Nasci em uma família tradicionalmente muito católica. Rezávamos o terço em família diariamente. Muitas vezes acompanhei minha mãe em suas viagens “missionárias” quando trabalhava na Caritas como agente social.
Realizava também estudos bíblicos na favela para as famílias e lá estava eu, testemunhando aquilo tudo e participando como podia – lembro-me que minha mãe preparou um caderno de atividades onde eu desenhava a cena bíblica lida e escrevia alguma frase que fosse forte naquela leitura, claro, tudo orientado por ela. Enfim, estímulos não faltaram para que eu fosse uma mulher de Deus, como dizemos entre nós, cristãos.
O tempo passou e eu entrei na faculdade: anos 80, ideologia marxista alimentando nossos sonhos de um mundo melhor e com uma herança ideológica positivista e absolutista na forma de ler a realidade e de comportar-se diante dela. Embarquei assim na corrente intelectual predominante no meio universitário. Assim, não havia lugar para a fé – era incoerente com a doutrina marxista que eu assumia de forma radical como postura científica.
Sem uma experiência forte de Deus, questionei sua existência, questionei a igreja como instituição. E encontrei um “prato cheio” para realizar minha monografia de conclusão do curso de Serviço Social: “A Correlação de forças a nível do poder local”. Nela, focalizei especificamente o poder ideológico da Igreja, buscando provar seu interesse de manutenção de poder junto à sociedade. Apresentei um dossiê com relatos de fiéis revoltados com atitudes claramente anti-evangélicas numa determinada diocese. Relacionei com “sucesso” a teoria marxista à práxis da Igreja Católica (unindo poder econômico e político).
Até cheguei a analisar ideologicamente à luz do marxismo alguns discursos de João Paulo II, tentando demonstrar as intenções escamoteadas da Igreja, quanto à manutenção do seu “status quo”. Apresentei o trabalho de conclusão de curso alcançando nota máxima com louvor.
Os anos se passaram. Busquei muitas outras formas de preencher a sede do Absoluto que trazia em mim, o anseio profundo do coração humano – a transcendência. Após 10 anos aproximadamente, já cansada do meu vazio existencial, ainda “perseguidora” da Igreja, fui tocada pelo testemunho de um empresário que envolvia-se na luta pela causa do menor de rua. Por essa causa foi humilhado e testemunhou que ali estava porque via Jesus naqueles meninos.
Atraída por essa gratuidade de serviço que eu não compreendia na minha mente marxista fui ver para crer, aceitando o convite dele para um encontro de lideranças, no qual, Deus providenciou meu ingresso como “penetra”, já que eu não freqüentava nada na Igreja.
Ali reencontrei o que pensava ser uma mentira, reencontrei de forma clara e profunda o Deus vivo (experiência que a ciência não pode explicar). Tudo foi mudando em mim… E hoje, membro da Comunidade Shalom, diante da perda de João Paulo II, chorei. Só a fé pode consolar-me diante dessa lacuna que fica na história da humanidade: o único líder mundial que manteve uma coerência radical de convicções, sem deixar de ser profundamente humano e paternal, defensor corajoso da dignidade humana, homem da paz e da reconciliação – representante de Cristo entre nós! Denunciou com coragem e misericórdia os erros graves da humanidade, dos responsáveis pelas nações, mas sem deixar de acolher a todos como filhos e irmãos!
A fé me faz aceitar sua partida, confiante de que ele continuará a sua missão com Jesus e Maria no céu. Peço perdão a João Paulo II, peço perdão à Igreja e aos irmãos por querer reduzir a Igreja a uma instituição meramente humana. Hoje sei que a verdade plena está em Deus, que a Igreja é depositária das verdades reveladas em Jesus Cristo. E a ciência, que estará sempre buscando a verdade, não deve perder de vista que somos criaturas falíveis e corruptíveis no nosso exercício de pensar e agir. Hoje sei que a Igreja é santa, porque é assistida pelo Espírito de Deus, e que é também pecadora, pois constituída por homens. Peçamos a Deus (a sabedoria perfeita e insondável), que nos faça testemunhas fiéis do Seu amor e da verdade que Ele nos faz conhecer.
Ana Laura Martins