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O Batismo do Senhor Jesus

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A Festa do Batismo do Senhor (celebrada no domingo após o dia 06 de janeiro) faz parte das “Festas Epifânicas” (Festas que evidenciam as “manifestações” do Senhor). Esta Festa conclui o Tempo Litúrgico do Natal, iniciado na Missa da “Vigília de Natal” (1).

O nosso primeiro olhar pousa sobre a figura de João Batista, o Precursor, acerca do qual falou Jesus: “Ele é mais que um profeta, e é dele que está escrito: eis que envio o meu mensageiro à tua frente: ele preparará o teu caminho diante de ti. E em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele” (cf. Mt 11, 7-15). Foi ainda em relação a João Batista que falou o anjo Gabriel ao seu pai Zacarias: “O menino será grande diante do Senhor, (…) ficará pleno do Espírito Santo ainda no seio da sua mãe e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus” (cf. Lc 1, 15-16).

O profeta João Batista é o cumprimento da promessa. Ele terá o privilégio único de conhecer e batizar o próprio Messias.

João Batista – prefigurando a vocação do cristão – é aquele que traz uma novidade quanto à purificação da vida. Novidade que consiste no convite radical a abandonar os pecados, a renunciar à vida velha e mesquinha, a trilhar um caminho de conversão (cf. Mt 3, 2). João Batista é aquele que anuncia Jesus, o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29). Toda essa novidade se concretizava mediante o batismo com água, batismo de arrependimento para a remissão dos pecados (cf. Lc 3, 3), prefiguração da radical novidade do batismo de Jesus – “Aquele que batiza como o Espírito Santo e com fogo” – e hoje, – sacramentalmente – nos possibilita morrer para uma vida velha e ressuscitar para uma vida nova (cf. Rm 6, 3-4) (2).

De uma maneira muito clara nos explica o papa emérito Bento XVI quanto à profecia do batismo de João Batista: “O concreto cumprimento de uma mudança que precisa determinar de um modo novo e para sempre toda a vida. Ele está ligado a um veemente apelo a um novo modo de pensar e de agir, ligado sobretudo ao anúncio do juízo de Deus e à proclamação de alguém maior que há de vir depois de João. (….) Finalmente se anuncia de novo a ação de Deus na história” (3). Quando tudo parece obscuro e contrário à Verdade, Deus sempre se manifesta com a radicalidade da novidade do seu amor e da sua paz.

“Nesse tempo, veio Jesus da Galiléia ao Jordão até João, a fim de ser batizado por ele” (Mt 3, 13). E o que se vê? Vemos João desnorteado ao ver Jesus vindo ao seu encontro, sem compreender a atitude de Jesus e, talvez tenha se perguntado: Como pode Aquele que é sem pecado vir receber o batismo de penitência? Mateus nos apresenta exatamente a inquietação de João ao se referir a Jesus: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por Ti e tu vens a mim?” (Mt 3, 14). Sim, Deus vem ao homem, caminha entre os homens, confunde-se com eles. Nas margens do rio Jordão, o profeta João Batista é o primeiro a testemunhar a real novidade do amor de Deus, Aquele que vem ao encontro das chagas e dos sofrimentos humanos, resgatar a sua obra prima, conduzi-la à salvação. Veio extinguir, definitivamente, o exílio da humanidade, saciar a saudade do coração do homem por de Deus, proclamar o “tempo da graça” (Kairós, cf. Is 61, 1-2a). É Jesus – que às margens correntes do rio Jordão – se apresenta como aquele que está disposto a, livremente e em total submissão à vontade de Deus, amar o homem mesmo que esse amor o leve à “loucura da cruz”.

Jesus responde prontamente a João: “Deixa estar por enquanto, pois nos convém cumprir toda justiça. E João consentiu” (Mt 3, 15). A “justiça” de que fala Jesus a João é o da obediência e o da livre resposta ao desígnio do Pai. Em Jesus a palavra justiça é assim – segundo Bento XVI – “o ilimitado sim à vontade de Deus” (4). Outros significados podemos extrair desse acontecimento trinitário, dessa extraordinária manifestação do amor de Deus manifestado no Batismo de Jesus: a solidariedade com os pecadores, a purificação da água como prefiguração do verdadeiro batismo que os apóstolos ministrariam em nome de Jesus, referência e preparação para o batismo de cruz (cf. Lc 12, 50), gesto de descida, esvaziamento (Kenose) (5) para se tornar semelhante aos homens, dar a vida por eles, vencer o mal e a morte, glorificar a obra do Pai.

Todos os demais gestos estão enriquecidos de sentido teológico e espiritual quanto ao Batismo do Senhor, tais como: a imersão como descida aos infernos do pecado do homem e a água como sinal da fecundidade, da maternidade e como símbolo do seio da Igreja (6). Na seqüência à oração de Jesus – testemunhado por João Batista – após os céus se abrirem e o Espírito Santo descer sobre ele, o Pai o chama de “Filho amado”, revelando o rosto da Santíssima Trindade e a forma como as Pessoas divinas se relacionam, tudo refletirá na intimidade e na harmonia com a qual Jesus viverá a sua missão no meio dos homens e com os homens (cf. Mt 3, 16-17).

O Batismo de Jesus marca o início da sua missão e opera definitivamente “uma renovação no velho homem, pois pela água restaurou a natureza corrompida; revestiu-nos de uma veste incorruptível e imortal” (7). Tamanha deve ser a nossa alegria e gratidão ao Senhor por tão preciosa obra realizada em nossas vidas, fruto do seu amor fiel à vontade do Pai e a todo homem.

