentro de si e ver por quais caminhos sua vida tem trilhado, onde você chegou e por onde este caminho parece te levar, são questionamentos e afirmações que temos diariamente, mas este olhar para o céu, essa abertura de ouvidos e coração, este é um caminho de salvação. Que o Senhor nós dê a graça de constantemente trilhar esse caminho de converção e salvação. Ótima crônica! 👏👏👏