A passagem de Mateus 13,1-23 que narra a parábola do Semeador, nela Jesus conta a história de um semeador que lançou sementes em diferentes terrenos, realizando assim uma analogia com a ação da Palavra de Deus na vida das pessoas.
Essa passagem marca a identidade da missão da Comunidade Católica Shalom de Chaves, na Ilha do Marajó (PA), já que o mistério da Capela do Espaço de Paz é o Divino Semeador.
É importante destacar que o Espaço de Paz de Chaves é recente, foi inaugurado em 17 de março de 2022. E foi nessa ocasião que a Capela do Divino Semeador foi abençoada pelo bispo da Prelazia do Marajó Dom Evaristo Spengler – atual bispo da Diocese de Roraima.
Desde então, tanto o ícone da Virgem Marajoara quanto do Divino Semeador têm atraído fiéis do Brasil e até de outros países que viajam a Chaves para serviço voluntário.
Um deles é o Padre Rafael Silva, sacerdote da Comunidade Vida Shalom em Brasília, que participou da Expedição Colônia de Férias 2023 e relata sua experiência com os ícones da Virgem Marajoara e do Divino Semeador:
“Eu estou aqui só pela intercessão da Virgem Marajoara. Se não fosse ela, eu não estaria aqui. Nossa Senhora me fez vir aqui, ela, a Virgem Marajoara que aponta pro Divino Semeador, pra Cristo.”
“Eu nunca vi um ícone que mostra Jesus no sentido sem ser a paixão, Jesus sangrando, caminhando, ressuscitado. Outro ponto é que Jesus pisa e o sangue de Cristo está na terra, está no chão, está no caminho bom. É como ele vai derramando o sangue dele ali. E aqui poder tocar na oferta dos irmãos que moram aqui, poder também derramar minha oferta aqui e testemunhar pelos frutos que estão por aqui. A gente talvez não vai ver. Mas pode acontecer, eu velhinho ter uma pessoa de Chaves cuidando de mim na Comunidade de Vida, na Comunidade Aliança, me sustentando. Então a gente vai colher os frutos bem além.” Relata o sacerdote Rafael da Comunidade de Vida.
Padre Rafael Silva | Expedição Colônia de Férias 2023
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RELEMBRE MOMENTOS DA INAUGURAÇÃO EM 17/03/2022
A Comunidade Shalom traz em sua espiritualidade uma veneração particular pelos ícones, pois, por meio deles é motivada a oração, a contemplação, um mergulho nos mistérios de Cristo e na verdade do Evangelho. Aquele que contempla um ícone permite brotar de seu interior o desejo de ver a face de Deus e ser transfigurado por Ele.
Desse modo, o conselho local da missão de Chaves, preparando-se para a construção do Espaço de Paz, rezou para compreender qual o mistério divino para as ações apostólicas da Comunidade na região.
Da oração de escuta dos missionários dois pontos se sobressaíram, a passagem dada de Mateus 13, 1-13 e a profecia de que Nossa Senhora seria para os chaveenses um refúgio.
Foi então que, com a partilha da oração dos missionários e a experiência vivida em Chaves que o iconógrafo Eduardo Silva, consagrado da Comunidade Vida Shalom, assumiu a missão de pintar os ícones da Capela do primeiro Espaço de Paz.
Eduardo teve como fundamento teológico e mistagógico para a execução do projeto, a passagem da parábola do Semeador. Ele comenta que a ideia inicial era que o ícone fosse feito em formas, cores e aspectos únicos para favorecer às pessoas da região uma experiência pessoal com Jesus Cristo.
“Então para isso foi preciso algumas pesquisas na dimensão cultural e geográfica da região, como aconteceu com a Virgem Marajoara, mas, antes mesmo dela, isso foi feito em vista d’Ele, do Divino Semeador. Após isso, houve outro aspecto de pesquisa, digamos, “pesquisa real” que era a experiência que eu mesmo fui tendo com a região, com o povo de Chaves, isso também serviu de pesquisa e de inspiração para a execução do ícone do Divino Semeador”, explica o missionário.
Sobre a terra da Virgem Marajoara
Chaves é um dos dezesseis municípios paraenses que compõem a Ilha do Marajó que é banhada pelo Rio Amazonas.
Segundo a história local, a origem de Chaves deriva de uma antiga aldeia da tribo dos índios Aruãs, que foram catequizados pelos Padres Capuchinhos da Província de Santo Antônio. No dia dezessete de março de 1996 chegaram os primeiros missionários da Comunidade Shalom em Chaves.