A partir da relação amorosa e filial de Jesus com o Pai, atestada plenamente na sua ressurreição é que então podemos contemplar e desfrutar da compreensão do nosso Batismo. É em Jesus – mediante o Mistério da sua Páscoa – que o batismo de João se aperfeiçoa. Verdadeiramente o Sacramento do Sagrado Batismo nos inseriu numa vida completamente nova, encharcada pelo Espírito Santo, possuída pelo fogo do amor que é o próprio Espírito de Deus derramado nos nossos corações (cf. Lc 3, 16; Rm 5, 5). Fomos assim constituídos cristãos, filhos adotivos de Deus em Jesus, membros da Igreja, outra vez com posse da graça santificante podemos ser amigos de Deus, pois estamos marcados indelevelmente para sempre pelo seu amor e pela sua misericórdia.

De uma maneira profunda o papa Bento XVI explica esse aperfeiçoamento do batismo de João Batista e a radicalidade do sacramento do Batismo, o alcance da sua profecia e dos seus efeitos na alma humana: “O Batismo de João era um gesto humano, um ato de penitência, um orientar-se do homem para Deus, com a finalidade de pedir perdão pelos pecados e a possibilidade de começar uma nova existência. Era demasiado grande. Em Jesus Cristo vemos que Deus vem ao nosso encontro. No Batismo cristão, instituído por Cristo, não agimos sozinhos com o desejo de sermos purificados, com a oração alcançar o perdão. No Batismo cristão está presente o fogo do Espírito Santo (…) O Batismo permanecerá durante toda a nossa cooperação, a disponibilidade da nossa liberdade a dizer o “sim” que há de tornar eficaz a ação divina” (8).

A celebração e meditação da festa do Batismo do Senhor deve nos levar a desejar renovar – mediante a participação viva no Banquete da Palavra, da Eucaristia e na comunhão da Igreja – a vocação e a missão que o sacramento do Batismo nos conferiu por dom divino: a vocação à santidade e a missão de anunciar Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e que somente Ele pode verdadeiramente libertar o homem de todas as suas prisões, conduzindo-o à salvação, à alegria da fé e da Comunhão fraterna com todos os cristãos. Não podemos nos omitir e ofuscar o demasiado valor e a força do nosso Batismo para – participantes da função de Cristo: sacerdote, profeta e rei – vivermos a nossa missão na Igreja de evangelizadores, proclamarem que o Reino de Deus já se faz presente, embora ainda não definitivo, viver nossa missão na Igreja e no mundo, proclamando Jesus como Filho de Deus que – pela unção e força do Espírito Santo que ungiu Jesus para a sua missão e que também nos ungiu – podemos ser discípulos e missionários de Jesus Cristo, Aquele que nos ensina a chamar Deus ‘Abba'”(9).

Mostremos ao mundo, com o testemunho de nossas vidas, que Jesus Cristo é o Filho de Deus amado, o Caminho seguro à plena felicidade, a Verdade que o coração do homem anseia e a Vida que não foi tragada pela morte, mas a venceu. Cristo é o Shalom do Pai, a Paz que tanto procuramos. Cabe a nós Batizados em Jesus Cristo, como corpo vivo que é a Igreja, conduzir os homens às correntes do rio Jordão que é o conhecimento da Pessoa de Jesus Cristo, inserindo esta vida na economia sacramental que nos é proporcionada pela vida eclesial, fazê-la chegar a provar da doçura da Palavra de Deus e ser alimentada da Eucaristia, alimento de vida eterna.

O Sagrado Batismo nos dar a missão e a responsabilidade de levar a luz de Cristo aos que estão nas trevas da indiferença. São Gregório de Nanzianzeno nos recorda nossa altíssima vocação como batizados: “Deveis ser, como luz no mundo, uma força vital para os outros homens; permanecendo como luzes perfeitas diante da grande luz, sereis inundados pelo esplendor dessa luz que está no céu e iluminados com maior pureza e fulgor pela Trindade” (10).

Resta-nos maravilhosamente no fim desta meditação sobre a Festa do Batismo do Senhor, rezarmos com toda a Igreja: “Protegei a todos, ó Cristo: jamais tombemos no abismo de uma vida envelhecida pelo pecado, pela indiferença à Verdade, pela omissão da evangelização diante de um mundo que padece por não conhecer o amor de Deus. Dai-nos viver com alegria as promessas do nosso próprio Batismo, bem incalculável que nos inseriu na esperança do céu”.(11). Assim seja, amém!

Notas:
– As citações Bíblicas são da Bíblia de Jerusalém. Paulus, 3ª edição, 2004;
1 – Cf. Augusto Bergamini. Cristo, Festa da Igreja, Paulinas, pp. 224-238, 2004;
2 – Verbo “batizar” (baptiszenai = ser batizados, imergir nas águas). Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, Batismo, Paulus, p. 41, 1999;
3 – Bento XVI. Jesus de Nazaré, Batismo de Jesus, Planeta, p. 31, 2007;
4 – Ibidem, p. 33;
5 – “Kenose de Cristo era a entrega de sua glória divina a fim de viver a vida humana e consequentemente sofrer”. Nota da Bíblia de Jerusalém referente ao texto de I Fl 2, 6-11;
6 – Cf. Bento XVI. Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 07 de janeiro de 2007;
7 – Cf. Oração das Horas. Festa do Batismo do Senhor, Laudes, Antífona do Cântico Evangélico;
8 – Cf. Bento XVI. Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 07 de janeiro de 2007;
9 – Cf. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe,
artigos 153 e 157;
10 – Liturgia das Horas. Ofício das Leituras, Festa do Batismo do Senhor. Dos Sermões de São Gregório Nazianzeno, Bispo;
11 – Cf. Oração das Horas. Festa do Batismo do Senhor, Hino das Laudes.

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