Nosso mundo alcançou progressos científicos e tecnológicos inacreditáveis alguns anos atrás. Além disso, o aprimoramento dos meios de produção faz com que o mundo gere cada vez mais riquezas, paradoxalmente, talvez nunca tenha havido tanta injustiça social como hoje; os ricos estão muito mais ricos, e os pobres muito mais pobres. Humanamente falando, parece que aquelas palavras do salmo ficaram cada vez mais distantes: “Justiça e Paz se abraçarão”.
Por outro lado, em anos de eleição várias propostas se apresentam querendo dar uma solução para os problemas que enfrentamos. Uns se dizem de “direita”, outros de “esquerda”, outros ainda de “centro-direita” ou “centro-esquerda”. O que importa mesmo é que pouquíssimas pessoas sabem que a Igreja tem uma proposta de solução social. Esta chama-se “Doutrina Social da Igreja”, não se identifica com nenhum partido político ou ideologia específica, mas responde de maneira concreta às inquientantes preocupações e necessidades do homem moderno a partir da caridade de Cristo ensinada no Evangelho.
Essa doutrina não pode ser a favor do comunismo e do socialismo, pois além de serem fundamentadas no ateísmo; o comunismo tira um bem daquele que o possui e dá para aquele que não tem, ficando o que foi roubado “infeliz” e o que recebeu “feliz”. Isso lesa o direito fundamental à propriedade privada. Não foi isso o que Cristo ensinou. Aprendemos no Evangelho a dinâmica da partilha generosa de coração e de bens para a construção de um mundo novo.
A Igreja também é contra a ideologia capitalista, que coloca o dinheiro e o lucro acima do valor do homem, fazendo com que uma pequena minoria viva na abundância e a grande maioria viva na miséria. É preciso construir uma nova forma de viver, pautada em um entendimento real do valor absoluto da vida de cada ser humano e de que nada pode se sobrepor a esse valor. O Catecismo coloca o ensinamento sobre a Doutrina Social da Igreja dentro do sétimo mandamento: “Não roubarás” (Ex 20,15) e diz: “O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à distinção universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo” (2401).
Na assistência que o Espírito Santo sempre dá à Igreja nas questões de Fé e Doutrina, foi-se desenvolvendo à medida das necessidades do mundo moderno uma doutrina que responda eficazmente à preservação da dignidade do homem diante de cada desafio enfrentado. “A Igreja emite um juízo moral, em matéria econômica e social, quando o exigem os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas. Na ordem da moralidade, tem uma missão distinta da missão das autoridades políticas. A Igreja se preocupa com aspectos temporais do bem comum em razão da sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura inspirar as atitudes justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas” (Cat, 2420).
Foi a partir da Revolução Industrial e da nova problemática criada com homens, mulheres e crianças trabalhando até 16 horas por dia sem nenhum direito trabalhista, que o Papa Leão XIII escreveu a Encíclica “Rerum Novarum” que se tornou o ponta-pé inicial desta Doutrina Social da Igreja e que foi também um marco na relação dos homens com o trabalho e o capital. Depois vieram outras Encíclicas como a “Quadragesimo Anno”, a “Mater et Magistra”, a “Populorum Progressio”, a “Laborem Exercens”, a “Sollicitudo Rei Socialis” e a “Centesimus Annus”, que completaram e continuam a completar o ensinamento da Igreja. Todos esses documentos foram escritos no sentido de inspirar os homens de boa vontade, políticos e empresários, cada cidadão, você e eu, a buscar as soluções mais justas e de acordo com a moralidade para a instauração do Reino de Deus aqui na terra.
Na Doutrina Social da Igreja são propostos princípios de reflexão, apresentados critérios de juízo e orientações para ação:
“Todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e de seus atos” (CA, 24). É preciso ficar claro em nossa mente que o homem é sempre mais importante que o dinheiro, pois a vida não tem valor. “Seja qual for o progresso técnico e econômico não haverá no mundo nem justiça nem paz, enquanto os homens não tomarem conhecimento da dignidade das criaturas e de filhos de Deus, primeira e última razão de ser de toda realidade criada por Ele. O homem, separado de Deus, torna-se desumano consigo mesmo e com seus semelhantes, porque a relação ordenada da convivência pressupõe a ordenada relação da consciência da pessoa com Deus, fonte de verdade, de justiça e de amor” (M.M.212).
“Uma teoria que faz do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade econômica é moralmente inaceitável. O apetite desordenado pelo dinheiro não deixa de produzir seus efeitos perversos. Ele é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social” (GS, 63,3). Disso concluímos que o fim último do nosso trabalho não é o lucro, mas o bem comum. “Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser úteis não somente a ele, mas também aos outros” (GS, 69,1). Se além de fazermos bem aos outros ainda produzimos lucros, aí sim teremos então o lucro justo.
“Um sistema que ‘sacrifica os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da produção’ é contrário à dignidade do homem” (GS, 65). Toda prática que reduz as pessoas a não serem mais do que meros meios que têm em vista o lucro escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para difundir o ateísmo. “Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24; Lc 16,13). A proposta evangélica é radical: ou Deus ou o dinheiro. Se desejamos servir a Deus precisamos optar por aquilo que é a opção de Deus: o bem último de cada ser humano. Qualquer proposta social e econômica que relegue o bem do ser humano a segundo plano é contrário à vontade de Deus.
As propostas de Deus para nossa vida são sempre um chamado a uma tomada de decisão. Essa decisão também abrange a dimensão social e a econômica, levando-nos a perguntar o que queremos: Deus ou o dinheiro, a vida ou a morte, a construção de um mundo de justiça e paz ou um mundo individualista, egoísta e infeliz. Lembra-nos Jesus daquela passagem: “Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas essas coisas. Mas vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso. Buscai antes o Reino de Deus e a sua Justiça e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Não temais, pequeno rebanho, porque foi do agrado de vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,30-32). Se foi realmente do agrado do Pai dar-me o reino, o que ainda tenho para me preocupar? João Paulo II diz: “Todos nós, os que participamos da Eucaristia, somos chamados a descobrir, mediante este sacramento, o sentido profundo da nossa atividade no mundo em prol do desenvolvimento e da paz; e a ir buscar nele as energias para nos empenharmos cada vez mais generosamente, a exemplo de Cristo, que neste sacramento dá a sua vida pelos seus amigos (cf. Jo 15,13). O nosso empenho pessoal, como o de Cristo e enquanto a ele unido, não será inútil, mas certamente fecundo” (S.R.S 48). Que Deus nos abençoe nesta missão.