Na comemoração dos vinte seis anos da presença do carisma na região, a missão deu para a Igreja um presente: o Espaço de Paz. Este foi construído para ser “oásis de misericórdia”, um local onde voluntários do mundo todo, dispondo de seus dons e profissões contribuirão com promoção da cultura de paz por meio de oficinas, cursos e outros em lugares onde há vulnerabilidade social, como é o caso de Chaves.
Natureza amazônica representada no Sagrado
Situada na região amazônica, a Ilha do Marajó é bela e rica na sua diversidade de natureza. Também as características da região foram destacadas na obra, como é o caso do rio Amazonas, a vegetação e as aves presentes na pintura.
“As aves que voam em torno de Jesus na direção do sacrário, ‘buscam um ninho para si’, são aves próprias daquele local, mas elas têm também no seu movimento na direção para onde elas vão, esse apontar para o verdadeiro abrigo, que é o sacrário (Eucaristia), é lá onde elas – nós – encontram o alimento, um abrigo para si”,
Além disso, o caminho que Jesus anda no ícone é muito semelhante ao caminho que diariamente os missionários percorrem do centro do município de Chaves até o Espaço de Paz.
O ícone detalha a parábola em seus vários momentos, um detalhe inusitado, é que os frutos do terreno bom crescem em direção ao sacrário representando a fecundidade da oferta de Jesus e do seu sacrifício Eucarístico.
Eduardo salienta ainda que cada indivíduo pode fazer uma leitura pessoal do ícone, mas de forma muito prática ele é a representação da missão do Espaço de Paz, de favorecer que todas as pessoas recebam as sementes da Palavra de Deus e que elas, embora caiam em terrenos distintos, jamais deixem de ser lançadas e que também sejam oportunidades de crescimento e de desenvolvimento humano em uma dimensão real e concreta na vida de cada um.
“Não apenas espiritual, que já seria muito, mas também na dimensão prática da vida do homem, eles vão por meio da nossa missão como Espaço de Paz, poder crescer humanamente”.
A mãe do Divino Semeador
“A Virgem Marajoara não foi intencional. O Cristo quando começou a ser feito, Ele foi mais intencional, realmente. Deus foi me mostrando e agindo ali e queríamos realmente fazer um Cristo com a ‘cara’ daquele povo, um Cristo com aspectos do povo, isso eu pensava mais na dimensão da natureza, nem tanto o aspecto físico dele, mas até o aspecto físico foi sendo alterado através do ícone da Virgem Marajoara”, revela ele.
Eduardo explica que sua primeira intenção era iniciar com o ícone do Divino Semeador, mas por causa de imprevistos teve de começar pintando a Virgem Marajoara, que a princípio seria Nossa Senhora do Refúgio.
“Mas o que eu já tinha pesquisado do Cristo serviu de base para surgir a Mãe de Deus, então Cristo se fez base para que ela fosse nascendo, essa nova imagem da Virgem Maria, então ela surgiu com esses traços marajoaras, depois veio a experiência com a criança chaveense e o rosto do menino Jesus”, explica ele.
Apesar de serem de tamanhos diferentes, a Virgem demorou cerca de oito dias para ser feita, mais da metade do tempo que Eduardo tinha disponível para a execução dos dois. Para Eduardo a pintura do Divino Semeador foi algo “sobrenatural”, já que ele mede em torno de 3mx6m.
“Deus foi agindo por meio dessa imagem da Virgem que já estava pronta para firmar dentro de mim a imagem do Filho dela”, recorda ele.
“Foi mais rápido e mais fácil, porque eu fiz por meio dela a imagem que me foi dada d’Ele. Apesar de ter sido feito um esboço antes, foi a imagem que ela construiu ao longo dos oito dias dentro de mim, então foi muito rápido. Eu nunca pintei com tanta segurança e com tanta rapidez, foi algo sobrenatural, eu não seria capaz de fazer aquilo novamente, nunca”, afirma o consagrado.
De acordo com o iconógrafo, a relação entre os dois ícones reflete a dimensão mariana e cristológica da Igreja.
“Cristo que é Deus e Deus que cria Maria, Ele junto ao Pai e ao Espírito Santo, a Trindade, pensam e criam a Virgem Maria e Maria se torna o lugar do nascimento do Deus feito homem que é Cristo, então Maria também dá a luz ao seu Criador, Aquele que a criara, nasce por meio dela na aparência humana, esse é o mistério Eucarístico e mariano da Igreja, mistérios que são profundamente contemplados nessa capela. Na Igreja e nessa capela”, ressalta ele.
Os gestos de Jesus
Para Eduardo, os elementos principais do ícone são os gestos de Jesus.
“A sua destra que lança as sementes e que junto a essas sementes Ele lança ali o Seu Sangue, a Sua Misericórdia no terreno, que no fim das contas é o coração do homem”.
