O Catecismo da Igreja Católica ensina que, antes de tudo, “a transplantação de órgãos é conforme a lei moral, se os perigos e riscos físicos e psíquicos, em que o doador incorre, forem proporcionados ao bem que se procura em favor do destinatário” (CIC 2296). No mesmo parágrafo, destaca que a doação de órgãos após a morte do doador é um “ato nobre e meritório”, que pode e deve ser encorajado “como uma manifestação de generosa solidariedade”.
Motivada pela virtude da caridade, a doação nessa perspectiva precisa ser livre e consciente pois aí há verdadeira oferta de si em favor do outro. Também é claro que é “moralmente inadmissível provocar diretamente qualquer mutilação que leve à invalidez ou a morte de um ser humano, ainda que isso se faça para retardar a morte de outras pessoas”. Em outras palavras, é imoral assassinar ou abreviar a vida de alguém com a finalidade de aproveitar-se de seus órgãos em benefício de terceiros, por mais necessitados que estejam de um transplante.
São João Paulo II no discurso aos participantes do XVIII Congresso Internacional sobre os Transplantes, em agosto de 2000, cita a Encíclica Evangelium Vitae: “merece particular apreço a doação de órgãos feita segundo formas eticamente aceitáveis, para oferecer possibilidade de saúde e até de vida a doentes por vezes já sem esperança”.
Aspectos bioéticos do transplante de órgãos
Toda doação se configura num autêntico gesto de amor e generosidade, e este valor impresso no gesto de doar algo de si para outra pessoa necessitada, elimina toda a possibilidade de comercialização de órgãos. Quem doa não se desfaz de uma “propriedade”, de um “anexo” do corpo, mas dispõe de uma parte constitutiva de sua identidade, de sua integridade física e psíquica para daí gerar um bem maior.
Quando se trata de pessoas vivas, é preciso ter em mente que não é moralmente aceitável doar um órgão cuja a falta comprometa a integridade funcional do organismo. O princípio da integridade funcional da pessoa protege a saúde do doador e ele mantém suas funções vitais, ainda que tenha partilhado uma parte importante de si mesmo. Um segundo princípio, ligado a solidariedade humana que age em nós pela virtude da caridade, nos leva a doação incondicional de nossa vida àqueles que dela tem necessidade vital, ou se apresentam em perigo de morte eminente.
Um transplante renal, por exemplo, ainda que afete a integridade anatômica do doador vivo pode ser realizado de forma moralmente lícita, pois o organismo humano pode adaptar-se e funcionar apenas com um rim. O mesmo não se pode dizer da doação de córneas, pois o doador perderia a capacidade de enxergar.
No caso de transplante de órgãos retirados de cadáveres não existe nenhuma lei divina ou moral que proíba tal intervenção. Uma vez diagnosticada a morte do indivíduo, que já não possui mais direitos legais sobre si, o grande dilema sobre o que fazer com os órgãos de uma pessoa que não se declarou doadora agora está nas mãos de médicos e familiares. Quais os benefícios e os riscos para aqueles que serão beneficiados com os órgãos doados e até que ponto uma intervenção médica pode contribuir ou prejudicar o processo de doação? Tudo isso deve ser levado em consideração dentro os aspectos éticos ligados a uma cultura que promove a vida e a esperança.
Integridade da pessoa humana
Um outro aspecto da doação de órgãos está ligado à integridade da pessoa humana, as suas características físicas, psíquicas e até aquelas ligadas a sua identidade, que não podem sofrer qualquer violação, diminuição ou agressão.
Falamos aqui do próprio órgão que será doado, pois alguns deles estão tão profundamente ligados a identidade e a sua individualidade que doá-los seria considerado uma grave ofensa à sua dignidade. Ainda que os avanços da ciência e da medicina tornem essa realidade possível, a doação de um cérebro, dos órgãos genitais, por exemplo, é imoral e ilícita.
O papa Bento XVI em sua encíclica Deus Caritas Est e no discurso para o Congresso Internacional da Pontifícia Academia para a Vida convida a todos a refletirem sobre as conquistas da ciência, de forma que, ao se verificar a multiplicação de transplantes, não se subvertam os princípios éticos que estão na sua base.
“O corpo nunca poderá ser considerado um mero objeto. Desta forma prevaleceria a lógica do mercado. O corpo de cada pessoa, juntamente com seu espírito, constituem uma unidade inseparável na qual está impressa a imagem do próprio Deus. Prescindir desta dimensão leva a perspectivas incapazes de captar a totalidade do mistério presente em cada um. É portanto necessário que em primeiro lugar sejam posto o respeito pela dignidade da pessoa humana e a tutela de sua identidade pessoal” (Bento XVI. Vaticano, novembro de 2008).
Por que se tornar um doador
Doar órgãos é um ato sublime de caridade e solidariedade, que oferece a cada pessoa necessitada a possibilidade de restabelecer sua dignidade humana e recomeçar uma nova vida, cheia de vitalidade e alegria. Muitas pessoas esperam uma doação para continuarem vivas ou para melhorarem sua qualidade de vida quando muitos métodos de restauração da saúde são insuficientes ou não suprem suas necessidades.
Mesmo com o grande avanço da medicina e técnicas inovadoras de transplante, o número de pessoas a espera de um órgão cresce a cada dia. O cristão é chamado a estar a serviço da vida e promover formas de incentivo as doações, sempre respeitando a integridade e a dignidade do ser humano.
“O Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomá-la. Ninguém a tira de mim mas eu a dou livremente. Tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la; esse é o mandamento que recebi de meu Pai” (Jo 10,17s).