Quando o céu se esvazia de Deus, povoa-se de ídolos
Talvez devido à consciência de sua fraqueza e ao medo do desconhecido, desde os seus primórdios, a humanidade passou a buscar fora de si a salvação e a felicidade que lhe faziam falta. Este é, provavelmente, um dos dados que influíram para que, em praticamente todos os lugares, nascessem religiões e deuses, como percebeu o maior orador romano, Marco Túlio Cícero: «Não existe nenhum povo, por mais rude e feroz, que, embora ignore a qual deus se deva adorar, não venere algum». [f1*]
Dentre esses povos, assume um significado particular o assim denominado “povo elei-to”. Sua origem remonta à trajetória espiritual do nômade Abraão. Foi ele quem, purificado e amadurecido por inúmeros sinais, teve a primeira experiência do Deus vivo e verdadeiro, criador do céu e da terra, sendo, por isso, considerado “o pai de todos os que têm fé”. É entre seus descendentes diretos que se realiza o projeto de Deus, concretizado na “história da salvação”, cujo ápice é a encarnação e a ressurreição de Jesus.
Na verdade, nenhum povo e pessoa alguma consegue viver sem um deus. Foi esta a intuição de Karl Barth, renomado teólogo do século passado: «Quando o céu se esvazia de Deus, povoa-se de ídolos». Não existem ateus; o que proliferam são idólatras! No mesmo instante e na mesma proporção em que o ser humano, a família e a sociedade abandonam a Deus, seu lugar é ocupado por uma multidão de ídolos.
Na antiguidade, os deuses podiam ser forças da natureza, artefatos produzidos pela in-teligência humana e, não raras vezes, projeção dos vícios que dominavam a humanidade. Hoje, seu número tornou-se incalculável. A divindade perdeu o espaço que gozava até pou-cos séculos atrás. A idolatria moderna substitui o divino pelo humano, o anseio de eternida-de pelo desejo de perpetuação na terra, a paz interior pela satisfação dos sentidos, os ideais cristãos e os valores humanos pela escravidão do ter, do poder e do prazer.
Não é verdade que o sagrado desapareceu da sociedade; o que acontece é que ele pas-sou para outras esferas e acabou perdendo sua força e sua grandeza. O Deus vivo e verda-deiro de Abraão e de Jesus foi banido, e seu lugar foi ocupado por toda espécie de pecado, quando não pelo próprio demônio.
Não é novidade para ninguém dizer que o satanismo cresce em toda a parte. Aliás, o que é a violência, a corrupção, a desestruturação familiar, a droga, o aborto, as falcatruas, a desorientação da juventude – para só citar alguns dos pesadelos atuais –, senão o sinal mais evidente de que Deus foi substituído pelo demônio?
Foi o que previu o místico Thomas Merton: «Todo ser humano se torna imagem do deus que adora. Quem ama a corrupção, apodrece».
Não foi diferente a opinião de Bento XVI expressa durante o Encontro Mundial da Juventude, em Colônia, de 16 a 21 de agosto de 2005: «Jovens, não cedam às falsas ilusões e modas efêmeras que comumente deixam um trágico vazio espiritual! Rejeitem as sedu-ções do dinheiro, do consumismo e da violência que, por vezes, praticam os meios de co-municação! Pelo contrário, façam escolhas corajosas, se necessário heróicas, para seguir a Cristo rumo à santidade, porque a Igreja precisa de testemunhas do amor contemplado em Cristo, que saibam mostrá-lo a quem ainda o troca por coisas insignificantes».
Dois meses após, a 5 de outubro, durante uma audiência pública, o Papa voltou ao as-sunto, com a clareza e a autoridade que o caracterizam: «A idolatria é expressão de uma religiosidade desviada e enganadora. O ídolo mais não é do que uma “obra das mãos do homem”, um produto dos desejos humanos. Ele possui uma forma humana com boca, o-lhos, ouvidos, garganta, mas é inerte, sem vida, como acontece precisamente com uma es-tátua inanimada (cf. Sl 113, 4-8). O destino de quem adora estas realidades mortas é tor-nar-se semelhante a elas, impotente, inerte. Nesta descrição da idolatria como falsa religi-ão, está representada a eterna tentação do homem de procurar a salvação na “obra das nossas mãos”, pondo a sua esperança na riqueza, no poder, no sucesso, na matéria. Infe-lizmente, a quem se move nesta direção, que adora a riqueza, a matéria, acontece o que já tinha descrito de maneira eficaz o profeta Isaías: “Esta gente alimenta-se de cinzas, e o seu coração, extraviado, desencaminha-os. Não consegue salvar-se, dizendo: Não será um puro engano o que tenho na mão direita?” (Is 44, 20)».
Toda vez que o homem esquece que é imagem e semelhança de Deus, acaba constru-indo um deus à sua imagem e semelhança!
Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo de Dourados – MS
Fonte: CNBB