Shalom

Discurso do Papa Francisco no encontro com a Comunidade Shalom em 2017

A Comunidade Católica Shalom encontrou o Papa Francisco durante a Convenção dos 35 anos de Vocação realizada em Roma. Relembre o discurso do Papa Francisco na íntegra.

comshalom

DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS MEMBROS DA COMUNIDADE CATÓLICA SHALOM

Aula Paulo VI
Segunda 4 de setembro de 2017

Muito obrigado pelos testemunhos. Perguntei se poderia falar em espanhol… [Aula: «Sim!»] e não em italiano, assim posso me expressar melhor. Mas falando em espanhol, se fala um pouco de «portunhol» e um pouco de «cocoliche», que é um pouco de italiano e espanhol juntos… Assim que com o espanhol nos resolvemos.

Juan, você encontrou o sentido de sua vida na oração, na vida fraterna em comunidade e na evangelização, certo? Rezando, partilhando e evangelizando você se deu conta que sua vida tinha um sentido. Preste atenção que os três verbos que você usou para explicar isto são verbos de movimento, de sair de si mesmo. Saiu de si mesmo na oração para encontrar-se com Deus, saiu de si mesmo na partilha fraterna para encontrar-se com os irmãos, e saiu de si mesmo para evangelizar, para dar uma boa notícia. E a boa notícia — você usou a palavra— é a misericórdia, num mundo marcado pela desesperança e pela indiferença. É curioso, a misericórdia é algo absoluto. Você não pode falar sobre a misericórdia somente, você tem que testemunhar, você tem que partilhá-la, tem que ensinar saindo de si mesmo. Para falar de misericórdia é preciso colocar a carne sobre a brasa, senão, não se entende esse testemunho de não estar fechado em si mesmo ou nos próprios interesses, mas sim em sair. Sair buscando a Deus. Não é fácil buscar a Deus, é todo um caminho. Sair partilhando com os demais — não brincando de criança mimada que recebe todos os brinquedos e tudo é para ela —, e sair para contar aos demais que Deus é bom, que Deus os está esperando mesmo nos piores momentos da vida. E isso é talvez a mensagem de misericórdia que alguém pode dar, não? Lembre-se da passagem do filho que volta para casa. Em Lucas, capítulo 15, há uma frase que diz que o pai o viu vir de longe. Ele havia partido alguns anos antes, os anos que precisou para a gastar todo o dinheiro que tinha. Viu-o vir de longe. Isso me faz pensar que esse pai, todos os dias e talvez a cada instante, subia no terraço para ver se o filho voltava. Deus é assim conosco, mesmo nos piores momentos de pecado, mesmo nos momentos difíceis. E o Evangelho continua: “E o pai ao vê-lo ao longe se comoveu – com esse verbo que em hebraico significa “revolveram-lhe as entranhas”, essas entranhas paternas e maternas de Deus – e saiu correndo e lançou-se ao pescoço”. Esse filho estava no pior dos pecados, na pior das situações e quando disse “vou ao meu pai”, o pai já o estava esperando. Essa é a misericórdia, não desesperar nunca. Além disso, parece que nosso Deus tem uma especial predileção pelos pecadores, inclusive pelos de puro sangue: os espera. Assim que, eu te sugeriria isso, continue saindo de você mesmo e faça que todos entendam que sempre existe um Pai que nos espera com carinho e com ternura no primeiro passo que queiramos dar. Isso é o que eu sinto que devo lhe dizer. Obrigado.

Justine, que recebeu o batismo no jubileu da misericórdia, que belo! Você se deu conta que o ter encontrado a Deus lhe levou a despojar-se, a sair do estar centrada em você mesma para fora, para a alegria de viver por Deus e para Deus. Uma das coisas – aqui somos todos jovens, inclusive vocês que são jovens do segundo turno, todos jovens, jovens da segunda etapa – uma das coisas que caracteriza a juventude e a eterna juventude de Deus, porque Deus é eternamente jovem, é a alegria, “la gioia”, a alegria. A alegria se opõe à tristeza, uma tristeza que é precisamente de onde você saiu. você saiu de algo que produz tristeza que é estar centrado em si mesmo, a auto-referencialidade. Um jovem que se fecha em si mesmo, que vive somente para si mesmo termina – e espero que entendam o verbo, porque é um verbo argentino – termina “empachado” de auto-referencialidade, ou seja, cheio de auto-referencialidade. Há uma imagem que me vem agora: esta cultura que estamos vivendo, como é muito egoísta, muito assim [gesto] de olhar-se a si mesmo, tem uma dose muito grande de narcisismo, desse estar contemplando-se a si mesmo, e portanto, ignorando aos demais. O narcisismo produz tristeza porque você vive preocupado de maquiar a alma todos os dias, de aparecer melhor do que é, de contemplar se tem uma beleza melhor que a dos demais, é a doença do espelho. Jovens, quebrem o espelho! Não se olhem no espelho porque o espelho engana, olhem para fora, olhem para os demais, fujam deste mundo, desta cultura que estamos vivendo – à que você fez referência -, que é consumista e narcisista. E se algum dia querem olhar-se no espelho, lhes dou um conselho: olhem para rir de si mesmos. Façam a prova um dia: olhem e comecem a rir disso que vêem aí, isso vai refrescar-lhes a alma. Saber rir de si mesmos, isso dá alegria e nos salva da tentação do narcisismo. Obrigado, Justine.

