A economia civil católica sempre considerou maniqueísta dividir as empresas entre “boas” e “más” com base exclusivamente na busca ou não do lucro. Esta visão é fruto da matriz cultural estatista ou neoliberalista.
A Doutrina Social da Igreja (DSI) sempre denunciou os limites dessa visão e, mais recentemente, em meio à crise financeira, mostrou um caminho às sociedades pós-modernas com a Caritas in Veritate. Para a DSI, a empresa deve poder combinar o lucro com valores como a generosidade, a fraternidade, o bem comum, as virtudes cívicas, o doar, o incluir, e assim por diante.
No tocante ao crowdfunding cívico, a Consob (Comissão Nacional para as Empresas e a Bolsa de Valores), na Itália, deu uma sacudida inicial no baluarte ideológico sobre a distribuição de lucros nas empresas de tipo social. A regulamentação da captação online de capital, publicada na última sexta-feira pela comissão, reconhece o status de empresa social também para as empresas sociais que no futuro poderão remunerar o capital de risco.
Mais especificamente, o regulamento incorpora os conceitos da lei anterior e estabelece que, para entrar no civic crowdfunding, uma empresa deve ser uma “startup inovadora”. Mas o alcance ultrapassa as fronteiras tecnológicas. No item C do artigo 2 do regulamento, a Consob define como “emissor” do crowdfunding cívico“as startups inovadoras, incluindo as startups com vocação social, como definidas no artigo 25 do decreto” (decreto-Lei 179, de 18 de outubro de 2012).
Em outras palavras, é reconhecida a figura jurídica das startups com vocação social.
O decreto configura a empresa inovadora e descreve a dimensão social prevendo como startupsde vocação social aquelas que operam exclusivamente nas áreas “de utilidade social”, como a assistência social e a proteção do meio ambiente. A única condição restritiva para se encaixar na figura legal da startup inovadora: não distribuir lucros aos próprios sócios durante quatro anos. No regulamento Consob, porém, não há nenhuma referência ao polêmico artigo 3 da Lei 155, que reafirma a necessidade, nas empresas sociais, de não visar o lucro e de não distribuir lucros.
O debate já dura décadas, entre aqueles que permanecem ancorados à ideologia do “sem fins lucrativos” e do terceiro setor. Infelizmente, o caráter ideológico também afetou os resultados esperados pela Lei 155. Uma tentativa de mudar as regras italianas sobre a empresa social foi a proposta de emenda da Lei de Estabilidade 2013, que visava eliminar a proibição absoluta da distribuição de lucros (substituindo-a por um teto de 50%) e para categorias específicas de sócios que não pudessem ter cotas de controle da empresa. A proposta de emenda, infelizmente, foi fortemente contestada pela oposição e o governo a retirou.
Esta derrota parlamentar representa o húmus cultural maniqueísta que confunde “a distribuição de lucros” com a “especulação”. Espera-se que o crowdfunding cívico e a regulação Consob reformem o conceito de empresa social na Itália e, de modo mais geral, também o conceito de empresa civil.
Infelizmente, porém, este bloqueio ideológico acontece justo na pátria histórica da economia civil [a Itália], ao passo que nos EUA, a terra da diferenciação entre “sem” e “com fins lucrativos”, o tabu foi superado e empreendeu-se o caminho do “for benefit“. Trata-se de um modo de fazer empresa que não nega a possibilidade de distribuir lucros e remunerar o capital ao mesmo tempo em que se faz uma empresa social.
Este ponto de vista, quando unido aos valores da generosidade e da fraternidade, se encaixa na experiência de economia civil proposta pela Caritas in Veritate e pode abrir caminho para uma quarta forma de empresa, contribuindo para o desenvolvimento econômico civil e para a solução dos problemas sociais. Em última análise, é um novo modelo de política econômica civil.
Neste sentido, está em andamento um equity crowfunding aplicado à empresa social, o primeiro do seu tipo no mundo a produzir um resultado como este: levantar capital difuso junto a pessoas que querem combinar valores sociais com remuneração do capital. Em outras palavras, a bondade social da ideia consiste exatamente em dar a partida a uma trajetória empresarial de sucesso, capaz, ao mesmo tempo, de dar respostas de valores e ser sustentável economicamente, remunerando com equidade o capital. Aciona-se, assim, um círculo virtuoso e civil. De outra forma, o equity crowfunding não seria necessário: “bastariam” as doações.
Carmine Tabarro