Eduardo também conta que o Semeador ao mesmo tempo que lança as sementes e estende o seu braço, o faz numa atitude de acolhida.
“Ele acolhe as pessoas que chegam, Ele acolhe com o seu braço aberto, Ele acolhe com seu olhar que olha de forma pessoal para cada pessoa, porque o Ícone do Divino Semeador é um ícone de experiência pessoal”.
“Antes mesmo de ser olhado, Ele olha! Antes de ser encontrado, Ele vai ao encontro! Antes de ser amado, Ele ama! Antes de ser buscado, Ele busca! Ele encontra, todo Ele é movimento… Então Ele está indo ou vindo em nossa direção, é interessante. Ele não está simplesmente passando, Ele está agindo e fazendo, no agora! Então os gestos d’Ele representam isso”, explica.
Semeador aponta para a dignidade do homem
Para além de uma experiência espiritual, Eduardo afirma que a postura ativa de Jesus proporciona também uma experiência humana:
“Ele, nessa postura ativa, de trabalho, de serviço, de um labor, de um trabalho incansável no desejo de salvar as almas, de lançar no coração das pessoas a Palavra do Pai, fala do trabalho humano, da dignidade que o trabalho humano traz para o homem, em Chaves, o que o Espaço de Paz também é.”
Além disso, ressalta o trabalho socioeducativo realizado no Espaço de Paz que tem por missão educar para a paz e colaborar para transformar os corações, por meio de um processo formativo integral, desenvolvendo a dimensão humana, social, cultural e espiritual.
“Deus também deseja dar a elas essa experiência de construção, de serem pessoas ativas na sua vida e desenvolver a sua vida e trabalhar, e o trabalho vai dignificando o homem. Jesus é o Divino Semeador, mas Ele é o Divino Semeador ativo, na prática, não só Aquele que deseja dar o alimento espiritual, mas também dar o alimento humano. Ensinar o homem a trabalhar e com o suor da sua fronte, fecundar a sua vida, gerar os meios necessários para o seu próprio desenvolvimento. De alguma forma esse também é um símbolo a ser notado no ícone”.
Por meio do ícone, também se revela o papel dos missionários da região, que segundo ele é lançar sementes e favorecer a experiência das pessoas beneficiadas com o Espaço de Paz.
“Ele é referência desse trabalhador que não se cansa, que se doa, que se oferta tendo em vista a sua família, família de Cristo que é a Igreja. Mas cada pessoa ali, que vai naquela capela, que tem a sua família, vê também n’Ele essa referência de homem trabalhador que não se cansa de trabalhar tendo em vista a manutenção da família, a criação dos filhos…”, destaca Eduardo.
Para ele, o Espaço de Paz proporciona às pessoas uma experiência maior de dignidade humana, revelando o sentido do trabalho, da profissionalização, da busca de novos meios, novas formas, capacitações, tendo em vista o desenvolvimento humano, local e cultural.
Sementes de sangue e de ouro
Além dos gestos de Jesus, outro elemento que chama a atenção no ícone são as sementes de cores vermelha e dourada que representam simbolicamente a misericórdia e a dimensão divina de Jesus (graça).
Uma curiosidade sobre elas é que seu formato foi inspirado a partir da semente do açaí, fruto tradicional da região, uma das principais fontes de renda local e o cesto utilizado por Jesus é o “paneiro”, instrumento utilizado na região para colher o açaí.
Nossa missão é semear
A responsável local da Comunidade Shalom em Chaves, Dilma França, explica a representatividade do ícone para a ação evangelizadora na região. Ela está em Chaves há treze anos e acompanha a missão desde a idealização do Espaço de Paz, sua construção e funcionamento.
“Vocês veem aqui o céu belíssimo que é próprio do que é nosso: as aves – andorinhas, guarás, garças. Por trás você vê as águas marrons que banham toda a ilha, a vegetação vasta. Ele fez questão de desenhar os espinhos como diz a parábola, as aves que comem, as pedras. Esse caminho aqui todo é o caminho que fazemos todos os dias para chegar até o Espaço de Paz. E o Divino Semeador lança a semente mas, detalhe, o mais importante é que ela é banhada pelo sangue e a água que jorra do lado aberto do ressuscitado que passou pela cruz. Quando essas sementes são banhadas com largueza Ele vai lançando essas sementes. Ele quer nos ensinar que a nossa missão é semear com largueza. Precisamos lançar as sementes com esperança e paciência. Por fim vamos vendo os trigos e as folhas de parreira para lembrar que só iremos conseguir sustentar essa missão se estivermos alimentados diariamente pela Eucaristia”, explica a consagrada.
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Por: Socorro Mouta
Revisão: Ariane Leal
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