Novembro nos reserva o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados, logo ao início do mês. São marcos que se colocam ao longo da caminhada para lembrar-nos o sentido de nossa vida. Na época do consumismo tudo serve para satisfazer o imediatismo e cultivar sensações.
No primeiro domingo de novembro, ou no próprio dia primeiro do mês, celebramos a festa de Todos os Santos. Falar de todos os santos não é buscar conhecer todos os santos do calendário ou das imagens de nossas igrejas que lembram heróis proeminentes da santidade, como personagens especiais, particularmente os proclamados nas canonizações.
A santidade possui algumas chaves. Cristo Jesus nos diz: “Sede santos como meu Pai é santo!” Santidade de Deus é a Verdade, é a Justiça, é a sua Misericórdia, é o seu Amor. Todo cristão é chamado à santidade no dia de seu batismo: é programa para toda a vida.
“Quando tiveres um Deus em ti, terás um hóspede que nunca mais te deixará em paz”. A advertência é de Paul Claudel. E Deus, ao hospedar-se na vida de uma pessoa, passa a ser um hóspede incômodo e exigente, mas também adorável e irresistível. Chamado certa vez a qualificar a identidade de Deus, o filósofo Vicente Ferreira da Silva não teve dúvida: “Ele é o Sedutor, o grande Sedutor que fascina para sempre o ser humano”.
Conta-se de um santo muito simples que um dia, ao passar diante do altar, caiu em êxtase e ficou com o peito ardendo de amor, como se estivesse pegando fogo. De dentro do sacrário veio a voz de seu amigo Jesus: “Doidinho, você não se emenda e não tem jeito e fica fora de si quando me vê!” A resposta do santo foi imediata: “Doidinho é você, mais doido que eu, que fica aí preso dentro de um sacrário, dia e noite, por amor de mim.” Este era o grau de suas relações pessoais com o hóspede permanente de todas as suas horas.
O Evangelho nos diz: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. … O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (João 15, 13-15.17). Deus amou tanto a humanidade, que enviou o próprio Filho, e o Filho deu a sua vida por nós, (cf. Romanos 5,8). O mesmo Paulo nos diz: “Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguições, fome, nudez, perigo, espada?
A religiosidade popular, como manifestação popular da piedade, é considerada, por alguns intelectuais ou teóricos e planejadores, com desdenho e censura por não se enquadrar nas regras do bom senso pastoral ou social. Sem fazer concessões à desordem de ecletismos desvairados, é preciso reconhecer a legitimidade religiosa de devoções populares. Essas devem merecer sempre a atenção e cuidados para se alimentarem da própria fonte da palavra de Deus na história da nossa salvação.
“Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá novo horizonte à vida e, com isso uma orientação decisiva”, como recorda Bento XVI na sua primeira encíclica Deus é Amor. Isso é justamente o que, com apresentações diferentes, todos os evangelhos nos têm conservado como sendo o início do cristianismo: um encontro de fé com a pessoa de Jesus (cf. João 1,35-39).
A festa de todos os santos não pode resumir-se em pura celebração ou em simples pedido de ajuda. Falando dos santos, São Bernardo dizia: “Não sejamos preguiçosos em imitar aqueles que somos felizes de celebrar”. É portanto ocasião ideal de refletir sobre o “chamamento universal de todos os cristãos à santidade”. Na Primeira Carta de Pedro 1,15-16, lemos: “À imagem do Santo Deus que vos chamou, fazei-vos santos porque está escrito; vós sereis santos, porque eu sou santo”.
A santidade pode comportar fenômenos extraordinários, mas não se identifica com eles. Se todos são chamados à santidade, é porque, compreendida retamente, ela está ao alcance de todos, faz parte da normalidade da vida cristã. Deus é santo. A santidade é a síntese, na Bíblia, de todos os atributos de Deus.
*Dom Geraldo M. Agnelo, 74, é Cardeal Arcebispo de Salvador
Fonte: CNBB