Mateus, você falou português, brasileiro. Eu tenho que fazer-lhe uma pergunta: “Quem é melhor, Pelé ou Maradona?” [risos e aplausos dos participantes]. Por muito tempo você passou pelo túnel da droga e ela é um dos instrumentos que a cultura na qual vivemos tem para nos dominar, e é, por outro lado, como uma necessidade que temos para fazer-nos sutis, invisíveis a nós mesmos, como se fôssemos feitos de ar. A droga nos leva a negar tudo que temos de raíz, de raíz carnal, de raíz histórica, de raíz problemática, de tudo que seja enraizado. Retira a raíz e lhe faz viver num mundo sem raízes, desenraizado de tudo. Desenraizado de projetos, desenraizado do presente, desenraizado do seu passado, da sua história, desenraizado de sua pátria, de sua família, de seu amor, de tudo. Vive-se em um mundo sem nenhuma raiz e esse é o drama da droga. Jovens totalmente desenraizados, sem compromissos reais, ou seja, sem verdadeiros compromissos de carne porque, na droga você não sente nem seu próprio corpo. E depois de ter passado por essa experiência de invisibilidade, e depois de ter voltado a tomar consciência, você se deu conta de todos as raízes que existem em seu coração. Eu pergunto a cada um de vocês: vocês estão conscientes das verdadeiras raízes que existem no coração, são conscientes de suas raízes, são conscientes de seus amores, são conscientes de seus projetos, são conscientes da capacidade criativa que tem, são conscientes que são poetas neste universo para criar coisas novas e belas? Sair da droga é ir tomando consciência disso, testemunho de alguém que veio (desta experiência), por isto nos propõe estas perguntas que acabo de fazer. E cada um responde a si mesmo: Tenho consciência de ter os pés sobre a terra com tudo o que significa de raíz histórica, social, de raíz de sabedoria, de amor, de projetos, de capacidade criativa? E você quer corresponder ao plano de Deus e se dá conta que para você é consolar as dores da humanidade, e diz que neste caminho sinodal deseja discernir sua vocação. E neste caminho sinodal todos temos que discernir nossa vocação – como você diz – para ver que quer dizer-nos o Senhor com vista a uma missão. Eu vou dizer-lhe com uma palavra só, que não é minha: dar gratuitamente. Se você está aqui, se nós estamos aqui, é porque gratuitamente nos trouxeram aqui. Por favor, demos gratuitamente o que recebemos. Dar gratuitamente o que recebemos. E dar gratuitamente lhe enche a alma, lhe descomercializa, lhe faz magnânimo, lhe ensina a abraçar e a beijar, lhe faz sorrir, lhe desata de todo interesse de tipo egoísta. Dê gratuitamente o que gratuitamente recebeste, esse é o ensinamento que Ele nos está convidando a fazer. [Resposta com um “sim” fraco] Ai, meu Deus, como estão! Parece que eu, ao invés de lhes dar ânimo, estou dando um calmante para fazê-los dormir. [Aplausos]

E os mais adultos, os mais antigos da Comunidade Shalom, o que devem fazer, que serviço nos está pedindo hoje este mundo, este carisma, esta comunidade, que serviço? Aqui há uma coisa – bela -, os mais antigos e os mais jovens: o serviço que se lhes pede é o diálogo, o diálogo entre vocês, passar a tocha, passar a herança, passar o carisma, passar a vivência de vocês. Mas quero ir além, e um dos desafios que hoje este mundo nos pede é o diálogo entre os jovens e os idosos, e nisto me baseio no testemunho de vocês: “Sim, padre, já o escutamos falar disso”. E vão escutar-me dizer várias vezes mais: diálogo entre os jovens e os idosos. Nós jovens precisamos escutar os idosos e nós, os idosos, precisamos escutar os jovens. “E eu, vou fazer o que?”, pode perguntar um jovem: “o que vou fazer, falar com um idoso, isso vai ser chato”. Eu tenho a experiência de ter visto muitas vezes na outra diocese: ir com um grupo de jovens, por exemplo, a uma casa de repouso ou um asilo para tocar violão para os idosos. E, bom, se toca o violão e depois começa o diálogo, é espontâneo, se dá, nasce só, e os jovens não querem ir embora porque dos idosos brota sabedoria, mas uma sabedoria que lhes chega ao coração e lhes empurra a ir em frente. Os idosos – para vocês, jovens – não são para guardá-los no guarda-roupa, os idosos não são para serem escondidos, os idosos estão esperando um jovem que vá e os faça falar, que os faça sonhar. E vocês, jovens, necessitam receber desses homens e dessas mulheres esses sonhos, esta esperança que os faça reviver. Esse seria minha resposta à experiência que os mais antigos em diálogo com os mais jovens do Movimento Shalom teriam que fazer. Ensinar e ajudar o diálogo entre jovens  e idosos. “Sim, eu falo com minha mãe e com meu pai”. Não, seu pai e sua mãe não são idosos. Fale com o seu avô e sua avó, ou seja, uma geração mais, eles tem a sabedoria, e eles, mais ainda, tem necessidade que lhe bata à porta do coração para que lhe dê a sabedoria. E essa seria a recomendação que eu lhes dou, animem-se, animem-se a esse diálogo, esse diálogo é promessa para o futuro, esse diálogo lhes vai ajudar a seguir adiante. Não sei se respondi sua pergunta. [Moysés o fundador da Comunidade, responde: “Sim”] Muito bem, obrigado.

Não sei como continua o programa agora, mas fiquei com uma dúvida no final da última pergunta do diálogo entre jovens e idosos: Moysés é jovem ou idoso? [Resposta de Moysés: «Sono come te Santo Padre, sono come Lei»].

CANTO- BENÇÃO DO SANTO PADRE

E por favor, lhes peço que não se esqueçam de rezar por mim. Obrigado.

 

Francis Wesley Almeida Farias


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